Quem conhece a vida nos mangues logo reconhece suas tantas semelhanças com a nossa democracia. Berçário litorâneo de diversidade de vida pulsante, este ecossistema, onde águas doces e salgadas se encontram, é berço que abriga uma variedade de espécies que coexistem e prosperam juntas. Da mesma forma, a democracia em nosso país é alimentada pela confluência de diferentes correntes de pensamento, culturas e ideias. Como as raízes dos manguezais que se entrelaçam para formar uma sólida base, a nossa democracia se fortalece na interconexão de variadas vozes. Cada raiz, cada ramo, cada folha no mangue representa um pouco da nossa sociedade, contribuindo para um todo maior e mais resistente. Este ecossistema, com sua capacidade de adaptar-se e prosperar em condições desafiadoras, espelha a capacidade da democracia brasileira de se nutrir das diferenças, fortalecendo-se na diversidade e resistindo às marés da adversidade.
A tolerância sempre foi uma importante arma da democracia, citando passagem do livro "Como morrem as democracias" Steven Levitsky e Daniel Ziblatt destacam: "Tolerância mútua [entre adversários políticos] refere-se á ideia de que os rivais jogam de acordo com as regras constitucionais e de que aceitamos seu direito a existir". Assim, nunca a divergência foi um problema, mas a polarização e a tentativa de enfraquecimento de instituições democráticas, que são essenciais aos regimes democráticos.
O dia 8 de janeiro de 2023 marcou um episódio sombrio da história do Brasil, um dia em que o país testemunhou o mais violento ataque à democracia desde a década de 1960. Apenas uma semana após a posse dos chefes do executivo estadual e federal, escolhidos pela maioria das eleitoras e eleitores, nossas instituições democráticas sofreram um assalto sem precedentes. Triste episódio que gerou imagens chocantes de vandalismo contra as sedes dos Três Poderes.
Subestimaram, no entanto, a força da nossa democracia, assim como subestimam a tenacidade da vida no mangue. No mangue, apesar das condições adversas - sol forte, chuvas torrenciais, lama espessa, e as mudanças das estações -, a vida não apenas persiste, mas se adapta e floresce. Da mesma forma, nossa jovem, mas resiliente democracia, mostrou-se capaz de suportar e superar as turbulências, demonstrando que, independentemente das tentativas de desestabilização, permanece firme e adaptável às novas realidades. As imagens estarrecedoras daquele dia, embora marcantes, não conseguiram abalar as fundações do sistema democrático, que, tal como o mangue, é nutrido pela diversidade e pela força coletiva de seus componentes.
O atentado não deve ser lembrado apenas com pesar, mas também como testemunho da inquebrantável força democrática do Brasil. Mesmo confrontada com tentativas desonestas e antidemocráticas, essa força não apenas resistiu, mas também se impôs diante desses desafios. Os brasileiros e brasileiras, em sua essência, sabem o que desejam: nas urnas, fazem suas escolhas, seja pela direita, pela esquerda ou qualquer outra ideologia democrática, entre a diversidade de partidos políticos. Mas, acima de tudo, o eleitorado escolhe, consistentemente, a democracia.
Após as eleições e as escolhas realizadas, o que prevalece é a vivacidade do Estado Democrático de Direito, a integridade das instituições e a soberania popular. Este é o verdadeiro espírito do nosso país - uma celebração da escolha democrática, da diversidade de opiniões e da capacidade de avançar juntos e juntas, apesar das possíveis divergências, em prol d e um bem maior.
Nesse sentido, a OAB desempenha um papel fundamental no fortalecimento da democracia no país, especialmente em momentos de turbulência política e social como o vivenciado janeiro de 2023. A advocacia, sob a égide da OAB, não é apenas uma profissão, mas um pilar da justiça e da manutenção dos direitos civis e humanos. Diante dos ataques, a OAB se ergue como guardiã intransigente da legalidade e dos princípios constitucionais. Advogados e advogadas, junto com a OAB, são defensores incansáveis da ordem jurídico e dos direitos fundamentais, atuando na linha de frente no combate à corrupção e na salvaguarda dos processos democráticos. Especialmente em momentos de crise, nossa Ordem é contraponto crítico e construtivo às tentativas de enfraquecimento das instituições. Nosso compromisso vai além da defesa legal e alcança a promoção do diálogo entre diferentes setores da sociedade, fortalecendo as bases da sociedade justa, promovendo a transparência, a justiça e a equidade.
Democracia, uma palavra poderosamente feminina, simboliza e encarna a força e a resiliência, adjetivos que também aparecem no feminino. No Brasil, essa abraça a diversidade de vozes, é a guardiã de liberdades, defensora de direitos e arquiteta de nossa esperança coletiva, marca da tolerância.
Assim como a natureza resoluta e adaptável do manguezal, a democracia brasileira continua a florescer, enfrentando desafios com coragem e determinação. É nosso dever nutrir e defender essa força vital. A democracia não é apenas sobre governar; é sobre cuidar, proteger e prosperar juntas e juntos. Viva o Estado Democrático de Direito.
Ingrid Zanella, vice-presidente da OAB-PE no exercício da presidência