Relendo a obra de García Marquez, Ninguém escreve ao Coronel, foi impossível não traçar um paralelo com a PEC dos Precatórios, pela qual o Governo pretende uma moratória constitucional para com seus credores.
O livro conta a triste história de um coronel que, anistiado pelo governo colombiano, passa a vida a aguardar, na companhia de sua esposa doente, o envio da prometida pensão militar. Enquanto vendem os objetos de casa e remendam suas velhas roupas, eles dividem seus poucos vinténs para (mal) alimentarem a si próprios e a um galo de briga, única promessa de prosperidade econômica mais palpável que o tão esperado benefício.
Na perversa visão da PEC, o pagamento dos precatórios judiciais é que estaria inviabilizando a criação de um auxílio emergencial aos mais necessitados. Reduzir a despesa com custeio, alienar estatais, reescalonar dívida mobiliária ou mesmo instituir imposto sobre grandes fortunas, pelo visto, são opções mais incômodas do que se institucionalizar o calote aos brasileiros credores do Estado.
Se compreendermos que precatório judicial nada mais é que uma ordem de pagamento do Judiciário para que o governo honre uma dívida reconhecida após muitos anos de processo judicial, notaremos o quão grave é essa inversão de valores.
Alguém há de argumentar: mas existem precatórios de bilhões de reais. Ora, quanto maior o valor do precatório, maior foi o erro do Estado ao não reparar prejuízo que causou ou não pagar o que a lei determinou que fizesse a tempo e modo próprios. Na verdade, o instituto do precatório já é por si arcaico e injusto, merecendo uma revisão ou mesmo a extinção.
Na complexa equação política do Congresso, sei que esses argumentos serão pouco considerados na apreciação da matéria, mas enquanto o lesado cidadão aguarda eternamente uma carta que o redima de tanta penúria e desprezo, tenho a esperança de que o STF cumpra seu papel constitucional e dê um basta em mais essa aventura autoritária.
Pedro Henrique Reynaldo Alves, ex-presidente da OAB/PE
*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC