Nesta quarta-feira (5), Pernambuco ultrapassou a preocupante marca das 100 mil pessoas infectadas pelo novo coronavírus. No dia 12 de março, o Estado confirmava os dois primeiros casos da doença. O engenheiro Sylvio Romero Cavalcanti, de 72 anos, e sua esposa, Solange Cavalcanti, de 66 anos. Após quase seis meses, o casal considera "um milagre" conseguir vencer a doença, que segue fazendo vítimas no mundo todo e ainda não possui vacina.
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"A cura clínica foi um presente de Deus. Algo que me fez repensar a vida e ter mais solidariedade", relata a biomédica Solange. Ela ficou 17 dias internada na Unidade de Tratamento Intensivo e o seu marido, Sylvio Romero, por ser idoso, hipertenso e ter diabetes tipo dois, 61 dias. No entanto, nem todos os 100.321 mil casos tiveram a mesma felicidade do casal. Pernambuco já registra 6.758 óbitos e o que, para alguns, são apenas números, para familiares e amigos tornaram-se saudades intermináveis.
Após quase cinco meses com os números de casos e óbitos aumentando a cada dia, a psicóloga Gabriella Souza explica o porquê da 'naturalização' da doença. "Quando uma situação se torna parte do cotidiano, as emoções em relação a essa vivência podem ficar menos intensas, já que é comum criarmos estratégias para lidar com ela. Dessa forma, nossas emoções podem se adaptar ao momento", explica.
No entanto, a profissional também destaca que a situação é subjetiva e que as pessoas vivenciam esse momento de incerteza com intensidades diferentes. "Todos estão sendo afetados psicologicamente por essa situação, por isso é muito importante nesse momento colocar em prática o autocuidado e se possível buscar uma psicoterapia, que neste momento está ocorrendo na modalidade online", aconselha.
No boletim divulgado nesta quarta pela Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE), só nas últimas 24 horas, foram registrados 1.488 novos casos e 41 vidas perdidas para o vírus. A Secretaria faz questão de ressaltar que o aumento de casos no informe de hoje, em comparação ao dessa terça-feira (4), é motivado pelo atraso e acumulo de notificações pelos municípios. Entre os casos confirmados desta quarta, 84 (5,6%) são graves e se enquadram na Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). Já os outros 1.404 (94,4%) são leves, ou seja, pacientes que não demandam internamento hospitalar e já estavam curados ou na fase final da doença.
"São números expressivos que sempre foram divulgados de maneira transparente pela Secretaria Estadual de Saúde, dentro do compromisso com a precisão, numa situação de muita gravidade, mas sempre em respeito à ciência na vigilância epidemiológica. Nos solidarizamos com todos que foram contaminados pelo coronavírus e com as famílias daqueles que faleceram em decorrência dessa doença", disse o governador Paulo Câmara. Ele ainda destacou que, desde fevereiro, o governo de Pernambuco realizou quase 250 mil testes para detecção do novo Coronavírus.
Para tornar os números em nomes e histórias reais, o JC reuniu alguns relatos de familiares que sofrem constantemente com a dor da saudade.
José Rinaldo, Iraci Carlos, Nael Antonio, Ivone de Lima. Nomes próprios e dores reais. Pai, avó, marido, mãe. Vítimas do coronavírus. Os números são contabilizados todos os dias pela Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE), mas a dor de familiares e amigos que perderam entes queridos continua imensurável.
É assim que descreve a estudante de psicologia Izabelle Janes, que perdeu o pai, José Rinaldo, de 47 anos, e o avô, José Reinaldo, de 80, para a doença. “É uma perda imensurável. O vírus entrou na minha casa, tirou meu avô e meu pai, e só deixou a dor e o sofrimento de não poder ter sequer um momento de despedida”, desabafa.
José Rinaldo era do grupo de risco, tinha diabetes e morreu após passar 36 dias internado. Durante esse tempo, sofreu uma parada cardíaca e realizou hemodiálise todos os dias. O carinho, os abraços e a atenção, que antes eram compartilhados com tanto apreço entre pai e filha, cessaram. Izabelle não imaginava que perderia o pai tão cedo e de uma forma tão inesperada e, por isso, ainda não consegue resumir ou definir o tamanho da sua dor.
