Democracia passa por um forte teste de resiliência

"Uma nova Nebulosa populista e autoritária, catalisada pela algoritimocracia "e-manada" das milícias digitais, cobre os quatro cantos do mundo". Leia a opinião do conselheiro do TCE-PE Valdecir Pascoal
Valdecir Pascoal
Publicado em 07/02/2021 às 2:00
Urna eletrônica Foto: Foto: Agência Brasil


As democracias enfraquecem porque as instituições de controle são fragilizadas ou estas tornam-se frágeis porque as democracias minguam? Não é de hoje que a ciência política discute esse paradoxo da causalidade, o que nos remete ao "Dilema Tostines" — na década de 80, uma propaganda de biscoitos ficou famosa por perguntar: "Tostines vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais?.

A democracia passa por um forte teste de resiliência. Uma nova Nebulosa populista e autoritária, catalisada pela algoritimocracia "e-manada" das milícias digitais, cobre os quatro cantos do mundo. Vivemos uma espécie de quarentena democrática (Democrexit). Tendo testemunhado o movimento pelas "Diretas Já" (1984), seguido da promulgação da Carta Cidadã (1988), e carregando um otimismo natural de quem ainda não completara 20 anos, supus que aquela inflexão democrática seria uma conquista civilizatória imune a retrocessos. Ledo engano. Não havia me dado conta de que os tenebrosos anos 30/40 estavam logo ali, no relógio da história. O tempo, então, cuidou de me apresentar às demais condições (demasiadamente) humanas. Marcou-me a leitura do alerta de Umberto Eco, na magistral palestra proferida na Columbia University, em 1995. Moral da prosa: a tal "nebulosa", camaleonicamente, estará sempre à espreita e a democracia, como a liberdade, não é dádiva sagrada, precisando ser regada a cada sol.

Quanto ao dilema Democracia versus Instituições, decerto que se trata de um falso paradoxo. As instituições estão a serviço da democracia e, ao mesmo tempo, não funcionam plenamente sem ela. O grau de accountability de uma Nação pressupõe, na lição de Guillermo O'Donnell, eleições e imprensa livres, canais de participação cidadã e a existência de agências de contrapesos - Judiciário, Legislativo, Tribunais de Contas, Min. Público, Controladorias… - incumbidas da preservação do Estado Democrático de Direito. Na sabedoria de Ayres Britto, os governos existem para governar e os controles para impedir os desgovernos. A percepção de hoje é que as instituições, embora não estejam blindadas da vertigem destrutiva dessa nova era de extremos, vêm, no geral, dando conta do recado.

A propósito, miremos os atuais ventos que sopram do Tio do norte. A reação da autoridade eleitoral da Geórgia ao assédio do então Presidente Trump, que lhe exigia "apenas 11.780 votos", é exemplo de resiliência institucional: "Obrigado pelo seu tempo, Presidente, mas o que o senhor está dizendo não é verdade".

Dentes trincados!

Valdecir Pascoal, conselheiro do TCE-PE

 

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