Renan Santos*
Todo mundo gosta de um rebelde. Quando criança, era fascinado por Ikki de Fênix, dos Cavaleiros do Zodíaco. Ikki, marrento, não acompanhava seus colegas, mas aparecia nos momentos certos para salvar o dia. Era herói da molecada. É fato que a figura do rebelde encanta nos dias de hoje - tempos em que o herói
clássico está um tanto demodê.
Mas no Brasil, terra do absurdo, toda regra tem sua exceção. Surpreendeu a resistência do ex-ministro Mandetta aos ataques de Jair. O médico não apenas impôs sua agenda de combate ao vírus; também mobilizou uma coalizão de ministros que colocou Jair em xeque. Hoje popular, o ex-ministro da saúde trabalhou por contraste, permitindo ao público escolher entre o histrionismo de seu chefe e sua ponderação.
As pesquisas mostram, até aqui, vantagem para o (in)subordinado: Mandetta teve o dobro da aprovação do presidente. O médico nunca foi destaque no time de Jair; ainda assim, caipira matreiro, soube explorar a janela política que se abriu. Sem nada a perder, trucou o ex-chefe: o contrariou em praça pública e
assumiu liderança que nem Moro ou Guedes foram capazes de exercer. Domingo passado, cumpriu a absoluta rebeldia: defendeu o isolamento social em entrevista ao Fantástico.
Mais do que o dito, o meio - a odiada Rede Globo - foi especialmente injurioso: é caminho sem volta na régua do bolsonarismo. Há algo de estranho nisso tudo. Num governo cuja regra é a rebelião - contra a ciência, o decoro e as instituições -, ter bom-senso e pé no chão é a suprema rebeldia. Nesse sentido, Mandetta se rebelou por não se rebelar - por seguir a regra, o procedimento e a liturgia. No mundo do bolsonarismo, rigor é crime.
O “herói” Mandetta, agora, sucumbiu, num sacrifício que custará caro ao presidente. Mas seu exemplo ficará para os demais ministros: a insubmissão a Bolsonaro será cada vez mais desavergonhada nos capítulos que se seguirão.
*Renan Santos é coordenador do Movimento Brasil Livre (MBL)