O mesmo sentimento é compartilhado pela empreendedora Talita Azevedo. Sua avó, Iraci Carlos, de 76 anos, também é um dos óbitos confirmados pelo Estado. "Foi muito díficil ouvir do médico que ela estava com falência múltipla dos órgãos e que tinha apenas 24h de vida", relata.
Apesar da idade, Iraci era saudável e muito vaidosa, adorava se arrumar e maquiar. A família esperava compartilhar a vida ao lado da progenitora até os 90 anos, no mínimo. No entanto, a morte veio de forma repentina e levou a maior conselheira de Talita. "O que mais me faz falta são os seus conselhos. Ela me dava muitas orientações sobre a vida e enxergava o mundo com outros olhos".
Segundo a empreendedora, o que contribui para a dor aumentar é saber que muitas pessoas não levam a doença a sério. "Ver os números nos jornais é uma coisa, mas quando você sabe que é seu familiar que está ali sem direito a ter uma despedida decente é muito traumatizante. Foi muito difícil", compartilha.
A experiência traumática fez Talita começar a viver um dia de cada vez. "Eu vivo como se cada dia fosse o último, pois não sei se chegarei viva até o final do ano ou se perderei mais algum parente", esbraveja.
"Ele era uma pessoa maravilhosa. Sempre alegre, com um sorriso no rosto, festeiro e disposto a ajudar. Seu sonho era mudar o mundo ajudando as pessoas. Ele não tinha como, mas o pouco que fazia já era suficiente", é assim que descreve Joicy Cleyde, viúva de Nael Antonio, de 40 anos, vítima de coronavírus.
Nael era um bom filho, marido, pai e gostava de fazer política, segundo Joicy. Era defensor ferrenho do Sistema Único de Saúde, mas não gostava de preocupar quem amava e, por isso, escondeu os sintomas da doença. "Os sintomas iam se agravando, mas ele não me falava. Sempre dizia que estava bem, até o dia em que me pediu para ir ao médico e assim entendi a gravidade da situação", conta.
Para Joicy, a palavra que resume o legado de Nael é saudade. "Olho para o nosso filho e vejo ele. Os dias se passam e a sensação de que ele poderia chegar em casa a qualquer momento não passa. Sentar para tomar café e ele não estar. Tudo é muito difícil", lamenta. Não ter visto o corpo do marido, segundo ela, faz com que o coração não aceite a perda. "Perdi meu amigo, meu marido, meu companheiro, e meu filho perdeu o pai", desabafa.
De acordo com a psicóloga Taisa Van Der Linden, o fato de não poder se despedir do parente é um luto duplo. "De acordo com Dunker, o luto é um processo de ressignificação da dor. Quando perdemos alguém e há um velório que não foi feito, uma despedida que não foi realizada, podemos colocar muita coisa em nossa mente ao ponto de se tornar algo traumático. Precisamos ter um momento da despedida e da experiência do corpo como morto. O ritual do velório é o modo de se compreender que de fato aquela pessoa se foi. Não passar por esse momento traz resultados psíquicos indesejáveis, além de piorar a dor", explica.
"Aproveite cada minuto ao lado de quem você ama. A vida muda muito rápido", aconselha o enfermeiro, Wagner de Lima, que perdeu a mãe Ivone de Lima, de 61 anos.
Ivone sempre foi uma pessoa muito ativa. Veio de família muito humilde e começou a trabalhar ainda na infância, relata Wagner. Em vida, era presidente de uma instituição feminina na igreja que frequentava e passou 35 dias na Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
A dor de perder a mãe, segundo Wagner, volta todas às vezes que alguém minimiza a doença. "Cada vez que escuto alguém minimizando a pandemia, sinto a mesma dor do dia em que perdi minha mãe. As pessoas precisam entender que uma morte só é um número estatístico quando não atinge quem você ama. Pois, apenas uma morte para quem perdeu um ente querido, significa a perda de tudo", lamenta.