O poeta Frei Antônio das Chagas escreveu o poema "Conta e Tempo" que assim principia: "Deus pede estrita conta de meu tempo. E eu vou do meu tempo, dar-lhe conta"... "O tempo me foi dado e não fiz conta...Hoje quero acertar conta e não há tempo"...
Recordei o verso no instante em que cavaqueava com Larissa, uma adolescente com 16 anos. A conversa foi iniciada com uma indagação insólita: "Você acredita em Deus? Respondi afirmativamente e devolvi a pergunta. A jovem tangenciou. Disse-me que se Deus existe, Ele é culpado pelo tempo que ora vivemos. Indaguei se ela leu Santo Agostinho. Disse-me que não. É uma pena porque ele escreveu uma frase muito importante acerca do tempo: "é perfeitamente familiar a cada um, mas nenhum de nós o pode explicar aos outros".
A jovem refletiu e ponderou: "Da parte dos jovens tempo é vida. Quando nos sonegam horas, minutos, dias deixamos de existir e o tempo se encolhe. Desejamos dançar, cantar, abraçar os nossos amigos, beijar nossos namorados.... Fiquei pensativa escutando as palavras da mocinha. A minha pergunta rompeu a prudência: "Você não pensa na morte? E ela responde: "É claro! Mas o tempo não tem pressa porque ele carrega a eternidade.
Para nós ele assume outro significado: são as horas, os dias, as noites, as semanas de vida. Se não nos agarrarmos a essa ideia, chegará o dia em que vamos perder todas as chances que a vida nos concedeu. Estar confinada numa casa é como se estivéssemos observando a luta entre a vida e a morte. E a morte é bem mais sorrateira.
Eu apenas escutava com excesso de covardia. Repentinamente, a ousadia ingressa numa lufada de vento: "Você ainda não disse se acreditava em Deus". Ela me observou com um sorriso maroto e perguntou: "Será que Deus me concede o direito de ter dúvidas? "E o que é a dúvida, insisto". E ela não titubeia: Dúvida é o estado em que você necessita de uma explicação racional. - "Acha que Deus necessita de racionalidade? " - Pergunto. "Você pode sentir a presença de Deus? " - Insiste a garota. "Posso, respondi.
Basta refletir que Ele abrange todas as verdades só na aparência impossíveis e contraditórias. O homem possui um intelecto finito, por isso não pode compreender a natureza infinita de Deus. Num fecho plausível ela registra: a morte sempre nos espreita. Logo compreenderei se ainda é tempo de acertar conta com Deus - se é que Ele realmente existe.
Dayse de Vasconcelos Mayer, professora universitária e advogada
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