Conceder reajuste de salários no setor público exige paciente negociação, especialmente em períodos de alta inflação que coincidem com ano eleitoral. O Governo Bolsonaro cometeu um erro político no começo do ano ao prometer reajuste salarial disfarçado em reestruturação de carreira para a Polícia Federal. Depois de anos de salários congelados e agora no contexto de fortes pressões inflacionarias, é natural que os servidores públicos de todos os níveis não se conformassem com tal concessão exclusiva e privilegiada. Isso desencadeou movimentos para reajustes salariais em todo o conjunto do serviço público federal. Uma pressão forte, quase insuportável especialmente se há um projeto de reeleição em jogo em meio a regras fiscais tíbias frequentemente violadas por artifícios que desrespeitam o teto de gastos e por populismo tributário que causa severos danos em termos de renúncia fiscal.
O governo cedeu e concedeu, a partir de julho, reajuste salarial de 5,0% para todos, uma variação que é inferior a metade da inflação acumulada até março de 2022 (10.84%), sem considerar a inflação de anos anteriores. Obviamente, esse percentual não satisfez as categorias do serviço público as quais, como em uma sala de espelhos, olham uns para os outros, tentando alterar os salários relativos para beneficiar por diversos artifícios categorias específicas em detrimento das demais., O reajuste concedido de 5,0% para todos, não altera por sua transversalidade as profundas desigualdades existentes no serviço público brasileiro que contribuem para o conjunto das diferenciais de rendimentos na nossa sociedade. Não se surpreendam se por intermédios de demandas que se materializam em bônus, auxílios e compensações as mais fortes categorias do serviço publico, especialmente as que compõem as denominadas carreiras de estado comecem a buscar de forma disfarçada reajustes setoriais que as diferenciem em termos de ganhos de rendimentos das demais categorias. Essa tem sido a tradição brasileira e a resultante é o elevado percentual de gastos incompressíveis que sufocam o custeio e, sobretudo, o investimento público. Hoje 96% das despesas primárias estão comprometidas com salários e benefícios de toda ordem, causando uma forte restrição na capacidade do governo federal de livremente arbitrar outros gastos .
O reajuste de 5,0% vai custar R$ 6,5 bilhões, um gasto permanente que se estenderá ao infinito em termos de repercussão orçamentária. Alguns argumentam que o aumento da arrecadação permitiu tal reajuste. Boa parte deste aumento transitório de arrecadação, todavia, não vem do aumento do nível de atividade econômica, praticamente estagnado, mas do aumento da inflação que causa a ilusão de que variações nominais sejam reais e permanentes.
A necessidade de obter sucesso eleitoral causa problemas fiscais e políticos que não antecipados, perturbam a vida do atual Presidente e do seu eventual sucessor.
Jorge Jatobá, doutor em Economia