Crise energética

Ex-ministro aponta demora do governo na tomada de medidas para conter a crise energética: 'precisa dar a cara a tapa'

O pernambucano José Jorge foi ministro de Minas e Energia durante a crise energética enfrentada pelo governo FHC

Cadastrado por

Cássio Oliveira

Publicado em 31/08/2021 às 10:43 | Atualizado em 31/08/2021 às 11:46
O ex-ministro e ex-senador José Jorge - ANTONIO CRUZ/ABR

Ex-ministro de Minas e Energia, o pernambucano José Jorge de Vasconcelos Lima acredita que o governo do presidente Jair Bolsonaro está demorando para tomar medidas concretas para conter o avanço da crise energética no País.

Em entrevista à Rádio Jornal, na manhã desta terça-feira (31), José Jorge disse que o governo não pode ter medo de prejudicar a imagem com medidas mais duras.

"Precisa enfrentar logo o problema. Quando estive no governo, começamos a enfrentar e tomar medidas em junho, julho. Estamos em setembro e não tem medida a ser tomada. Essa medida de pedir para a população economizar, não é medida objetiva, ninguém se lembra, não funciona. Precisa enfrentar, reconhecer, dar a cara a tapa. Você leva a tapa, mas quando reconhecemos que faríamos racionamento, a mídia colaborou, teve cartilha, todos participaram. Precisa disso. Precisa reconhecer que a situação é grave", afirmou o ex-ministro.

O maior custo de uma energia é você não ter. Você paga mais caro, mas tem. E se não tiver, o que acontece? Pense no Recife ou São Paulo, às 17h, com sinais apagados, tudo escuro, são vários problemas a partir disso.
José Jorge, ex-ministro de Minas e Energia

José Jorge critica o alto nível de dependência do Brasil da matriz hidrelétrica. "O País depende das hidroelétricas, depende de água. Porém, sem chuva, fica vazio. Então, precisamos prever algumas medidas (para momentos de seca). Quando assumi o ministério, a crise estava difícil. Fui ao presidente, criamos uma comissão com Pedro Parente, começamos a tomar medidas e saímos da crise no início do outro ano", destacou. De acordo com ele, o governo deveria criar um programa de incentivo para que indústrias mudassem de horário, consumindo energia fora do horário de pico.

Energia elétrica

Energia elétrica está mais cara no Brasil em meio à crise hídrica - Fernando Frazão/Agência Brasil

Em períodos de seca, e consequente baixa nos níveis dos reservatórios, é necessário captar energia de outros tipos de usina, como as termelétricas. Esse tipo de usina gera energia a partir de combustíveis fósseis, como diesel e gás. Além de ser mais poluente, é mais cara. Por isso, quando as termelétricas são acionadas, o custo da geração de energia aumenta e a bandeira tarifária muda.

Na sexta (27), a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) decidiu manter a bandeira vermelha, patamar 2, para o mês de setembro. Com isso, o custo de cada 100 kilowatt-hora (kWh) consumido continua sendo de R$9,492. Segundo a agência, o mês de agosto, que está chegando ao fim, manteve o estado crítico dos reservatórios das usinas hidrelétricas do país.

Segundo José Jorge, o acionamento das termelétricas era o caminho esperado a curto prazo, mas o Brasil, na visão dele, precisa de soluções de médio e longo prazo, com um "mix", com oferta de diferentes fontes de energia. "A energia solar e a eólica funcionam no longo prazo. Mas, hoje, a solar trabalha com usinas pequenas em relação ao Brasil. Precisa investir na solar, na eólica, na hídrica e ter como garantia as térmicas, principalmente a gás, com poluição menor. É preciso um mix. Mas, o mais rápido nesse momento de crise, que não conta com a hidroelétrica, é ter de trabalhar com as termelétricas, que geram uma das energias mais caras. O País depende entre 60% e 70% das hidroelétricas, assim, sempre teremos risco no período sem a chuva", comentou. 

