O discurso é uma mensagem. Definição neutra e incompleta porque nem toda mensagem é um discurso. Pelo menos, três elementos devem compor sua natureza: o emissor/orador, o receptor/ouvinte e as contingências históricas.
Por dever de ofício e trabalho profissional, já ouvi milhares de discursos de toda ordem, entre brilhantes e patéticos; já escrevi (para mim e para outros como "ghost writer") e pronunciei outra quantidade enorme o que me consumiu parcela expressiva dos meus neurônios. Pelo menos, aprendi alguma coisa.
Em ocasiões especiais, me vêm à cabeça pronunciamentos célebres (os insuportáveis, esqueço porque simplesmente não ouvi) que primam por três características entrelaçadas: simplicidade, concisão e clareza, ao que acrescento a pertinência em relação às circunstância históricas.
Notável orador, Churchill, com ironia implacável, ensinava aos falastrões: "das palavras, as mais simples; das mais simples, as menores"; Lincoln, na cerimônia de inauguração do "Cemitério Militar de Gettysburg" (19/11/1863), com 272 palavras, em minutos, imortalizou o compromisso democrático entre vivos e mortos de "gerar uma nova liberdade"; com irreverência insuperável, Salvador Dali destruiu os oradores prolixos com um exemplo recorde de síntese: "Serei breve, portanto, já encerrei".
Entretanto, a mais exigente característica é a fina sintonia do discurso com o momento histórico. É o que confere o valor da perenidade à voz de Joe Biden na cerimônia da posse. No cerne de sua fala, está a dimensão da humanidade e da vida. Teve a coragem de perceber que a distância dos poderosos impede a compreensão da "Verdadeira vida - que - ensinava Ortega Y Gasset - é, em suma, sentir ânsias, esperanças, angústias e temores".
Biden, com firmeza e serenidade, perpassou sua fala de chamamentos fundamentais para a grandeza e uma nação: viver a "preciosa e frágil democracia" mesmo que diante de uma "violência que procurou abalar as fundações do Capitólio"; restaurar a alma e "garantir o futuro da América que exige muito mais do que palavras. Requer o mais difícil de todas as coisas em uma democracia: a Unidade".
Quando Biden se refere ao "Grito do Planeta", ao supremacismo branco, ao vírus como o maior dos desafios, o Presidente faz elegante declaração política em favor dos afetos ao conclamar que "vamos ouvir um ao outro, ver um ao outro" para vencer os inimigos "raiva, ódio, ilegalidade, doença, desespero e desesperança".
Biden falou para todos nós: "vamos nos envolver com o mundo mais uma vez" e com a força do exemplo, vencer o exemplo da força dos radicalismos desagregadores.
Gustavo Krause, ex-governador de Pernambuco
*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC