Estadão Conteúdo
A piora da percepção de risco fiscal após o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, perder a queda de braço nos bastidores do novo governo em torno da prorrogação da desoneração dos combustíveis e temores crescentes de mudança da política de preços da Petrobras azedaram o humor do mercado financeiro doméstico na primeira sessão de 2023.
Em ambiente de volume negociado reduzido (R$ 15,5 bilhões), dada a ausência dos mercados acionários em Nova York, o Ibovespa amargou queda de 3,06% e fechou aos 106.376,02 pontos, com mínima aos 105.5980,66 pontos, registrada pela manhã. Das 89 ações que compõe a carteira teórica do índice, apenas oito subiram.
"O volume foi bem abaixo da média, que vinha sendo de R$ 32 bilhões. O dia hoje foi praticamente do investidor local com feriado nos Estados Unidos e em grande parte da Ásia. E esse investidor está receoso com o novo governo", afirma o head de renda variável da Veedha Investimentos, Rodrigo Moliterno, destacando o fato de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ter chamado ontem o teto de gastos de "estupidez" e acenado com uso de bancos públicos para estimular o crescimento econômico.
Vale e papéis algumas exportadoras relevantes, como CSN, Suzano e Klabin, conseguiram se safar da sangria e subiram escoradas na alta do dólar, que voltou a fechar acima de R$ 5,35. Ações mais ligadas à atividade doméstica e sensíveis ao nível da taxa de juros local amargaram fortes perdas diante da escalada dos juros futuros e redução das apostas em corte da Selic neste ano.
Entre as blue chips, destaque negativo ficou com Petrobras, com baixa de mais de 6% dos papéis ON e PN. As ações do Banco do Brasil (-4,23%) lideraram as perdas entre os grandes bancos, dada a perspectiva de aumento de ingerência na gestão de estatais no governo petista. Bradesco ON caiu 2,08%, e Itaú PN, 1,96%, e unit do Santander, 1,53%.
O presidente Lula criticou a agenda de privatizações e já manifestou a intenção de abandonar a política de paridade de preços internacionais adotada da Petrobras. Informações são de que o governo pretende esperar a posse da diretoria da petroleira, que terá como presidente o senador Jean Paul Prates (PT-RN), para delinear a nova regra de reajustes.
Com a possibilidade de que a petroleira acabe arcando com parte dos subsídios aos combustíveis no futuro, há especulações de redução do pagamento de dividendos, o que prejudica acionistas minoritários e a arrecadação do próprio governo.
"O Haddad tem tentado falar a linguagem do mercado e até fez um discurso pela manhã prometendo responsabilidade fiscal. A questão é que o Lula parece que ainda não desceu do palanque", diz o operador de renda variável Felipe Cunha, da Manchester Investimentos, em referência ao fato de o presidente ter criticado o teto de gastos em seu discurso na posse.
Em sua fala, Haddad disse que não aceitará "resultado primário que não seja melhor que os absurdos R$ 220 bilhões de déficit previstos no Orçamento de 2023" e reiterou que vai enviar proposta de novo arcabouço fiscal ainda no primeiro semestre". O ministro da Fazenda, que pediu ao ex-ministro da Economia Paulo Guedes para não prorrogar a desoneração dos combustíveis, disse que o novo governo decidiu pela prorrogação porque Lula quer discutir a questão com a nova diretora da Petrobras.
Foi publicada pela manhã Medida Provisória (MP) que mantém até o fim do ano o PIS/Pasep e a Cofins zerados sobre diesel, biodiesel e gás liquefeito de cozinha, enquanto os tributos para a gasolina e para o álcool ficarão zerados até 28 de fevereiro. No caso de operações envolvendo gasolina, exceto para aviação, também foi ampliada até 28 de fevereiro a zeragem da Cide.
Para Cunha, a prorrogação da desoneração de combustíveis, embora compreensível, mostra força da ala política do Planalto e da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, que não tem cargo oficial no governo. Esse quadro lança dúvidas sobre a gestão da política fiscal e, por tabela, riscos à trajetória da dívida pública. "É uma sinalização ruim para o mercado. Com os juros futuro subindo tanto, a Bolsa vai apanhar. E ainda tem muita incerteza em relação à Petrobras, que é uma porta de entrada de investidores no mercado de ações", afirma.
Dólar
A alta foi a direção tomada pelo dólar durante toda a sessão de negócios nesta primeira segunda-feira do ano. Impulsionada por motivos essencialmente internos, a divisa dos Estados Unidos se fortaleceu frente ao real oscilando perto das máximas intraday em boa parte da etapa vespertina. O dia foi marcado pela troca de comando nos ministérios e os primeiros atos efetivos do novo governo, como a publicação de Medidas Provisórias (MP), que levaram desgosto aos investidores do mercado financeiro, impondo alta relevante no segmento de câmbio, reprecificação na curva de juros e queda da Bolsa.
