A elaboração do orçamento da União transformou-se em uma grande arena onde o conflito distributivo se manifesta de forma ostensiva. O orçamento é um instrumento de planejamento onde programas prioritários desdobrados em projetos e atividades têm recursos alocados para sua viabilização no ano.
A elaboração e debate do orçamento federal têm consumido tempo além do necessário e regulamentar, gerado inúmeros conflitos de interesse e exposto as dificuldades políticas do Governo. O caso das emendas de relator retrata essa situação. A novidade é a intervenção pontual do Presidente da República na elaboração orçamentária para favorecer sua base política.
Em mais uma demonstração de que Bolsonaro não governa para todos os brasileiros, mas para suas bases, a decisão para reestruturar e aumentar os salários de policiais federais realizada por meio de pressão direta do Presidente sobre o relator do orçamento é inédita. Essa atitude se assemelha a de um vereador de cidade pequena que deseja privilegiar no orçamento municipal os garis porque estes fazem parte de sua base eleitoral. Esse tipo de iniciativa conduz a vários problemas, um dos quais se manifestou de imediato: o protesto dos auditores da receita federal que entregaram seus cargos. Procuradores, professores, membros da carreira de Ciência e Tecnologia e as demais categorias de servidores públicos irão legitimamente protestar e demandar que sejam tratados de forma isonômica. O Presidente ignora o que denomino de Salão de Espelhos. No serviço público as categorias se vêm, em termos salariais, umas nas outras. Aplica-se aqui o conceito de salário relativo. Não importa apenas o valor absoluto do salário, é necessário avaliar o salário da categoria "A" em termos do salário da categoria "B". Se um governante der aumento para a primeira e não der para a segunda, isso desequilibra os salários relativos e desencadeia reinvindicações que se espalham por todo o serviço público. Os salários de cada categoria se espelham nos salários das demais.
Esse mecanismo foi um dos que levaram os salários do serviço público a ampliarem sua participação no bolo das despesas obrigatórias, reduzindo ainda mais o estreito espaço das despesas discricionárias, entre elas os investimentos públicos, que caíram de 5 % do PIB, em 1987, para cerca de 0,5% em 2021. Os espaços fiscais se reduzem ano a ano, conduzindo os governantes à seara das acrobacias orçamentárias como a mudança no período de indexação das despesas primárias e o calote nos precatórios que, na prática, violou o princípio do teto de gastos.
Intervenções indevidas no orçamento e malabarismos fiscais não contribuem para a estabilidade macroeconômica.
Jorge Jatobá, Doutor em Economia