Um dia depois que apoiadores de Donald Trump invadiram o Capitólio dos Estados Unidos, o presidente eleito Joe Biden denunciou nesta quinta-feira (7) os repetidos ataques do presidente à democracia, sem comentar, no entanto, sobre os crescentes pedidos para destituir o republicano de imediato.
A tomada do Capitólio foi "um dos dias mais sombrios da história de nossa nação", disse Biden de seu bastião em Wilmington, a cerca de 320 quilômetros de Washington, que se recupera, sob um sol de inverno, de um dia de caos inimaginável.
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O próximo presidente dos Estados Unidos, cuja posse será em 13 dias, disse estar convencido de que se os manifestantes fossem antirracistas, como os do movimento Black Lives Matter, teriam sido tratados "de forma muito diferente".
"Todos nós sabemos que isso é verdade e é inaceitável", lamentou Biden, chamando os que participaram dos incidentes de "terroristas".
No Congresso, os principais líderes democratas instaram o vice-presidente Mike Pence e o gabinete de Trump a invocar a 25ª Emenda à Constituição, declará-lo "inapto" e removê-lo do poder, caso contrário o presidente republicano estaria sujeito a um novo julgamento político.
Remover Trump "é uma urgência de extrema importância", afirmou a presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, acusando o presidente diretamente de uma "tentativa de golpe".
"O que aconteceu ontem no Capitólio dos Estados Unidos foi uma insurreição contra os Estados Unidos, instigada pelo presidente", disse por sua vez o líder da minoria democrata no Senado, Chuck Schumer.
"Este presidente não deveria estar no cargo nem mais um dia", acrescentou Schumer, que está a caminho de se tornar o líder da maioria na Câmara Alta após o triunfo de dois democratas no segundo turno das eleições para o Senado na Geórgia, na terça-feira.
De acordo com alguns meios de comunicação americanos, os membros do gabinete do presidente discutiram a possibilidade de invocar a 25ª Emenda na noite de quarta-feira.
O primeiro republicano a falar publicamente a favor do impeachment, o congressista Adam Kinzinger, pediu a colocação em prática da medida "para o bem" da democracia americana. Trump "atiçou as brasas" da violência, criticou.
Historiadores disseram que foi a primeira vez que o Capitólio foi invadido desde 1814, quando os britânicos o incendiaram durante a Guerra de 1812.
"Quase sedição"
O Congresso, em sessão conjunta das duas Casas presidida por Pence, certificou a vitória de Biden nas eleições de 3 de novembro na madrugada de quinta-feira, por 306 a 232 votos do Colégio Eleitoral.
Como esperado, as objeções de alguns republicanos não tiveram sucesso. E, depois dos incidentes no Capitólio, vários congressistas que disseram que votariam contra a certificação da vitória de Biden mudaram de ideia.
Horas antes, a ratificação, que deveria ter sido uma mera formalidade, havia se transformado em uma "insurreição", "quase sedição", nas palavras de Biden, quando uma multidão de partidários de Trump invadiu o Capitólio, interrompendo debates e causando caos para várias horas.
Legisladores usando máscaras de gás, policiais sacando suas armas, manifestantes invadindo os escritórios dos parlamentares: imagens inimagináveis em um país que se apresenta como um modelo democrático geraram consternação e indignação em todo o mundo.
Trump, temporariamente bloqueado de postar no Twitter e "indefinitivamente" no Facebook, anunciou Mark Zuckerberg nesta quinta-feira, parece ficar para trás.
Depois da certificação da vitória de Biden nas eleições, e após um dia desastroso para seu futuro político, Trump admitiu que seu mandato está terminando.
"Embora eu discorde totalmente do resultado dessas eleições e os fatos me apoiem, haverá uma transição ordenada em 20 de janeiro", admitiu em um breve comunicado.
"Isso representa o fim de um dos melhores primeiros mandatos presidenciais e é apenas o começo de nossa luta para devolver a América à sua grandeza", acrescentou, sugerindo que poderia concorrer novamente em 2024.
Horas antes, Trump havia lançado um vídeo pedindo aos manifestantes que "voltassem para casa", mas também insistiu, sem provas, que as eleições haviam sido "roubadas".
"Já chega"
Dentro do Partido Republicano e na equipe interna do presidente, o mal-estar é palpável.
Esta tarde, a secretária de transportes, Elaine Chao, foi a primeira membro do gabinete a anunciar sua renúncia.
"Isso me perturbou tanto que não posso ignorar", disse a esposa do líder da maioria republicana no Senado, Mitch McConnell.
"Não posso ficar aqui, não depois de ontem", revelou Mick Mulvaney, ex-chefe de gabinete do Trump, à CNBC, ao renunciar ao cargo de enviado especial à Irlanda do Norte.
Vários membros do Conselho de Segurança Nacional também anunciaram suas saídas.
Uma forte aliada de Trump no Senado, a republicana Lindsey Graham, afirmou à noite que não poderia mais acompanhá-lo. "Já chega", enfatizou.
Por dois meses, Trump se recusou a aceitar a derrota nas eleições, defendendo teimosamente as teorias da conspiração. Muitos, como os ex-presidentes democratas Barack Obama e Bill Clinton, viram o que aconteceu no Capitólio como a culminação dessa cruzada.
É "um momento de desgraça e vergonha" para a América. "Mas não é uma surpresa", disse Obama.
Internacionalmente, a surpresa, indignação e condenação foram unânimes.
Alemanha, Espanha, Reino Unido e França pediram o fim dos atos que "pisoteiam a democracia", e o chefe da Otan, Jens Stoltenberg, insistiu que o resultado das eleições deve ser "respeitado".
Os opositores e inimigos de Trump também reagiram. O presidente iraniano, Hasan Rohani, disse que o que aconteceu mostra como a democracia ocidental é "frágil e vulnerável". O governo de Nicolás Maduro na Venezuela estimou que os Estados Unidos sofreram do mesmo mal que geram em outros países com suas políticas agressivas.