Eduardo Carvalho: criando cultura de pensamento
Criar uma "Cultura de Pensamento" não é um evento isolado, mas um processo contínuo que exige comprometimento dos educadores para com os alunos

Cultura é o conjunto de normas, valores, expectativas, comportamentos e interações que moldam a maneira como as pessoas pensam, aprendem e se desenvolvem em um ambiente específico.
No contexto educacional, a cultura influencia diretamente a forma como os alunos enxergam o aprendizado e o pensamento.
Cultura não é apenas o que se ensina, mas como se ensina e como as pessoas interagem nesse espaço. A cultura de uma sala de aula ou escola pode incentivar ou inibir o pensamento dos alunos, dependendo de como ela é estruturada.
O conceito de Cultura de Pensamento
Em uma Cultura de Pensamento, o aprendizado tem propósito claro. É um ambiente onde o pensamento coletivo do grupo, bem como o pensamento individual de cada membro, é valorizado, visível e ativamente promovido como parte da experiência cotidiana de todos.
Cada membro sente-se incentivado a pensar e a melhorar o pensamento. É uma abordagem que busca transformar a escola e as salas de aula em espaços vivos de questionamento, investigação e exploração intelectual.
É comum formuladores de políticas educacionais concentrarem-se no currículo como a ferramenta para a transformação. Assim, mudar o currículo - seja para Novo Currículo Nacional, Common Core ou International Baccalaureate (IB) - transformaria a educação.
Na realidade, o currículo é algo que se concretiza com os alunos. Ele se desenrola dentro da dinâmica cultural da escola e da sala de aula.
Quando a cultura de uma escola ou sala de aula valoriza o pensamento, os alunos se tornam mais reflexivos, engajados e preparados para resolver problemas complexos dentro e fora da escola.
A cultura molda o aprendizado. Portanto, a cultura é fundamental, pois determinará como qualquer currículo ganha vida.
As forças que moldam a cultura de uma escola
Se a cultura é a chave para a transformação, então é essencial entender como a cultura de grupo é criada, sustentada e aprimorada. Ron Ritchhart, pesquisador sênior do Project Zero na Harvard Graduate School of Education, identificou oito forças que moldam a cultura:
- Expectativas (Como as crenças e valores da escola influenciam o comportamento dos alunos);
- Oportunidades (Criar chances reais para que os alunos participem do processo de aprendizado);
- Tempo (Dar tempo suficiente para que o pensamento aconteça de forma profunda);
- Modelagem (Os professores devem demonstrar atitudes e comportamentos que refletem pensamento crítico);
- Linguagem (O modo como professores e alunos se comunicam influencia o desenvolvimento do pensamento);
- Ambiente (O espaço físico deve ser organizado para incentivar o pensamento colaborativo);
- Interações (O diálogo e as trocas entre alunos e professores são essenciais para um ambiente rico em pensamento);
- Rotinas (Estabelecer práticas diárias que reforcem a importância do pensamento).
É importante destacar que cultura é um grupo de pessoas que vive uma narrativa. Na cultura escolar essa narrativa envolve a relação entre administradores, psicólogos, tecnólogos, professores, bibliotecários, auxiliares, alunos e o ato de aprender.
Com isso em mente, define-se a história que queremos contar e construir. Para criá-la precisamos explorar questões, como por exemplo:
- E se as escolas fossem menos focadas em preparar os alunos para testes e mais em prepará-los para uma vida inteira de aprendizado?
- E se o sucesso escolar fosse medido não pelo desempenho individual em provas, mas pelo que os grupos são capazes de realizar juntos? Devemos ter clareza sobre a história que queremos criar antes de discutirmos como realizá-la e comunicar que aprender é uma consequência do pensar. Essa história será o coração de nossa visão.
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Estimulando o pensamento para uma aprendizagem significativa
Se queremos que os alunos se tornem proficientes em pensamento, eles devem ser estimulados:
- A usar rotinas de pensamento;
- Fazer perguntas, conexões, comparações e contrastes entre diferentes áreas do conhecimento e experiências;
- Construir explicações, interpretações e teorias baseadas no conhecimento em constante desenvolvimento;
- Examinar ideias a partir de diferentes perspectivas e pontos de vista alternativos;
- Observar e perceber detalhes, nuances e aspectos invisíveis;
- Identificar, reunir e raciocinar com evidências para justificar argumentos e interpretações;
- Capturar a essência de uma ideia, discernindo o que é realmente importante.
Essas habilidades são essenciais para resolver desafios reais bem como os tipos de pensamento que são importantes para solucionar problemas, cultivar a criatividade e a inovação e desenvolver cidadania e competência global.
Avaliando os resultados do seu projeto global - Cultures of Thinking, Ron Richhart perguntou a milhares de professores, administradores, pais, empresários, educadores de museus, médicos e outros profissionais sobre as culturas de pensamento que vivenciaram.
As respostas foram que todos no grupo tinham grande interesse pelo tema e demonstravam paixão; as contribuições de todos eram valorizadas, criando um ambiente de respeito; havia um questionamento constante e aprofundado das ideias por todos; o líder era engajado e apaixonado; a comunicação era aberta e fluida; o aprendizado estava conectado ao mundo real, com significado e valor.
Em síntese, os grupos sentiam que estavam aprendendo juntos e criando algo maior do que qualquer indivíduo poderia produzir sozinho.
Criar uma “Cultura de Pensamento” não é um evento isolado, mas um processo contínuo que exige comprometimento dos educadores, para tornar os alunos engajados e preparados para uma aprendizagem ao longo da vida.
Requer mudanças na mentalidade, nas práticas de ensino e na forma como a aprendizagem é estruturada, sempre colocando o pensamento como prioridade no processo educativo.
O pensamento não é um “extra” no aprendizado – ele é o próprio aprendizado. Quanto mais os alunos pensam, exploram e questionam, mais significativo e profundo será o aprendizado.
Eduardo Carvalho, Harvard University Fellow