QUALIDADE DE VIDA

Estudo inédito mostra cidades com melhores e piores indicadores de qualidade de vida no País. Recife aparece em 21º lugar entre as capitais

IPS Brasil avalia o desempenho social e ambiental de todos os municípios do País, a partir de 53 indicadores, trazendo ranking da qualidade de vida

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Adriana Guarda

Publicado em 10/07/2024 às 19:27 | Atualizado em 10/07/2024 às 20:52
O Recife em disputa - Divulgação

No mapa que mostra o progresso social dos municípios brasileiros, o Recife aparece entre as capitais que oferecem os piores indicadores de qualidade de vida à população. No ranking das 27 capitais, ocupa a 21ª colocação, o que lhe empurra para outra lista desfavorável: a das 10 piores em condições de vida do Brasil. Quando a comparação é regional, Recife está na lanterna no ranking das nove capitais do Nordeste, à frente apenas de Maceió. A desigualdade social histórica explica o desempenho da cidade.

Os dados estão no Índice de Progresso Social - Brasil (IPS Brasil), um estudo inédito que avalia a qualidade de vida e o desempenho socioambiental dos 5.570 municípios brasileiros. Desenvolvido pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), em parceria com Fundación Avina, Amazônia 2030, Anattá Pesquisa e Desenvolvimento, Centro de Empreendedorismo da Amazônia e Social Progress Imperative, o levantamento foi publicado nacionalmente no último dia 3. 

O pesquisador Beto Veríssimo coordenou o estudo IPS Brasil, que traz informações sobre qualidade de vida em 5.570 municípios brasileiros - Luiz Marques/Divulgação
 

Criada em 2014, por cientistas de Harvard e do MIT, nos Estados Unidos, a ferramenta IPS vai além da performance econômica para medir os desempenhos social e ambiental das cidades. "O IPS foi desenhado para ser um índice multidimensional, que fosse muito além do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). O IDH é importante e mede saúde, educação e renda, mas o IPS tem uma abrangência bem maior, o que permite ter um raio x mais completo da vida social dos municípios. São observados indicadores como moradia, segurança, meio ambiente, inclusão social, telecomunicação", explica o cofundador do Imazon e coordenador da pesquisa, Beto Veríssimo. 

VIDA DIFÍCIL NO RECIFE 

O IPS Brasil traz notas de zero a cem, sendo os melhores resultados os que se aproximam do número máximo. O estudo trabalha com três dimensões: Necessidades Humanas Básicas; Fundamentos do Bem-estar e Oportunidades, além de 12 componentes e 53 indicadores. A capital pernambucana tem uma nota geral de 63,73 no índice, sendo considerada média. Três componentes puxam o desempenho do Recife para baixo e fazem do município uma das piores capitais do Brasil em condições de vida: segurança pessoal, inclusão social e saúde e bem-estar. 

Com nota de 39,21 no IPS, segurança pessoal é o pior indicador de avaliação da cidade. Neste componente são medidos assassinatos de jovens, mortes por acidentes de transporte (sobretudo motos), assassinato de mulheres e homicídios. Pernambuco, aliás, fechou o primeiro semestre de 2024 com aumento das mortes violentas intencionais. Entre todas as capitais do País, Recife tem a terceira pior nota em segurança, melhor apenas que Manaus (36,28) e Aracaju (38,62). 

Em PE, Polícia Militar registrou média diária de 5 dispensas ou licenças médicas por adoecimento mental em 2022 - GUGA MATOS/JC IMAGEM

SEGURANÇA É PONTO CRÍTICO

Balanço divulgado pela Secretaria de Defesa Social (SDS), aponta que 1.825 pessoas perderam a vida na primeira metade do ano. Houve aumento de 1,8% em relação ao mesmo período do ano passado, quando foram 1.792 casos. Na condição de capital pernambucana, o Recife registrou uma taxa de crescimento de crimes violentos bem acima da média nacional. Os números subiram de 292 (em 2023) para 353 (2024), com aumento de 20,8%.  