FHC

O Brasil enfrenta mais uma crise vinte anos após o apagão energético que desgastou o segundo mandato do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Hoje, o cenário tem semelhanças como a diminuição das chuvas e, consequentemente, do nível dos reservatórios; dependência da matriz hidrelétrica e procrastinação de medidas de contenção da crise pelo governo.

Naquela época, a gestão de Minas e Energia estava sob comando de José Jorge, que assumiu no lugar de Rodolpho Tourinho, em março de 2001. O período coincidiu com uma política de forte racionamento de energia, que ficou popularmente conhecida como “Apagão”. A crise energética foi provocada pela falta de investimento em geração e distribuição de energia na década anterior e pela escassez de chuvas verificada no início do ano, que provocou a queda do nível de água dos reservatórios das hidrelétricas brasileiras.

Para enfrentar a crise, o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, na contingência de dever cortar em 20% o consumo de eletricidade no país, incentivou os consumidores a cumprirem metas de racionamento e previu punições aos que ultrapassassem o nível permitido de consumo de luz. Com a adesão da população à campanha de redução do uso de energia, e com a grande frequência de chuvas verificada no final de 2001, a situação energética melhorou e em fevereiro de 2002, o racionamento foi suspenso pelo governo.

Governo federal

Presidente Jair Bolsonaro pediu que a população economize energia - Antônio Cruz/Agência Brasil

O presidente Jair Bolsonaro vem pedindo que a população economize energia elétrica em meio ao agravamento da situação das usinas hidrelétricas por causa da seca. Durante sua live semanal nas redes sociais, na quinta-feira (26), o presidente classificou como "problema sério" a atual crise energética.

"O problema é sério. Eu vou tentar fazer um apelo a você que está em casa agora. Eu tenho certeza que você pode apagar um ponto de luz agora. Eu peço esse favor pra você. Assim você estará ajudando a economizar energia e a economizar água das hidrelétricas", afirmou.

O volume de chuvas muito abaixo do esperado nos últimos meses, inclusive na comparação com o ano passado, deixou os reservatórios das hidrelétricas da região centro-sul do país em condições críticas.

"Em grande parte, nessas represas, já estamos na casa de 10%, 15% de armazenamento. Estamos no limite do limite. Algumas vão deixar de funcionar se essa crise hidrológica continuar existindo", acrescentou Bolsonaro.

Na última terça-feira (24), o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), comandado pelo Ministério de Minas e Energia, já havia alertado sobre a piora condições hídricas no país e o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) informou que será preciso garantir uma produção adicional de energia, a partir de outubro, para atender à demanda que não poderá ser suprida pelas usinas hidrelétricas.

O órgão atualizou uma nota técnica de monitoramento das condições do setor elétrico até novembro e calculou que a quantidade adicional necessária de energia será de 5,5 gigawatts médio (GWm) entre setembro e novembro. O documento enfatiza que os reservatórios das usinas estão com as piores afluências de água em 91 anos.  

Racionamento

Falta de chuvas agrava crise energética sob governo Bolsonaro, mas ministro disse não haver racionamento previsto - CAIO CORONEL/ITAIPU

O atual ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque ,afirmou, na última semana, que o governo não trabalha com a hipótese de racionamento de energia. Segundo Albuquerque, as ações que têm sido colocadas em prática até agora, como ativação de termelétricas, programa voluntário de economia pela indústria e incentivo de redução de consumo para o setor público, são suficientes para evitar racionamento.

“Não trabalhamos com essa hipótese. Isso tem que ficar muito claro. É importante dizer, dentro dessa transformação toda pela qual o setor vem passando, entre 2021 e 2022 nós vamos agregar 16.000 km de linhas de transmissão. Isso significa 10% do que temos hoje. Isso potencializa muito a segurança. Vamos agregar ao sistema 15.000 MW de capacidade instalada de geração de energia. Isso significa 8% da atual capacidade instalada no país, que é de 185 mil MW. Isso mostra a robustez do setor elétrico brasileiro para enfrentar situações adversas, como estamos enfrentando”, disse Albuquerque.

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