Impulsionado pelos efeitos da pandemia de covid-19, o termo ‘burnout’ teve um crescimento de 122% nas pesquisas do Google em 2021. Esse interesse exponencial tem motivado debates importantes sobre a síndrome, que já atinge mais de 30% dos trabalhadores brasileiros, segundo a International Stress Management Association (Isma) e ganhará um novo patamar em 2022.
Isso porque, a partir de 1º de janeiro, a síndrome de burnout estará na 11ª versão da Classificação Internacional de Doenças (CID-11), espécie de glossário que atribui códigos às mais diversas enfermidades.
A condição pode ser descrita como síndrome de estresse crônico relacionado ao trabalho que não foi administrado da forma adequada. De acordo com o psicólogo e doutor em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento Leopoldo Barbosa, professor da FPS, a expectativa dos profissionais que atendem pacientes com a doença é que a inclusão do burnout na CID-11 ajude no desenvolvimento de esforço conjunto para combater a síndrome.
“Espero que isso ajude a estabelecer parâmetros ao empregador para respeitar limites. Se o empregado foi contratado para turnos de nove horas, então não são 11 horas, nem 12 horas. Espero que isso possa amparar o trabalhador. Ele não está sendo incompetente, fracote, queixoso, uma pessoa que usa os sintomas para fugir do trabalho”, diz ele.
Para além das questões relacionadas à saúde, a inclusão do burnout na lista pode trazer alterações importantes no direito trabalhista, visto que tende a impactar as relações de trabalho e influenciar processos judiciais que tratem do tema. É o que explica a advogada Simony Braga, especialista em Direito do Trabalho e Relações Sindicais do escritório Da Fonte Advogados.
“Vale lembrar que o burnout já é reconhecido pela Justiça do Trabalho brasileira se comprovada a relação com o trabalho por meio de um laudo pericial. O que ocorre agora é que com a OMS sinalizando para o mesmo caminho, o entendimento tende a ser reforçado, de modo a influenciar nas ações que tramitam no Judiciário”, afirma ela.
O advogado especialista em direito do trabalho e professor da Unit-PE Ariston Flávio recorda que vêm sendo ajuizadas na Justiça do Trabalho, há anos, ações com pedidos indenizatórios em consequência da ocorrência da síndrome de burnout e também buscando o reconhecimento como doença laboral, o que acarreta a garantia de emprego.
“Estes tempos pandêmicos evidenciaram a necessidade da realização do trabalho de forma remota onde, na prática, existe um abuso pelo excesso da execução da atividade devido à dificuldade do controle de jornada. A inclusão do burnout na CID-11, que acaba garantindo a estabilidade no emprego, é uma conquista que vem tarde, mas que é fruto da luta de vários juristas e estudiosos do direito do trabalho que em suas teses e pesquisas já evidenciaram há muito tempo essas condutas”, pontua.
Quanto aos danos materiais e morais, também já havia ações de trabalhadores em busca de indenização pela caracterização da síndrome, o que depende de provas contundentes, segundo Simony Braga. A advogada acredita que o impacto maior será na esfera corporativa, com uma mudança de postura por parte do empregador.
“A pandemia, com o trabalho remoto, resgatou uma ideia que não é comum no direito do trabalho: a de não trabalhar só com prevenção, ou seja, com riscos que conheço, mas com precaução, com riscos que não conheço. Não é apenas o empregador contratar seu empregado e cumprir aquilo que está na lei pelos aspectos preventivos das normas regulamentadoras: entrega o equipamento de proteção individual e está resolvido. Em tempos modernos, esses problemas modernos que se transformaram em doença também se refletem significativamente no trabalho”, aconselha a especialista.
Mas deve ocorrer, conforme Ariston, da parte do Ministério Público do Trabalho e dos juízes do trabalho, uma interpretação protetiva do trabalhador em casos de dúvida.
“O reconhecimento pela OMS unificou entendimentos que antes eram divergentes entre juízes de um mesmo tribunal. Sem dúvida um reconhecimento tardio a muitas famílias que padeceram com os danos causados devido a uma relação de emprego doentia”, comenta o docente universitário.
As empresas devem investir em prevenção, que pode ser de três tipos. A prevenção primária diz respeito a reduzir ou eliminar os fatores estressores ocupacionais, como a falta de recursos para determinados projetos.
Como prevenção secundária, está o papel de ajudar a pessoa a lidar com certas situações, aliviando o prejuízo que está sendo causado ao funcionário. “Oferecer alguma atividade física ou cardápio mais saudável no refeitório é um caminho, por exemplo”, diz Leopoldo Barbosa.
E a prevenção terciária surge quando já existe dano, ou seja, a empresa ajuda a tratar os empregados que sofrem com abalo mental.