Em momentos de crise, o Brasil foi o destino escolhido por muitos portugueses nas sucessivas ondas migratórias que se sucederam historicamente. O ápice quantitativo ocorreu nas três primeiras décadas do século XX, altura na qual foram acolhidos deste lado do Atlântico uma média anual que superou os 25 mil lusitanos, em sua maioria mulheres e órfãos de origem pobre, todos em busca de oportunidades.
Aqui, à custa do esforço próprio e da solidariedade encontrada em nosso território nacional, puderam prosperar e contribuir para o estabelecimento de uma relação fraterna e enriquecedora, tanto em termos culturais quanto econômicos. Identificamo-nos na lusofonia e compartilhamos muitas afinidades: desde a culinária até os nomes de municípios, os daqui prestando homenagem às nossas origens, a partir da descoberta cabralina. Também no Direito há expressiva similitude entre os sistemas a ensejar um importante intercâmbio no âmbito jurídico.
Pessoalmente, tive o privilégio de uma memorável experiência imersiva em Portugal, por cerca de um ano e meio, a partir de 2001, quando frequentei o mestrado na Universidade de Lisboa. Na altura, o hoje presidente Marcelo Rebelo de Sousa era "apenas" mais um dos ilustres docentes com os quais cruzamos nos corredores da Faculdade de Direito, ao lado de figuras como José de Oliveira Ascensão, Jorge Miranda, Menezes Cordeiro, Paulo Otero, Miguel Teixeira de Sousa, Ana Maria Martins, Pedro Paes de Vasconcelos, Luís Menezes Leitão, Paula Costa e Silva, dentre tantos outros.
Sou imensamente grato por todas as oportunidades que se descortinaram a partir da minha temporada portuguesa, bem como pelas sólidas amizades lá construídas. Voltar a Portugal é sempre reencontrar essa importante quadra existencial, sentimento compartilhado por tantos outros brasileiros que por lá estiveram, antes e depois de mim.
É com inenarrável tristeza, portanto, que retorno da última visita a Portugal, testemunhando uma acelerada erosão nas boas relações construídas entre os nossos países. A responsável pelo lamentável ambiente é a escandalosa inabilidade política da Sra. Bastonária no trato com os brasileiros inscritos na Ordem dos Advogados daquele país, sobretudo ao verberar fundamentos flagrantemente inverídicos para, unilateralmente, rescindir acordo bilateral que garantia reciprocidade a advogados de ambos os países, assegurando-lhes o direito de atuação transnacional. Para a Dra. Fernanda de Almeida Pinheiro, porque "a legislação brasileira e a portuguesa são completamente diferentes", "não é correto nem pode ser política de uma Ordem permitir que possam estar a exercer a profissão pessoas que não estejam técnica e juridicamente qualificadas para o efeito". Ora, as diferenças apontadas não se aprofundaram desde a celebração do convênio. São as mesmas, há muito. Lá e cá. E a eventual desqualificação profissional não guarda necessária relação com a nacionalidade do advogado, devendo ser reprimida por caminhos outros.
As ofensivas manifestações públicas da representante dos advogados portugueses exalam xenofobia e preconceito. Lançando luzes sobre o equívoco cometido, o ex-bastonário, Luis Menezes Leitão emitiu manifestação pública criticando a deliberação, na forma e na substância, porque contraria previsão do art. 201, 2, do Estatuto da Ordem dos Advogados, bem como em razão de periclitar a excelente relação que sempre existiu entre a advocacia portuguesa e brasileira.
É preciso compreender a decepção compartilhada por um grande contingente de inscritos brasileiros que foi outrora cortejado pela então candidata à liderança da advocacia portuguesa durante a campanha, e que agora se vê atraiçoado pelas declarações infelizes da bastonária já eleita, cujas atitudes são verdadeiramente censuráveis.
Ronnie Preuss Duarte, advogado e conselheiro federal da OAB