OPINIÃO

Companheiro, quem é o Moriaty do PT?

As vicissitudes da Petrobrás se mesclam com o desastre no Rio Grande do Sul (RS)

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DAYSE DE VASCONCELOS MAYER

Publicado em 02/06/2024 às 6:00
A afirmação é convincente: Lula não altera o número de ministérios; Arthur Lira, na Câmara, continua amarrado ao orçamento secreto; Rodrigo Pacheco, no Senado, persiste nos quinquênios dos magistrados
A afirmação é convincente: Lula não altera o número de ministérios; Arthur Lira, na Câmara, continua amarrado ao orçamento secreto; Rodrigo Pacheco, no Senado, persiste nos quinquênios dos magistrados - RICARDO STUCKERT/PR

Na década de 80 o PT era um verdadeiro partido. Tal conclusão se arruinou no tempo. Daquela quadra restou a palavra “companheiro” muito apreciada pelo presidente Lula e pelo grupo de petistas que se afirmam históricos. Hoje, todas as agremiações se equivalem em seus programas e no estilo de fazer política.
A história saudosa do PT se assemelha com a de Arthur Conan Doyle, o criador de Sherlock Holmes. O escritor confessou ter vivido uma experiência maldita com a personagem que havia inventado. Em carta dirigida à mãe, em 1891, ele assinala: Sinto que chegou o momento de eliminar meu arqui-inimigo. Foi então que nasceu o professor James Moriaty. Anos depois, Doyle foi obrigado a ressuscitar Sherlock. Acontece.

“E por falar em saudade”, lembramos a recente permuta de Jean Paul Prates por Magda Chambriard na Petrobrás. Em apenas dez dias a candidata teve seu nome aprovado pelo Conselho de Administração. Apenas um conselheiro discordou da indicação Possivelmente, por raciocinar, corretamente: os dois só diferem nos “dégradés”, “entretons” e sexo. Tal conclusão está inserta até mesmo nas palavras-chave: Abreu e Lima, indústria naval, política de ingerência nos preços; interrupção no plano de venda de refinarias; pagamento de dividendos extraordinários. Enfim, o maestro Lula, em seu terceiro mandato, não renuncia ao seu mister: interpretação da partitura, definição do ritmo e da harmonia do grupo para barrar qualquer musicista independente.

As vicissitudes da Petrobrás se mesclam com o desastre no Rio Grande do Sul (RS). Ambos recebem o mesmo olhar assombrado de outras tantas catástrofes no mundo. No Brasil a questão climática possui, no universo da política, três diferenciais: o dinheiro se multiplica com um esfregão na lâmpada de Aladim; há um armistício político temporário quando o caos se instala; a maioria dos políticos passam a instrumentalizar as calamidades para obtenção de dividendos eleitorais. Obedecendo a ordem dos diferenciais, citamos: o perdão temporário da dívida do RS e a liberação, por Dilma - hoje presidente dos BRICS - da fatia de R$5.75 bilhões...No aspecto do armistício, tudo está funcionando como nos tempos das carpideiras. Os políticos choramingam sem parar.

Mas as lágrimas secarão tão logo as águas se convertam em lama e o solo fique estorricado. A afirmação é convincente: Lula não altera o número de ministérios; Arthur Lira, na Câmara, continua amarrado ao orçamento secreto; Rodrigo Pacheco, no Senado, persiste nos quinquênios dos magistrados. Todos estão realmente atormentados com os “companheiros”. Aliás, a palavra “companheiro” tem raiz no latim “companis” com o sentido de repartir o pão como sucedeu na Santa Ceia. O “companheiro” também é o homem confiável. Tudo de acordo com o verbo latino confidere. O sufixo “fidere” confirma o sentido de fé. Levando “a sério” a gramática, o governador Eduardo Leite abriu a boca e estendeu a língua em ritual de comunhão. Não poderia ser diferente. Diferente é o cenário, o palco e o texto. Em primeiro lugar, sobressai o engenho e arte do

Executivo em driblar os eleitores que se revelaram indecisos em pleito recente. Os titubeantes supuseram que o peso da idade e os infortúnios sofridos pelo candidato teriam o condão de demudar a personalidade do ser humano. Oh fel da dúvida! E ninguém teve a audácia de advertir que havia uma pedra no caminho. Na situação do RS foi a escolha do gaúcho Paulo Pimenta, para exercer a função de ministro extraordinário da reconstrução do estado. Das duas uma: ou Lula teme, politicamente, que Leite se revele um expert na gestão da crise - pondo em perigo a reeleição presidencial - ou evidencia o medo de que tanto dinheiro acabe em corrupção.

Nesse aspecto, voltamos a recordar uma história triste: a da Lava-Jato quando a Odebrecht (hoje Novonor) e outras grandes empreiteiras formaram um cartel para fraudar licitações de obras públicas. E nesse capítulo se insere a Petrobrás. Molhaduras e propinas foram distribuídas a políticos e agentes públicos. Estima-se que tenha sido desviado mais de R$10 bilhões. O caso da Lava-Jato se assemelha a um excerto da obra de Pietra Reski (“Máfia...)”: Todos em Palermo conhecem o Padre Mario Frititta, encarcerado no passado. E tudo porque escutou a confissão e rezou missas no esconderijo do boss Pietro Aglieri. Após a prisão do padre, sua paróquia organizou passeatas e ele pode deixar a prisão quatro dias depois: um juiz pacato libertou-o sob a condição de deixar a Sicília. O castigo teve uma duração efêmera. Pouco tempo depois o padre retorna aos braços dos fiéis sob clamor triunfal.

Tudo indica que o ministro Dias Toffoli teve uma experiência semelhante. Agiu como o juiz que condenou o padre porque não encontrou a solução de equilíbrio jurídico. Acreditando na meiguice do Judiciário, as empreiteiras que foram alvo da Lava-Jato já estão debatendo o direito de redução em até 70 do que devem dos acordos de leniência firmados com o Governo. Também os irmãos Batista, em visita a Lula, propuseram a doação e 2 mil toneladas de carne para aos gaúchos. Como se vê, até parece a dança da ciranda de Lia. O fecho é simplório: será que os neurônios dos políticos poderão, no caso do RS, se esturricar como sucedeu em Mariana e Brumadinho, Petrópolis (RJ), Alagoas e Pernambuco?

Dayse de Vasconcelos Mayer é doutora e pós-doutorado em ciências jurídico-políticas.

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