Segundo projeções da imprensa norte-americana, o democrata Joe Biden venceu Donald Trump, republicano candidato à reeleição, nas eleições para presidente dos Estados Unidos. O pleito foi histórico, marcado por um contexto repleto de pontos delicados, como a pandemia da covid-19, o movimento social Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), a presença massiva dos eleitores no voto antecipado, e pela demora na definição de quem seria o vencedor - a apuração se estendeu por quatro dias até que se pudesse cravar um vencedor. Isso sem falar na polêmica envolvendo Trump, que prometeu recorrer na Justiça nos estados onde o democrata venceu. Ele alega fraude no recebimento dos votos pelos correios. O republicano não reconheceu a derrota.
Biden conseguiu o número suficiente de delegados para ser declarado vencedor neste sábado (7), graças a uma vitória no importante estado da Pensilvânia, de acordo com projeções da CNN, NBC, CBS e Associated Press. O Estado da costa leste dos Estados Unidos tem direito a 20 delegados. Como Biden já tinha 253, chegou a 273. O mínimo de delegados é 270 para garantir a eleição. Biden ainda levou Nevada, que tem 6 delegados e pode levar também o Arizona (11) e Georgia (16). Se vencer ainda onde lidera pode chegar a 306 delegados. O rival Donald Trump tem 214 no momento.
Biden bateu um recorde, se tornando o candidato mais votado da história das eleições estadunidenses, com mais de 70 milhões de votos. Assim, ele superou Barack Obama, que em 2008 conseguiu 69,3 milhões. O detalhe é que Biden foi vice de Obama.
Joe Biden tem 77 anos e deve ser tornar o mais velho da história dos Estados Unidos - esse posto era de Donald Trump em 2016, quando tinha 70 anos. Joseph Robinette Biden Jr nasceu em 20 de novembro de 1942 e cresceu em Scranton, Pensilvânia, em uma família de origem irlandesa muito católica. Seu pai era um vendedor de carros e na década de 1950 perdeu o emprego. A família se mudou para o estado vizinho de Delaware quando Joe tinha 10 anos. Biden estudou na Universidade de Delaware e na Faculdade de Direito de Syracuse. Sempre demonstrou orgulho de sua origem operário e de ter superado a gagueira. Até hoje dá conselhos aos jovens que sofrem deste distúrbio. Ele também tem uma vida marcada por profundas perdas pessoais e viu suas primeiras ambições políticas obstruídas.
Biden entrou para a política nacional aos 29 anos, quando conseguiu uma surpreendente eleição como senador por Delaware em 1972. Mas apenas um mês depois uma tragédia abalou sua vida, quando sua primeira esposa, Neilia Hunter, e sua filha de um ano morreram em um acidente de carro quando saíram para comprar uma árvore de Natal.
Seus dois filhos ficaram gravemente feridos, mas sobreviveram ao acidente. O mais velho, Beau, morreu vítima de câncer em 2015. As tragédias ajudaram a cimentar a empatia com a opinião pública americana.
Suas habilidades são polivalentes. Da mesma forma que sorri em um auditório lotado de estudantes universitários, Biden é capaz de conectar-se com operários de áreas em crise econômica ou expressar duras críticas aos rivais. Esta habilidade foi cerceada em 2020, quando a crise do coronavírus freou a campanha presencial e o deixou confinado em casa, local do qual saiu poucas vezes nas últimas semanas.
Quando foi eleito pela primeira vez, era um dos senadores mais jovens no Capitólio, onde passou décadas antes de ser o vice-presidente de Obama por oito anos. Agora ele já não tem a mesma força de antes. Apesar de ainda conservar o sorriso de comercial, seus passos são mais lentos.
Os críticos e os próprios democratas questionaram durante a campanha se a sua propensão a gafes seria um destaque durante a campanha contra Trump. O presidente explorou o tema e o chamou Biden de "Joe, o dorminhoco". Também o acusou de sofrer uma deterioração cognitiva.
