BRASIL

Democracia sob pressão

Embora pesquisa revele o apoio da maioria dos brasileiros, é inquietante ter 25% da nação contra as instituições democráticas

Cadastrado por

JC

Publicado em 24/12/2023 às 0:00
Fake News - Thiago Lucas

Talvez seja pela falta de bons exemplos na política de modo geral, ou nos parlamentos em particular, como o JC destacou no editorial de ontem. E claro, pela profusão de péssimos exemplos turbinados por fake news e impulsionados nas redes sociais, em compartilhamentos que minimizam a possibilidade de danos causados pela disseminação de mensagens de ódio e intolerância. Seja como for, a pesquisa do Datafolha sobre o apoio dos brasileiros à democracia é, ao mesmo tempo, reconfortante e preocupante. Pois se saber que cerca de três quartos dos entrevistados em 135 cidades demonstram preferência pelo sistema democrático, em comparação às ditaduras, inquieta descobrir que 25% do universo pesquisado preferiria viver num regime fechado, totalitário, cerceador de liberdades e direitos individuais, que faz da coerção e da violência os principais meios de gestão – pois é isso que caracteriza as ditaduras.
A fatia dos indiferentes não é desprezível: 15% dos entrevistados responderam que tanto faz ter um governo democrata ou de exceção. O que pode significar, entre outras coisas, que a falta de atendimento às demandas coletivas irrita o cidadão, que responsabiliza, e não sem razão, os políticos e o exercício do poder – ou mesmo o sistema Judiciário, que também fundamenta a democracia – pela perenidade dos problemas no país. Chega a 7%, por sua vez, a parcela dos que afirmam ser melhor uma ditadura do que uma democracia, “em certas circunstâncias” – assim mesmo, vagamente posta a questão.
Quase um ano após a depredação das sedes dos Três Poderes, em Brasília, a constatação do crescimento de um público receptivo ao discurso golpista deve manter em alerta os defensores das instituições. No ano passado, em outubro, a defesa da democracia atingiu o nível mais alto no país, roçando 80%. O recorte de grau de escolaridade envia mensagem eloquente: para quem estudou até o ensino fundamental, quase 40% não se sentem satisfeitos com a democracia, enquanto esse percentual cai para 11% entre os que possuem nível superior. Para quem recebe até dois salários mínimos por mês, a defesa da democracia cai para 67%, enquanto é de 88% para os que ganham mais de cinco salários mínimos mensais.
O exercício democrático sob pressão é um traço comum em diversos países do mundo, nos últimos anos. Palanques populistas e de aparência descolada do sistema político se aproveitam de crises nas esferas econômicas e sociais para buscarem apoio a projetos autocráticos que, via de regra, pioram a situação do povo e suprimem liberdades individuais, caso cheguem ao poder. A valorização da democracia pelo cidadão depende do bom funcionamento das instituições, tanto para o bem coletivo, quanto para o aperfeiçoamento dos instrumentos e das práticas que revigoram a vida democrática. Começando pelos governantes e parlamentares em todos os níveis, desde o municipal, passando por líderes sem mandato, cuja influência pode ser decisiva para o respeito à democracia, até o exemplo esperado de componentes das esferas máximas dos Três Poderes da República.

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