OPINIÃO

Alerta importante na SXSW 2024: Falar sobre suicídio de forma responsável pode salvar vidas

A atriz Ashley Judd falou sobre seu drama pessoal (sua mãe foi vítima de suicídio há dois anos), ao lado de uma médica e dois jornalistas. Todos são unânimes em dizer que discutir o tema é fundamental na prevenção de casos. Por ano, 1 milhão de suicídios são registrados no mundo

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Maria Luiza Borges

Publicado em 18/03/2024 às 13:48 | Atualizado em 18/03/2024 às 18:34
Ashley Judd: Para aqueles de nós que caminham ao lado de alguém que está sofrendo, não os estamos traindo quando vivemos a nossa própria felicidade - Reprodução / X / @sxsw

Por Maria Luiza Borges, jornalista

Nota: este artigo inclui referências a suicídio. Ao final do texto há um telefone e um chat para pessoas e familiares que possam estar precisando conversar sobre o tema.

Em 1994, a trágica e prematura morte do roqueiro Kurt Cobain, líder da icônica banda Nirvana, chocou o mundo e provocou discussões acaloradas relacionadas ao suicídio. Especialistas no tema esperavam na sequência um aumento no número casos, mas foi exatamente o contrário.

O que aconteceu de diferente entre o caso de Cobain e de outras celebridades como Marilyn Monroe ou Robin Williams, cuja morte provocou aumento nas taxas de suicídio? Na opinião de Christine Yu Moutier, Chief Medical Officer da Fundação Americana para a Prevenção do Suicídio, a forma como a companheira de Cobain, Courtney Love, e a mídia trataram o tema foi responsável por inverter a curva.

Segundo Moutier, Love falava abertamente da perda, sem glorificação. O tema ganhou as manchetes mas ao mesmo tempo vários telefones de apoio foram divulgados, as pessoas puderam abordar suas questões com pessoas treinadas para prevenir e encaminhar para tratamentos especializados. Isso teria feito a diferença.

Falar faz bem

Moutier esteve na South By SouthWest (SXSW), festival de inovação e entretenimento realizado em Austin, entre 8 e 16 de março, ao lado da atriz Ashley Judd e de dois jornalistas, Dave Richards (Audacy) e Rebecca Ruiz (Mashable).

As discussões desse painel, intitulado "Preventing Suicide Through Safe Reporting and Storytelling" (ou Prevenindo o Suicídio através de Relatos e Narrativas Seguras, em tradução livre) mudaram de forma radical meu próprio entendimento como jornalista desse tema delicado, mas fundamental.

Ashley Judd, além de voltar a falar do drama pessoal de ter encontrado a própria mãe agonizando, após ter atirado em si mesma (a atriz chegou a ser interrogada como suspeita de homicídio pela polícia), falou que também recebe tratamento especializado por ter, desde criança, pensamentos suicidas.

Judd faz terapia com EMDR (Eye Movement Desensitization and Reprocessing, ou Dessensibilização e Reprocessamento por meio de Movimentos Oculares) e pratica a conversa sobre seu trauma para reprogramar o cérebro. Fala sobre a mãe de forma nostálgica e saudosa, e diz hoje entender que se trata de uma doença o que a vitimou.

Para a Dra. Moutier, praticar a conversa é uma das chaves para a prevenção. Ela diz que praticamente toda família tem casos de doenças mentais ou suicídios. "As conversas podem não ter todas as respostas, mas tudo o que você precisa fazer é começar a escutar", diz. E, claro, procurar ajuda quando necessário.

Programa de rádio "Eu estou escutando"

Dave Richards deu escala ao verbo "escutar". Vice-presidente de programação da empresa de mídia Audacy (rádio, podcasts e digital), ele criou um programa chamado "I'm listening" (Eu estou escutando), que começou local mas hoje é transmitido nacionalmente.

Ele observou um padrão criado após o caso de Cobain, seguido pelo de Layne Staley (Alice in Chains) em 2002 e de Chris Cornell (Soundgarden) em 2017. "Havia alguma coisa acontecendo ali. Precisávamos conversar sobre aquilo, precisávamos saber como a gente se sentia. Conversar é crucial".

Rebecca Ruiz disse que tanto a mídia quanto a indústria do entretenimento precisam mudar a forma como falam do suicídio. Moutier enfatiza que, como se trata de uma doença, não se deveria usar o verbo "cometer" ou "tentar". Ninguém diz que alguém cometeu câncer, ela exemplificou.

Compartilhar histórias de quem sobreviveu, mostrando o lado positivo de ter sobrevivido, pode ser um recurso de prevenção efetivo, defende Moutier.

Eu precisei ir para longe para mudar

Nesse ponto, eu retorno para a minha própria experiência. Passei anos evitando falar do tema. E isso tem uma causa. Quando eu era editora de Cidades do JC, um jovem se suicidou na Casa do Estudante da UFPE e o caso foi muito divulgado na época, não apenas pelo JC, mas por toda a imprensa local.

Uma semana depois, outro caso semelhante aconteceu e muitos associaram a divulgação como tendo sido um gatilho para o segundo caso.

Por décadas, como editora, editora-executiva e depois diretora-adjunta de redação evitei o assunto. Mesmo quando repórteres como Cinthya Leite, que interagiam frequentemente com especialistas, insistiam que precisávamos divulgar de forma responsável, ou seja, estimular a conversa, para de fato trabalhar na prevenção, eu sempre preferi evitar falar, por temer dar gatilho a outros casos.

Cinthya pode com toda razão reclamar que "santo de casa não faz milagre". Sendo muito justa, nada do que a Dra Moutier, Ashley Judd ou Dave Richards disseram Cynthia Leite já não tinha dito antes, quando eu ainda estava no JC. Até uma cartilha ela já havia compartilhado. Mas a discussão da SXSW de fato me fez entender que o drama é mundial e que calar sobre ele não salvará uma única vida.

As histórias estão por toda parte

Lembrei de uma amiga que tenho que, depois de ter sobrevivido, buscou tratamento e hoje dedica a vida a dar testemunho de quanta coisa boa aconteceu na sua vida depois que foi salva por alguns colegas que a socorreram a tempo. Sua história com certeza deixaria a Dra. Moutier muito feliz.

Tenho dois outros amigos - um pai e uma mãe, que nem se conhecem e vivem em continentes diferentes - que após perderem seus filhos jovens criaram fundações para ajudar outros jovens. Sim, os casos são muito mais frequentes do que a maioria de nós quer admitir.

Começo então, neste artigo, a fazer a minha parte. Se você ou alguém da sua família precisa falar sobre suicídio, logo abaixo está a linha telefônica 24 horas do Centro de Valorização da Vida e também um chat para tirar dúvidas. Eles podem ajudar. E procure especialistas se for preciso.

Centro de Valorização da Vida - Ligue 188 (24h por dia). Atendimento por chat neste link

BOX:

É importante destacar que, apesar da importância de se buscar ajuda em grupos de apoio, como o CVV, suicídio (inclui pensamentos suicidas e tentativas) é uma emergência médica. No Brasil, são registrados cerca de 12 mil suicídios, e um milhão em todo o mundo.

Quase 100% dos casos de suicídio estão relacionados a transtornos mentais, em sua maioria não diagnosticados, tratados de forma inadequada ou não tratados de maneira alguma. Em primeiro lugar está a depressão, seguida do transtorno bipolar e abuso de substâncias. No entanto, pessoas que manifestem pensamentos de suicídio devem ser consideradas em uma situação de emergência e encaminhadas para atendimento médico.

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