OPINIÃO

O indulto de 2023

O perdão pelo indulto pode ser decretado pelo presidente da República em qualquer dia e hora,

Cadastrado por

Adeildo Nunes

Publicado em 28/12/2023 às 6:03
Do ponto de vista doutrinário, diz-se que o indulto pode ser coletivo ou individual - Freepik

Por indulto entende-se o perdão estipulado pelo presidente da República, mediante Decreto, beneficiando pessoas condenadas pela prática de crimes comuns, cuja clemência só gera efeitos jurídicos depois de declarada por sentença judicial, no âmbito do devido processo legal. O indulto é uma das mais remotas formas de perdoar pessoas que tenham sido condenadas. Criado com a finalidade de preservar o espírito humanitário que deve reger qualquer política criminal e penitenciária, o indulto sempre foi utilizado como forma de
perdoar pessoas condenadas pelo cometimento de crimes de média e de leve potencialidade, em benefício dos doentes graves, dos idosos e das mulheres que eventualmente comprovem a condição de cuidadoras de crianças menores de doze anos de idade.

O perdão pelo indulto pode ser decretado pelo presidente da República em qualquer dia e hora, mas, por tradição brasileira, o perdão comumente é editado nas proximidades do Natal, como forma de oferecer o benefício em época de confraternização universal e das festividades natalinas. De 1945 até os dias atuais, somente no natal de 2018 não houve a expedição do Decreto de indulto, por livre decisão do presidente Michel Temer. Foi Temer, porém, quem pela primeira vez inovou, ao estabelecer o indulto perdoando mulheres-mães,
em maio de 2017, que aliás vem sendo editado, deste então, no período dedicado às mães.

Embora seja livre para editar o indulto, o presidente da República não pode perdoar pessoas que cometeram crimes graves (hediondos, tráfico de drogas, tortura e terrorismo), porque a Constituição Federal de 1988 não permite. Exceto essas proibições, o Chefe da Nação tem a prerrogativa de perdoar coletivamente ou individualmente quem bem lhe aprouver, embora o perdão, repito, só gere efeitos jurídicos com a existência de uma decisão judicial por parte do juiz da Execução Penal. Com base no Decreto de indulto, o réu ou o seu advogado público ou privado deve requerer o benefício ao juiz da Execução Penal, a quem cabe, após parecer do Ministério Público, conceder ou negar o benefício, de forma escrita e fundamentada.

Do ponto de vista doutrinário, diz-se que o indulto pode ser coletivo ou individual. Significa dizer, assim, que o Decreto que consagra o indulto pode ser editado para beneficiar todos os condenados do país ou na forma
individual. Tanto o coletivo como o individual (graça), lado outro, ele pode ser pleno ou parcial. No indulto pleno há o perdão total pelo crime cometido, enquanto no parcial (comutação de pena), o Estado perdoa parte da pena estipulada na sentença penal condenatória. Estando o apenado preso, decretado o indulto pleno, o réu deve ser posto em liberdade, imediatamente, se por outro motivo não estiver detido; se o perdão for pela comutação da pena, o juiz da Execução Penal apenas reduz a reprimenda imposta na sentença condenatória, perdoando parcialmente o condenado, com a diminuição da sanção penal contida na sentença penal condenatória.

Cabe lembrar, por oportuno, que ao longo dos anos de Decretos de indulto, no Brasil, os mais restritivos ao perdão foram aqueles editados em 2019, 2020, 2021 e 2022, ademais menos de 1% (um por cento) dos condenados foram beneficiados. A média nacional, anualmente, sempre foi acima de 10% (dez por cento) dos condenados. Pela jurisprudência nacional, todavia, mesmo aqueles que tenham proibição expressa nos Decretos, podem se beneficiar do indulto se o seu estado de saúde seja terminal. Quando juiz da Execução Penal, várias vezes autorizei o indulto humanitário para aqueles que estivessem em estado de saúde terminal, independentemente da proibição constitucional e do Decreto de indulto.

Em 23.12.2023 foi publicado o Decreto Presidencial nº 11.846, estabelecendo regras sobre o indulto de Natal, perdoando coletivamente todos os condenados do país que tenham cumprido um determinado tempo da pena,
preferencialmente beneficiando pessoas que tenham praticado crimes sem violência ou grave ameaça, exigindo-se um maior tempo para os reincidentes e para aqueles que cometeram crimes com violência ou grave ameaça. O Decreto, com efeito, autorizou, também, o perdão total para as mulheres condenadas e, inclusive, aqueles acometidos de doença grave ou deficiência física, inovando, sobremaneira, no que tange às  pessoas acometidas de transtorno do espectro autista.

Não obstante, o Decreto Presidencial nº 11.846/23 declarou a proibição para a concessão do indulto em relação àqueles que cometeram crimes hediondos, tráfico de drogas, terrorismo, tortura, contra o meio ambiente, peculato, inserção de dados falsos em sistema de informações, emprego irregular de verbas ou rendas públicas, concussão, corrupção passiva, contrabando ou descaminho, prevaricação, redução a condição análoga à de escravo, tráfico de pessoas, contra o Estado Democrático de Direito, genocídio, contra o sistema financeiro nacional, crimes de licitações e contratos administrativos, crimes militares, lavagem de dinheiro e de bens, aqueles tipificados por violência contra a mulher, os praticados por organizações criminosas ou milícias privadas e, finalmente, em relação àqueles cometidos contra crianças e adolescentes.

A concessão do indulto, pelo juiz da Execução Penal, também ficou condicionada a inexistência de sanção administrativa de natureza grave, que tenha sido praticada pelo condenado, desde que homologada pelo juiz, mas somente aquela que tenha sido cometida entre 22.12.2022 e 22.12.2023. Como se nota, o Decreto nº 11.846 foi bastante rígido em relação às proibições para o reconhecimento do perdão pelo Poder Judiciário, mas o seu conteúdo humanitário deve ser por demais elogiado.

Adeildo Nunes, juiz de Direito Aposentado, Professor, Mestre e Doutor em Direito, Advogado Criminalista, sócio do escritório Nunes, Siqueira & Rêgo Barros – Advogados Associados

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