Biden tentou responder os ataques e, em um momento de frustração depois que o presidente o interrompeu diversas vezes no primeiro debate da campanha, questionou exasperado: "Cara, você não vai se calar?".
A mensagem de Biden se articula em grande medida em associação com seu estilo moderado durante o governo de Obama, mas durante a campanha prometeu que como presidente adotará posturas mais progressistas nas áreas da mudança climática, justiça racial e alívio da dívida estudantil.
Mas Biden quase não conseguiu a designação democrata. Apesar de ter iniciado a disputa como favorito, muitos o descartaram por ser considerado velho, muito moderado e sua campanha parecia destinada ao desastre após as primeiras votações das primárias, vencidas por Bernie Sanders.
Mas com a primária da Carolina do Sul e o apoio dos eleitores negros, Biden retornou à disputa. A disputa marcou um grande contraste com sua tentativa de 1988, quando desistiu das primárias depois da vergonha provocada pela descoberta de que havia plagiado um discurso.
Na tentativa de 2008 também foi mal e recebeu menos 1% dos votos no caucus de Iowa, que marca o início da corrida. Naquele ano foi escolhido como candidato a vice de Obama, para quem passou a ser o "guerreiro feliz dos Estados Unidos".
Após a vitória, Obama o designou coordenador da recuperação da profunda recessão que afetava o país. Os dois discordavam sobre a guerra no Afeganistão e Biden foi contrário ao aumento do número de tropas.
Em seus 30 anos no Senado, Joe Biden foi conhecido pelas alianças improváveis e, assim como Trump, por sua propensão a sair do roteiro. Suas escolhas durante a longa carreira provocaram críticas dos democratas, incluindo de sua candidata a vice, Kamala Harris, que recordou durante as primárias a oposição do senador a um sistema contra a segregação nas escolas que consistia em levar crianças negras para colégios predominantemente brancos.
Também foi muito criticado por ajudar na redação de uma lei de 1994 que muitos democratas acreditam que provocou a detenção de uma quantidade desproporcional de cidadãos negros. Recentemente Biden reconheceu que esta iniciativa foi um erro.
Outros episódios no Senado também jogaram uma sombra sobre sua campanha, como o apoio à guerra do Iraque em 2003 e seu papel na audiência de confirmação do juiz da Suprema Corte Clarence Thomas em 1991, quando foi questionado sobre a maneira como abordou as acusações assédio sexual contra o magistrado.
No ano passado, uma polêmica sobre sua tendência de tocar as mulheres também abalou a campanha. Biden pediu desculpas e prometeu levar em consideração no futuro o "espaço pessoal" das mulheres.
Sua narrativa pessoal e suas histórias familiares estão conectadas de tal maneira como seu discurso político que se transformaram em parte de sua imagem. O acidente de 1972 em que perdeu a esposa e a filha mais nova, e no qual os filhos Beau, de 4 anos, e Hunter, de 2 anos, ficaram gravemente feridos passou a integrar sua mitologia, depois que prestou juramento como senador do hospital em que as crianças se recuperavam.
Em 1975 Biden conheceu a segunda esposa, Jill Jacobs, uma professora com quem se casou dois anos depois. O casal tem uma filha, Ashley. Beau tentou seguir os passos do pai na política e foi eleito procurador-geral de Delaware, mas faleceu vítima de câncer cerebral em 2015, quando tinha 46 anos.
Seu outro filho Hunter, um advogado que se dedica ao lobby, tem outra trajetória. Ele recebeu um salário elevado como parte da diretoria de uma empresa de gás ucraniana quando o pai era vice-presidente, o que rendeu acusações de corrupção.
As pressões de Trump para que a Ucrânia investigasse Biden renderam um processo "impeachment" ao presidente na Câmara de Representantes, que terminou com a absolvição no Senado. Hunter não recebeu nenhuma acusação, mas Trump cita a questão sempre que possível.