"Sociedades muito desiguais, com muitos bolsões de pobreza e condições precárias acabam refletindo isso no IPS, justamente nesses componentes que colocaram a nota do Recife para baixo: segurança pessoal; inclusão social; e saúde e bem-estar. Muita desigualdade também trazem problema de segurança pública, como acontece em outras capitais como Rio de Janeiro, Porto Alegre, Salvador, Fortaleza e Belém", destaca Veríssimo.

O pesquisador acredita que melhorar o tema da segurança é um trunfo para Recife melhorar sua posição no ranking nacional de qualidade de vida. "Alguns temas têm solução mais de longo prazo e é difícil mudar rapidamente, mas na segurança é possível fazer um choque de gestão e e começar a reduzir os índices em um período relativamente mais curto", sugere.  

PREVENÇÃO À VIOLÊNCIA

Procurada pelo JC para comentar o resultado do estudo, a Prefeitura do Recife pontua que, no caso da "segurança pessoal, constitucionalmente, os Estados e o Distrito Federal são os entes federativos executores das ações de segurança pública e o papel dos municípios é o de colaborar com a segurança através da oferta de serviços públicos e programas sociais que desestimulem a violência", diz, por meio de nota.

A PCR informa, ainda, "que investe na entrega de novas unidades do Centro Comunitário da Paz (Compaz), como o Compaz Leda Alves (Pina) e o Compaz Paulo Freire (Ibura). Com essas entregas, a rede passou a contar com 6 unidades. Os centros fazem parte de uma proposta político-pedagógica ancorada na cultura de paz como instrumento para prevenir a violência e propor outras sociabilidades. A experiência do Recife com o Compaz já foi premiada mundialmente pela ONU e servirá de referência para o restante país, uma vez que o Governo Federal já anunciou a nacionalização dos centros", complementa. 

Outro indicador crítico para o Recife é o de inclusão social, que mede a violência contra minorias (mulheres, povos indígenas e negros), além de paridade de gênero e de negros e pardos na Câmara Municipal. A nota de 31,19 nesse quesito também foi responsável por puxar Recife para baixo no ranking das capitais do IPS. São Paulo (27,02) e Campo Grande (30,23) são as únicas piores que a capital pernambucana nessa avaliação. 

O terceiro componente em que Recife não ranqueou bem foi o de saúde e bem-estar, que mede indicadores como expectativa de vida, mortalidade entre 15 e 50 anos, mortalidade por doenças crônicas não transmissíveis (diabetes, câncer, doenças respiratórias e doenças cardíacas). A nota do município foi 54,92, mais uma vez a terceira pior entre as capitais do Brasil, melhor apenas que Maceió (53,22) e Boa Vista (54,54). 

RECIFE NÃO SURPREENDEU

O coordenador do estudo do IPS, Beto Varíssimo, diz que não se surpreendeu com o desempenho do Recife no ranking das capitais. "Se estivéssemos falando do dinamismo econômico de vários setores ou da tradição artístico-cultural da cidade o ranking seria diferente, colocando Recife na dianteira no País. Mas a análise é socioambiental e a desigualdade social pesou. Recife e Maceió, por exemplo, são duas cidades originalmente influenciadas pela pela economia da cana-de-açúcar. Uma economia que, no passado, gerou muita desigualdade. São capitais que tiveram um crescimento populacional muito rápido, com ocupações muito precárias. Reverter essas desigualdades leva tempo", observa o pesquisador.  

 

Ocupações irregulares têm se espalhado pelo Canal da Vovozinha, em Santo Amaro, na área central do Recife - Comunidade - Pobreza - Lixo - Canal - Barracos - Miséria - Favela - Personagens Edna Maria de Santana, 60 anos e Raquel Maria da Silva, 53 anos(Com perna inchada). - GUGA MATOS/JC IMAGEM

COMBATE À DESIGUALDADE SOCIAL

Por meio de nota, a Prefeitura do Recife ressalta que a desigualdade social vem diminuindo na capital pernambucana. "A Prefeitura do Recife, através da Secretaria de Planejamento, Gestão e Transformação Digital (Seplag), esclarece que a principal referência nacional e internacional para medição da desigualdade é o Índice de Gini, que avalia a disparidade de renda de uma dada população".

