É decepcionante e insuficiente perante o interesse público o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado a respeito das ações do governo federal no enfrentamento à pandemia de covid-19.
O mérito inegável foi o jogar de luz sobre o processo de vacinação, o combate às teses negacionistas e fantasiosas sobre a doença e o avanço nas investigações sobre transações que apontaram para interesses não republicanos envolvendo personagens obscuros que se atravessaram nas relações entre o Ministério da Saúde e os laboratórios detentores da tecnologia vacinal.
Em paralelo cometeu um grave equívoco: ignorar os bilhões repassados a governos estaduais e municípios e a necessária probidade na execução dessas despesas, lastreadas nos cofres do tesouro nacional com graves consequências para o combate à corrupção no momento em que esta agenda perde terreno.
Não surpreende. Vários integrantes da CPI mantém interesses político-eleitorais vinculados aos governos estaduais e municipais. Do Fundo Nacional de Saúde foram distribuídos aos entes subnacionais, em 2020, R$ 30,7 bilhões para ações relacionados à pandemia: R$ 1,44 bilhão milhões destinados a Pernambuco, dos quais R$ 125,3 milhões foram repassados para a Prefeitura do Recife, alvo até agora de oito operações da Polícia Federal.
Os indícios de crimes contra a administração pública na gestão do prefeito Geraldo Julio apontam para superfaturamento, superdimensionamento, montagem de processos licitatórios para beneficiar empresas suspeitas de conluio com as autoridades, incluindo até rasuras em documentos que atestavam a fonte do recurso com o objetivo de impedir os órgãos federais de efetuarem a investigação.
O Recife vivenciou o maior escândalo de corrupção de sua história. Bastava à CPI o acesso aos relatórios das 49 auditorias especiais elaboradas com o rigor e a expertise do corpo técnico do Tribunal de Contas do Estado. Embora ainda aguardando julgamento (apenas três auditorias foram concluídas e consideradas "regulares" - divergindo dos relatórios), os trabalhos já disponíveis ao público identificam imputação de débitos a empresas e ex-gestores da Secretaria de Saúde do Recife num volume de R$ 38 milhões.
A atuação do Ministério Público Federal, da Polícia Federal e do Ministério Público Estadual também merecem destaque. São um vento de esperança, baseado no rigor técnico e na obediência à lei, de que o Recife não venha a ser vítima duas vezes: da pandemia e da corrupção. Apesar da CPI.
Priscila Krause, deputada Estadual (DEM-PE)
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