Se armar a população fosse a receita contra a incidência de crimes, e dessa medida, que pode ampliar a violência ao invés de contê-la, dependesse a paz dos cidadãos, as políticas de segurança pública teriam que ser elaboradas com base noutra premissa: não mais a preferência do recurso da força pelo poder público, com as armas no contexto de técnicas e procedimentos realizados por profissionais capacitados, mas a pulverização do poder de fogo e morte para milhões de pessoas. Para o vizinho incomodado com a festa ao seu lado, para o indivíduo descontente com a companheira ou companheiro, para o motorista raivoso no trânsito estressante, para os bêbados que se desentendem numa conversa de bar – qualquer motivo seria justificativa para descarregar o ódio, muitas vezes em nome da própria defesa, ou como antigamente se dizia, da honra de quem se sente atacado de tal forma que a aniquilação do outro surge como a primeira opção, sem que o diálogo venha a ser, sequer, cogitado.
Em 2023, de acordo com o Sistema Nacional de Armas, foram cadastradas quase 21 mil novas armas de fogo “para defesa pessoal” em território brasileiro. O número representa 82% menos que em 2022. A Polícia Federal informa que se trata do menor volume novas armas com esse objetivo desde 2004, ou seja, em quase duas décadas. A contrário da gestão anterior no Planalto, que incentivou o registro de armas pela população, o governo atual restringiu o acesso, e aumentou o imposto sobre armas e munições, fazendo com que sua aquisição se torne mais cara, além de menos simples.
O combate à violência passa pela integração de políticas de segurança que agreguem inteligência e estrutura, e políticas sociais que sirvam de anteparo ao ingresso dos jovens na criminalidade. O domínio de facções em comunidades demonstra o abandono do poder público diante dos problemas cotidianos que lançam para baixo a qualidade de vida da população. Diante dos altos índices de violência no país, a missão não é fácil. Como se vê em Pernambuco, quando as estatísticas continuam subindo, enquanto não vêm os resultados esperados no âmbito de um novo programa anunciado há pouco mais de um mês pela governadora Raquel Lyra, quase um ano após ter iniciado o mandato.
Como anotou matéria no JC, Natália Pollachi, do Instituto Sou da Paz, reconheceu o avanço, mas cobrou maior fiscalização sobre os detentores de armas, a fim de limitar ainda mais o risco pela abertura proporcionada pela gestão de Jair Bolsonaro. Além disso, a recompra de armas pelo poder público poderia retirar de circulação milhares delas, caso os preços fossem atraentes para quem aproveitou a onda de aquisição facilitada. A redução de 5,7% nos crimes violentos letais de 2022 para 2023 poderia ter sido ainda maior, caso a posse de armas e munições fosse mais difícil no país.