A moeda americana no spot marcou mínima de R$ 5,2920 e máxima de R$ 5,3657 -alcançada na parte da manhã -, para fechar o dia com avanço de 1,51%, a R$ 5,3597.
"O dia foi indigesto para o mercado, com o novo governo revogando decretos que foram pilares do anterior e um dos grandes impactos foi com a renovação da desoneração dos combustíveis, que demonstrou a primeira desavença entre eles", apontou Evandro Caciano, head de câmbio da Trave Finance.
Ainda assim, Caciano avalia que a subida de hoje está inflada mais pelo volume de declarações de autoridades. Isso porque, explica, o mercado está digerindo todas as mudanças, mas, ressalta, não há grandes surpresas sobre o que está sendo feito e o que sempre foi dito desde a campanha. "O mercado está digerindo. Por mais que o time do ministério se pareça mais com Dilma do que com o de Lula 1, o próprio presidente já governou por oito anos. Me parece mais um preconceito ideológico do que um fato", acrescentou, dizendo que Haddad deixou uma herança positiva na Fazenda de São Paulo. "Agora vamos ver quanto ele vai ter poder e autoridade na sua pasta".
E justamente essa dúvida que o mercado levantou hoje quando viu a contradição entre o que Haddad negociou com Guedes sobre os combustíveis e a MP que prorrogou a isenção por mais 60 dias. Para economista e professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vagas (EESP/FGV) e ex-chefe do Departamento Econômico do Citibank, Marcelo Kfoury, Haddad, um "market friendly" da equipe econômica do governo Lula, ao lado da ministra do Planejamento, Simone Tebet, colheu sua primeira derrota para a ala mais política composta pela presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), Gleisi Hoffmann, e pelo presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante.
No exterior, sem referência em Nova York e Londres, onde é feriado, as moedas fortes se fortaleceram ante o dólar. Já as de países emergentes perderam valor em um ritmo mais forte na parte da manhã e, em alguns casos, como o peso mexicano, até se valorizando frente à divisa americana neste final de tarde.
Juros
Uma dose de populismo do novo governo acima do esperado pelos agentes financeiros estressou a curva de juros neste primeiro pregão de 2023. As taxas subiram em bloco em reação à prorrogação da desoneração da gasolina, ação vista como primeiro revés do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que na semana passada tinha se colocado contrário à medida. Trouxeram incômodo também falas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra o teto de gastos e favoráveis a uma expansão do Estado.
Na etapa da tarde, o ímpeto de alta se arrefeceu, à medida que o mercado observou falas fiscalistas do novo ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, que disse que é urgente combinar as responsabilidades ambiental e social com a fiscal e que o governo Lula quer a "saúde" das contas públicas. Operadores citaram ainda os impasses em torno da desoneração da gasolina, uma vez que é apontada inconstitucionalidade na medida pelo setor de etanol e por técnicos da transição de governo.
De todo modo, a desoneração seguiu fazendo preço para cima nas taxas durante todo o dia. São dois os principais pontos de incômodo do mercado: a aparente falta de consenso no governo com a medida e o fato de uma gestão que se inicia com um rombo nas contas públicas abrir mão de receitas na ordem de R$ 50 bilhões
Para o economista e professor da Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vagas (EESP/FGV) e ex-chefe do Departamento Econômico do Citibank, Marcelo Kfoury, Haddad perdeu a batalha em sua tentativa de discurso mais 'market friendly'. "Para um governo que começa com uma licença para gastar mais, perder R$ 52 bilhões em arrecadação não é bom", ressalta.
Além de todo o estresse político, o Relatório de Mercado Focus de hoje trouxe também pontos de atenção ao mercado de juros futuros. As projeções de IPCA para 2023, 2024 e 2025 subiram e a expectativa para Selic no fim deste novo ano foi de 12% para 12,25%, no que o BTG Pactual viu, em relatório distribuído a clientes, como reflexo da "deterioração do cenário fiscal".
Ao fim da sessão, o DI para janeiro de 2024 subiu de 13,412% no ajuste de quinta-feira a 13,525%. O janeiro 2025 foi de 12,658% para 12,93%. O janeiro 2027 avançou de 12,608% para 12,92%. O janeiro 2029 passou de 12,663% a 12,97%. E o janeiro 2031 saltou de 12,641% a 12,94%.