O Parlamento brasileiro perdeu uma grande oportunidade de realizar uma profunda reforma no Supremo Tribunal Federal e no próprio Poder Judiciário, quando os deputados federais e senadores aprovaram a Emenda Constitucional nº 45, em 2004, que entre outras inovações criou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com as atribuições de exercer o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e dos deveres funcionais dos juízes. Antes do CNJ havia uma cobrança nacional no sentido de criar um órgão administrativo que tivesse a incumbência de exercer o controle externo do Poder Judiciário, sem qualquer atividade jurisdicional e sem qualquer controle sobre as decisões judiciais emanadas dos seus magistrados, até porque de todas as decisões realizadas no devido processo legal, sempre caberá um recurso judicial para um órgão colegiado, hierarquicamente superior àquele que proferiu a decisão.
A partir da criação do CNJ, pode-se afirmar, o sistema penitenciário brasileiro e o processo de execução penal foram soberbamente agraciados com um conjunto de medidas por ele adotadas, que certamente tornaram a desumanização da pena mais amena, como foi o caso da implantação das audiências de custódia e dos mutirões carcerários, que tanto têm contribuído para evitar as graves consequências vivenciadas pelos reclusos do país, seja porque a aquisição de benefícios penitenciários sempre foi mais longa e demorada, seja porque houve uma preocupação maior com os direitos do preso, que aliás estão elencados na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Execução Penal de 1984, mesmo que saibamos que nem todos eles são reconhecidos. Nunca é demais lembrar que o sistema carcerário brasileiro, depois do CNJ, ganhou novos contornos, embora ainda não seja o suficiente para a preservação da dignidade humana dos encarcerados.
Ocorre, todavia, que os legisladores de 2004 muito pouco atentaram para a necessidade de reformar, profundamente, o Supremo Tribunal Federal, quer com a imprescindível mudança na sua competência jurisdicional, quer com a indicação e posse dos seus ministros. É comum acontecer de o STF apreciar um litígio envolvendo duas pessoas que se envolveram numa discussão de bar, cada um dos litigantes arguindo o "direito de expressão", quando a desavença deveria ser apreciada por um Juizado Especial. Significa, assim, que a primeira reforma exigida está na transformação do atual STF numa Suprema Corte Constitucional, com a competência exclusiva para instruir e julgar os grandes conflitos constitucionais, deixando para as Cortes inferiores e para os juízes de primeiro grau a missão de decidirem sobre os pequenos litígios que também exigem uma solução judicial.
Uma Corte Constitucional que se preza declara, com ênfase, o que deve julgar e o que deve ser apreciado por outros órgãos do Poder Judiciário. Eis o motivo de grande parte dos países que possuem suas Cortes Constitucionais analisarem poucas, mas importantes causas por ano. Uma Corte Constitucional julga, somente, as matérias de relevo nacional que se veem transformadas em lei, que possam dar causa à possível divergência com a Constituição e até com as suas próprias decisões.
O que não é possível, mais, é suportar o STF, pelo seu plenário, fazer às vezes do Parlamento, como aconteceu com o processo que envolveu o Juiz das Garantias e com aquele que está sendo apreciado sobre o uso e o consumo de drogas, onde a Suprema Corte vem legislando e violando a independência dos Poderes. Fosse o STF uma Corte Constitucional, certamente as matérias não seriam objeto da sua apreciação, pois ela é de exclusiva competência legislativa e não jurisdicional.
O voto secreto por parte de cada um dos ministros, seria outra solução para atenuar o atual desgaste social da Suprema Corte. Porém, nesse caso, seria necessário modificar a Constituição e retirar o princípio dos julgamentos públicos e das decisões fundamentadas, dispositivos caros ao regime democrático.
Lado outro, já não se concebe que um novo ministro da Suprema Corte seja escolhido pelo presidente da República. O mínimo que se espera é que o Chefe do Executivo indique 6 (seis) nomes, que o Senado Federal reduza para 3 (três), cabendo ao plenário do STF, pelo voto da sua maioria, decidir por aquele que reúna as suas condições pessoais, morais e jurídicas para o exercício da relevante função.
A transformação do STF em Corte exclusivamente constitucional, com novos critérios objetivos para a indicação dos seus ministros, são mudanças absolutamente necessárias e importantes para o aprimoramento do sistema democrático de Direito.
Adeildo Nunes, juiz de Direito Aposentado, Professor da UNISÃOMIGUEL, Advogado Criminalista, Doutor e Mestre em Direito pela Universidade Lusíada de Lisboa.