OPINIÃO

Encontros inesquecíveis

Encontros sobre Alternativas Penais e Execução Penal reuniram palestrantes, magistrados, membros do MP, Defensores Públicos, advogados e estudantes

Cadastrado por

Adeildo Nunes

Publicado em 31/07/2024 às 11:02
XI Encontro Nacional de Execução Penal, em Cuiabá (MT) - EDNILSON AGUIAR / TJMT

Entre os dias 24 e 26 de julho passado, a cidade de Cuiabá, capital do Estado do Mato Grosso, recebeu um conjunto de palestrantes, magistrados, membros do Ministério Público, Defensores Públicos, advogados e estudantes, por ocasião da realização do I Encontro Nacional de Alternativas Penais e do XI Encontro Nacional de Execução Penal. Foram três dias de intensivo aprendizado e de pujança acadêmica, jamais vistos na história da execução penal brasileira. Os Encontros foram marcados pela presença de expressivos conferencistas e palestrantes, do Brasil e do exterior, que trouxeram enormes e significativas proposições para o aperfeiçoamento dos graves problemas que envolvem, de há muito, o sistema carcerário brasileiro, hoje comportando mais de 850 mil detentos, para 450 mil vagas.

Os Encontros de Cuiabá foram realizados e alcançaram resultados auspiciosos, muito mais considerando a expressiva participação e a galhardia dos organizadores dos eventos, que tiveram a tutela do Instituto Brasileiro de Execução Penal-IBEP, Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso e da sua Escola da Magistratura, que não mediram esforços no sentido de demonstrar os principais e cruciantes problemas que se acumulam nomeadamente ao longo dos anos em nosso modelo penitenciário, ao tempo em que, de forma inusitada e congruente com a triste realidade que assistimos, foram oferecidas significativas sugestões para a atenuação dos seus enormes dilemas, que comumente resultam da aplicação indiscriminada da privação da liberdade, em todo território nacional, quando se sabe que o uso da perda da liberdade deve ser calcado, sempre, na necessidade premente de retirar do convívio social, somente pessoas que comprovadamente não possam conviver em sociedade, portanto, com a sua utilização modelada em situações excepcionais.

Considerando os 40 anos da publicação da Lei Federal nº 7.210, a Lei de Execução Penal, muitos foram os conferencistas que traçaram comentários sólidos e marcantes no tocante às constantes reformas legislativas aprovadas pelo Congresso Nacional, de 1984 até os dias atuais, imperando a certeza de que elas, propositadamente, em muito contribuíram para o aumento da nossa população carcerária, sem qualquer perspectiva para a redução da criminalidade. Foi quase uma unanimidade, por parte dos ilustres palestrantes, a certeza de que as alterações realizadas na Lei de Execução Penal, a partir da sua vigência, só têm acumulado desumanização, castigos físicos e mentais para a grande parte dos nossos reclusos, ademais a prisão continua sendo vista pela maioria da sociedade como forma de remediar os antigos problemas sociais que permanecem agravando a situação dos oprimidos, aprofundando o alicerce de pobreza que tanto contraria a paz social.

Nesse prisma, embora tenhamos uma das melhores legislações do mundo (Lei nº 9.099/1995), as alternativas penais à prisão continuam sendo despercebidas e pouco utilizadas, enquanto o resto do mundo cada vez mais acelera a sua aplicação, praticamente sem custos financeiros para o Estado, sem contar a forte contribuição que elas assumem, no que diz respeito a comprovada redução da reincidência criminal, que é intrínseca para os que habitam as nossas deprimentes casas prisionais.

A imposição e o uso da prisão preventiva e daquela decorrente de uma condenação criminal, bem por isso, deve ser consubstanciada em elementos de convicção jurídicos e sociais
, que efetivamente previnam e reprimam condutas delituosas, sem comprometer a dignidade humana, preceito constitucional costumeiramente desrespeitado. O cárcere, no estado terminal em que se encontra, não pode e nem deve servir como castigo humano, nem tampouco tem o condão de resolver imensos problemas sociais que assolam a sociedade brasileira, que suplica pela existência de decisões políticas que tragam investimentos na área da educação, da saúde, da moradia e do emprego, tormentos sociais que deságuam no aumento da criminalidade e na crescente população carcerária, que a cada dia crescem, à vista de todos.

Novos rumos para a efetiva aplicação das alternativas penais em substituição à prisão, ao lado de um processo repressivo desumano e ineficaz, que produzem o encarceramento em massa, que continuamos assistindo, foram temas abordados com maestria e bom senso. A Carta de Cuiabá, aprovada pelos seus organizadores ao final do evento, traduziram a realidade que conduz um aumento da criminalidade preocupante, mas, ao mesmo tempo, o documento histórico também decifrou que ainda há esperanças para a paz social que tanto almejamos.

A recepção honrosa e dinâmica realizada pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso e pelos eméritos dirigentes e servidores da sua Escola da Magistratura, vivenciada por todos nós que participamos do evento, tornaram os Encontros realizados em Cuiabá, além dos problemas e soluções apresentadas pelos palestrantes e conferencistas, certamente deram um realce esplêndido aos momentos reflexivos inesquecíveis e, por demais, presentearam a todos os abnegados pela execução das penas e das medidas não restritivas da liberdade, consagrando, por conseguinte, os anseios destemidos que vieram à tona, em busca de uma repressão criminal humanizada e condizente com a dignidade humana.

Os exemplos deixados por Cesare Beccaria, em 1764, ao expressar suas convicções de que “a redução da criminalidade está na certeza da punição e não na penalização cruel”, foram partes integrantes do moderno pensamento jurídico e social que magistralmente foram suscitados pelos oradores e partícipes dos inesquecíveis momentos de reflexão. Sem dúvidas, as propostas de melhoria da condição humana, apresentadas durante os eventos, revigoraram as nossas esperanças na humanização das penas e nos caminhos de uma paz social ordeira e duradoura.

Adeildo Nunes, juiz de Direito aposentado, membro-fundador do Instituto Brasileiro de Execução Penal – IBEP, doutor e mestre em Direito de Execução Penal, professor e coordenador da pós-graduação em Ciências Criminais da Faculdade Damas do Recife.

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