E segue: "O Recife deixou o posto de capital brasileira mais marcada pela desigualdade e, numa tendência de queda contínua, atingiu o 14º lugar no ranking das capitais mais desiguais em 2023, conforme dados do IBGE. Ainda de acordo com dados do IBGE, da PNAD Contínua, o Recife reduziu em cerca de 10% a desigualdade social de 2021 até o último trimestre do ano passado. Outro ponto importante, agora de acordo com o IPEA, é que o Recife reduziu, só no ano passado, o percentual de pessoas em situação de extrema pobreza", diz o texto. 

A gestão municipal também questiona a metodologia do estudo do IPS. 

"A metodologia utilizada para embasar o ranking do IPS foi importada da comparação do progresso social entre países, sendo inédita a iniciativa de comparar realidades subnacionais brasileiras. Além disso, o estudo não divulga os anos específicos dos indicadores coletados, apenas menciona que utiliza um recorte dos últimos 5 anos, mas é certo que no dado intervalo de tempo há mudanças significativas nos municípios elencados", afirma.

"O estudo também não disponibiliza em detalhes as atribuições de pesos dadas a cada variável, o que limita a sua possibilidade de replicação e verificação de consistência por parte de outros pesquisadores ou entidades. A Prefeitura tentou localizar os documentos técnicos para a reprodutibilidade do cálculo que embasa o ranking das capitais e o método para ponderação, mas não identificou acesso público a qualquer nota metodológica que elucidasse o cálculo realizado", continua. 

RECIFE FOI BEM, JUNTO COM O BRASIL

Em alguns indicadores, o Recife registrou notas acima de 60 e acompanhou uma tendência nacional de desempenho. É o caso de moradia, onde teve nota de 87,29. Mesmo com esse resultado, ainda ficou em 17° entre as capitais. Em água e saneamento, a nota foi 78,75; mas a situação é semelhante porque apenas sete capitais tiveram nota menor que Recife. Com isso, o município garante apenas um 20° lugar. "Recife teve notas boas em alguns componentes, mas outras capitais tiveram um desempenho ainda melhor e o município não conseguiu uma posição melhor no ranking", explica Veríssimo. 

A Prefeitura do Recife defende que "considerando as dimensões e os indicadores utilizados no IPS, é possível observar o avanço na implementação e na melhoria das políticas públicas e programas que causam impacto positivo na realidade socioambiental da cidade, com reflexo no aumento da qualidade de vida da população, com destaque para algumas áreas", diz a nota, destacando ações nas áreas de nutrição e cuidados médicos básicos; educação de qualidade e moradia.

"Na frente de Nutrição e cuidados médicos básicos, o poder executivo municipal tem investido tanto na ampliação da rede de atenção básica municipal como em políticas de combate à fome. Desde o início de 2021, 128 unidades da rede municipal de saúde foram requalificadas e 65 estão em reforma. Outras 55 terão obras iniciadas ainda este ano. Nesse período, 2,5 mil profissionais de saúde foram nomeados ou contratados para reforçar o atendimento à população. Ao todo, R$ 400 milhões estão sendo aplicados na saúde pública do município, por meio do programa Recife Cuida", informa.

"Em relação ao acesso à educação de qualidade, a gestão já concluiu obras de melhoria da infraestrutura em 67 escolas e creches, e o Infância na Creche - responsável pelo aumento do número de mais de 100% das vagas em creches - saltando de 6.439 para mais de 14 mil. Além disso, houve a nomeação recorde de 1.330 novos professores para atuar nas escolas e creches", afirma.

"Já no que se refere à habitação, desde 2021, o município já viabilizou a construção de 4.771 unidades habitacionais, entre obras concluídas, em andamento, aprovadas junto ao Governo Federal e garantidas na PPP Morar no Centro. Foram entregues três conjuntos habitacionais - Encanta Moça I e II (Pina), Sérgio Loreto (São José) e Vila Brasil I e II (Ilha de Joana Bezerra), totalizando 1.272 moradias. Estão em andamento as obras das 75 unidades do habitacional Vila Esperança (Monteiro) e 256 unidades na comunidade do Pilar (Recife)", detalha.

VEJA O RANKING IPS BRASIL PsARA AS CAPITAIS 

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