Onde andam os sonhos? Há dias que procuro devanear e não consigo. O excesso de realismo me exaure. Vou de um quarto ao outro, ando pelo corredor, chego à varanda. A ansiedade do isolamento me confunde, preciso de novos ambientes, de janelas abertas, de passeios sem rumo... Gosto de apreciar o que não conheço, as avenidas repletas de pássaros, voos indefinidos, o verde das árvores... No entanto, tenho percorrido os mesmos lugares como se o cotidiano me sugerisse não sair de casa. Não faz mal. A alucinação me serve de sustento às mais diversas alegorias.
Deixo-me vagar entre sendas que desconheço. Então, sigo. Não importa para onde, o pensamento se eleva ao mais alto grau de miragens. Preciso alimentar a interioridade, assim, estou plena. Ruas se multiplicam, multidões se aglomeram, telhados mudam de cor, prossigo ao embalo dos acontecimentos. Ainda que o silêncio cresça, descubro outras formas de reavivar o que explode dentro de mim. Importa apenas a capacidade de conceber o que almejo. A explosão do Eu me conduz a uma variância de matizes, que não têm começo nem fim. Existo na capacidade de me lançar para além dos limites. Que as sensações se espalhem mundo afora. Aí, sim, desabrocho entre os lampejos que invadem a alma.
Estou sempre indo para algum lugar — mundo, velho mundo, se eu me chamasse Raimundo... Não importa se Raimundo ou José, o que almejo é a imensidão dos anseios. Jamais me reduzo, seria uma derrota antecipada. Caminho em direção ao nada e ao tudo, as possibilidades aumentam à medida dos desatinos. As lendas servem de esteio às futuras quimeras. Sinto-me imensa quando avisto a liberdade. Nada melhor do que descobrir os esconderijos. Não estanco a sofreguidão que me habita. Para quê? Que os fantasmas se desdobrem entre planícies e planaltos, os mais diversos. Não cultivo apenas um querer; somam-se tantas inovações que me furto ao ato de enumerá-las. Haverá sempre alguma coisa a mais.
Quem disse que o enxergar me inibe? Vale realçar as multiplicidades em foco. Estou sempre um passo adiante, ainda que os recuos sirvam de estímulos até a vastidão do prosseguir. Nada me detém. Avanço na quietude e na inquietude dos caprichos. Alimento todos os dias as pulsações; que a alma perceba para muito além do que posso arquitetar. A vida corre dentro de mim como um rio no seu leito. E as águas me levam à toa, parto com ansiedade, nada de interrogações, apenas o ato de avançar, avançar, avançar... Assim, adentro a estrada que se foi. Vou atrás, não me perguntem para onde, contemplo o destino do secreto. Esqueço tudo que me ensinaram. Apenas, vou.
Fátima Quintas, da Academia Pernambucana de Letras
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