Da AFP
A pobreza extrema na Venezuela caiu quase 15 pontos entre 2021 e 2022, segundo um estudo acadêmico apresentado nesta quinta-feira (10), que destacou, no entanto, a enorme desigualdade existente no país, a maior de todo o continente americano.
A Pesquisa Nacional de Condições de Vida (Encovi) 2022, coordenada pela Universidade Católica Andrés Bello (UCAB) - privada - e referência na Venezuela diante da falta de números oficiais, situou em 53% a população em pobreza extrema e em 81,5% o percentual que se encontra em situação de pobreza.
Em 2021, os números eram de 68% e 90,9% respectivamente, neste país de 28,3 milhões de habitantes, segundo a própria pesquisa.
"Pela primeira vez em sete anos, a pobreza diminui na Venezuela", disse o sociólogo Luis Pedro España na apresentação da pesquisa em Caracas, na qual observou um aumento da renda em meio a uma melhora da situação econômica.
Depois de anos em recessão e hiperinflação, a Venezuela observa uma relativa recuperação, que passa pela dolarização informal e flexibilização de controles draconianos.
"Não estamos apertados, não se ganha assim [muito]... Mas sempre se leva algo para casa", disse à AFP Tanya Navas, vendedora informal de 49 anos em sua barraca no bairro popular de Chacaíto.
"A gente não passa tanta carência quanto antes, com a questão das filas e todas essas coisas", acrescenta, referindo-se à crise mais profunda em que a escassez obrigava as pessoas a fazer filas para comprar produtos e que levou muitos venezuelanos a emigrar.
'Alguma coisa levamos para casa'
A Encovi estimou em 50% o crescimento do emprego formal e uma redução de 7,7 pontos da informalidade. De qualquer forma, a Venezuela é "o país mais desigual da América", assegura. Os mais pobres ganham, em média, 7,9 dólares mensais, enquanto os mais ricos recebem 553,2 dólares, 70 vezes mais, mostra o estudo.
E quase 40% dos mais abastados vivem na capital, Caracas. "Esta situação de desigualdade não vai poder ser corrigida apenas com crescimento econômico", afirmou España.
"No ano que vem, crescendo o mesmo, não vamos reduzir a pobreza assim. A cada ano, vamos reduzi-la e vamos chegar a um vale" porque "faltam políticas públicas que tirem as pessoas da pobreza e as tornem sujeitos produtivos".
"Neste momento, a pobreza tem mais a ver com fatores sociais", informou em relação à pobreza multissetorial, que está em 50%, para além da renda, aspectos como serviços, habitação e infraestrutura.
A renda não vinculada ao trabalho, como benefícios do governo e remessas, caiu de 44,8% em 2021 para 26,2% este ano, a níveis de 2017, em parte pelo aumento das remunerações formais.
Isto inclui os bônus do governo - de 4,5 dólares em média (no ano passado, US$ 2,5) - e as remessas, que diminuíram 49% da população migrante (10 pontos a menos do que em 2011).
Voltar a fazer as malas?
Preocupa os acadêmicos a redução da cobertura escolar. No período 2021-2022, 1,5 milhão de habitantes do país com idades entre 3 e 17 anos ficaram fora do sistema educacional, observou, destacando que também houve redução no uso dos serviços públicos de saúde, por seu encarecimento.
"Quase metade da população de 3 a 5 anos permanece excluída dos benefícios da educação inicial", informou a Encovi. "Essa exclusão se concentra entre os mais pobres porque a oferta pública é limitada e a privada é custosa".
Anitza Freitez, também coordenadora do estudo, descartou, por sua vez, um retorno maciço dos milhões de venezuelanos que deixaram o país em busca de uma vida melhor. Ela estima que 6% dos 7 milhões de migrantes tenham voltado - um percentual que diz ser questionável devido aos ciclos de mobilidade destas pessoas.
"Há sinais de melhora, de crescimento, mas ainda há grande incerteza" sobre o futuro, ressaltou Freitez, destacando o apego de muitas famílias que vivem fora do país há cinco anos ou mais. "Voltar a fazer as malas com todo o grupo familiar e retornar à Venezuela quando as garantias não estão dadas - isso não consideramos factível", acrescentou.