Não sabia exatamente o que escrever neste meu último artigo do ano e não tenho muita disposição - nem virtude - para construir frases panglossianamente otimistas ("O melhor de nossas vidas ainda está por vir!") ou sabinianamente esperançosas ("No fim tudo dá certo. Se não deu é porque não chegou ao fim!"): para mim se no fim não deu certo é porque deu errado! E, aí, precisamos compreender por que chegamos até ali... Mas admito que o "próximo" ano, depois de um ano de luto como este que acaba, talvez possa ser melhor (pior seria apostar na catástrofe!), e há sempre a possibilidade de uma renovação da vida.
Numa passagem d'A Condição Humana, Hannah Arendt dizia que "os homens, embora mortais, não foram feitos para morrer, mas para inovar!", e esta "inovação" do mundo é aquilo que ela chamou de MILAGRE: não se trata evidentemente do milagre na acepção religiosa como o "milagre dos peixes" ou da "multiplicação dos pães" (Jesus não era mágico, pronunciando um "abracadabra" que transformava água em vinho!): são figuras metafóricas que nos mostram que podemos dividir o que temos e ninguém sofrerá a fome e, para isto, a ação contida nas palavras é fundamental, pois é com elas que atribuímos novos sentidos ao mundo e, assim, novas ações: o milagre é o COMEÇO, a introdução num mundo já velho de algo novo, insólito, impensado; é aquilo que rompe com o encadeamento "linear" dos fatos, fazendo da vida algo não banal, imprevisível e aberto. Este "milagre" é sempre possibilitado pela chegada dos "novos" (Natalidade), sem o quê, ele, o Mundo, permanecerá velho e tendente a desaparecer. É por isso que a educação que tenta fazer com que os novos (alunos e filhos) realizem as utopias e sonhos dos mais velhos, não passa da vã tentativa (dos velhos!) de administrar o futuro e impedir, assim, a própria renovação do mundo: a educação - não custa lembrar- é aquele ponto em que decidimos se amamos o mundo suficientemente para permitir sua continuidade e sua renovação.
Octavio Paz sabia disso quando assinalava que há um coincidente encontro entre as crianças e os idosos: os primeiros foram sacudidos na solidão do mundo ao deixarem o ventre materno; e os segundos sabem que, em breve, voltarão à solidão fundamental da morte. Todo o problema se situa neste intervalo entre as "duas solidões", neste entretempo que praticamos vindos de lugar nenhum e voltando para lugar nenhum! Esta renovação do Mundo e da Vida trazida por cada criança também é parte do milagre de todo COMEÇO. Os antigos gregos davam um nome para isso: IMORTALIDADE!
Flávio Brayner, da UFPE