O festejado compromisso com eleições transparentes para o resgate da democracia terminou se mostrando a farsa política que caracteriza, há muitos anos, o regime autoritário de Nicolás Maduro na Venezuela. Embora houvesse alguma expectativa otimista de mudança, a violenta retirada dos principais oponentes da disputa, o obscuro processo de apuração dos votos e as alegações de sempre, para justificar o apego pelo poder, sufocando a população, deixaram patente, sem surpresa, a obstinação de Maduro em prolongar seu mandato por seis anos. Ao confirmar o resultado que se suspeita estrondosamente fraudulento, poderá che gar a 17 anos de governo autoritário em um país miserável, marcado pelo êxodo dos cidadãos.
Apesar do movimento global de contestação a uma eleição armada como fachada, de declarações de organismos internacionais como a OEA e a ONU, e até de ícones da esquerda latino-americana chamando o governo de Maduro pelo nome apropriado – ditadura – o Brasil passa o vexame de se representar pela condescendência inexplicável a um regime totalitário. Logo um presidente que se elegeu para o terceiro mandato graças a uma onda em prol da resistência democrática, que uniu figuras expressivas de partidos de centro, afirmar que não acontece “nada de grave” na Venezuela, &eacu te; o cúmulo do companheirismo ideológico. Caberia perguntar a Lula quais as bandeiras de Maduro seriam interessantes para o Brasil: a censura à imprensa e a repressão à oposição? O controle do Judiciário? A misoginia e a pauta de costumes que cerceia o direito dos indivíduos, em especial das mulheres? Seriam essas as identificações ideológicas da esquerda brasileira com o neochavismo?
Dificilmente o presidente e seu partido concordariam com essas agendas. Mas insistem em respaldar o regime que as pratica. O PT, ao correr para reconhecer a vitória de Maduro sem sequer boletins de urna, nem números confiáveis, na direção oposta à maioria dos países democráticos, se junta a Putin, da Rússia, nos cumprimentos imediatamente após a autoproclamação de Maduro, que a oposição já chama de novo autogolpe. E o presidente Lula, ao minimizar os fatos, apequena suas convicções democráticas diante dos brasileiros, deixando o desconforto emergir até mesmo no governo e no partido. O que será que o vice, Geraldo Alckmin, e a ministra do Planejamento, Simone Tebet, pensam a respeito? Ou o ministro da Economia, Fernando Haddad? Assinam embaixo da nota do PT, aplaudem a diplomacia autoritária de Celso Amorim? Endossam as palavras amigas, mas irresponsáveis, do presidente Lula?
O alinhamento aos ditadores é um preocupante sinal de desapreço à democracia, e de apoio ideológico – mas de qual ideologia? – a governos que não respeitam a liberdade individual ou os direitos coletivos. Se a nota do PT não surpreende, a postura de Lula, enquanto representante oficial do povo brasileiro, decepciona. E lança graves dúvidas sobre a crença do atual governo nas instituições democráticas que tanto defenderam para se eleger.