ARTIGO

A variante ômicron e o boato da Barragem de Tapacurá

"O boato de Tapacurá serviu para chamar atenção sobre a importância de cuidar da segurança da barragem. O aparecimento da nova variante deve reforçar as medidas de controle, enquanto há tempo". Leia o artigo de Sérgio Gondim

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SÉRGIO GONDIM

Publicado em 10/12/2021 às 6:08 | Atualizado em 11/12/2021 às 2:27
ANÁLISE BE.9 compartilha mutações com a BQ.1, que circula no País - ILUSTRATIVA/PIXABAY

No ano da graça de 1975 fui colocado na mala aberta de um Chevette, sem maiores explicações. Estava no Prado e fui parar na Suassuna, mas o destino seria o Alto da Sé, em Olinda. Com trânsito complicado, carros abandonados no meio da rua, havia muita gente de bermudas, sem camisa, sem lenço, nem documento.

Aos poucos fui entendendo o boato "Tapacurá estourou", no baixar das águas da grande enchente daquele ano. Quem havia enfrentado a "cheia" vendo pessoas morrendo afogadas, a água subindo sem saber até quando, quem viu passar gato, cachorro, vaca e gente arrastados pela correnteza, não vacilou. Ao ouvir a notícia falsa, saiu em disparada para escapar da morte com o "estouro" da barragem.

Guardando as proporções e com a diferença de que agora é verdade, surgiu a variante ômicron do Coronavírus e a reação do mundo foi do tipo "arrombou Tapacurá". A África do Sul, coitada, vacinou pouco, descobriu a variante e, mesmo não havendo certeza de que se originou lá, foi responsabilizada de imediato. Ninguém entra, ninguém sai, nem lá nem no Japão! A bolsa caiu, o dólar subiu, a máscara fez que ia, acabou ficando. Já não havia bom clima para réveillon ou carnaval e a expectativa de que a pandemia estivesse no fim foi dominada pela certeza do não.

Parece que o mundo todo correu para o Alto da Sé antes de saber se a variante infecta mais, se é mais grave ou uma gripezinha, se pode ser evitada com as vacinas ou vai enganar os anticorpos.

Em paralelo à variante, surgiram especialistas em ômicron, sem saber, mas contorcendo-se para responder se as mutações são boas para o vírus e obrigatoriamente ruins para o ser humano.

A comunicação não levou em conta que muita gente está no limite da explosão emocional por causa do distanciamento social, enquanto percebem outros aglomerando, com o prejuízo sem fim enquanto outros estão lucrando, com a ameaça contínua, enquanto outros zombam dela.

Os dados preliminares sugerem vantagens para os vacinados que usam máscaras e perigo maior para os aglomerados não vacinados. Esse é o foco, é o que nos cabe.

O boato de Tapacurá serviu para chamar atenção sobre a importância de cuidar da segurança da barragem. O aparecimento da nova variante deve reforçar as medidas de controle, enquanto há tempo. Todo cuidado com a covid-19 é pouco, mas faria bem se as providências fossem movidas pela esperança, não pelo terror. Que fossem executadas por todas as esferas, sem partidarismo, sem vacilos ou boicotes.

Assim como Tapacurá não arrombou, a ômicron poderá não arrombar e, quem sabe, estimulará uma maior procura por vacinas e cuidados preventivos entre os que se negaram até agora.

É melhor a esperança do que o pânico.

Sérgio Gondim, médico

 

*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

 

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