Menina sem Nome: pandemia de covid-19 não interrompe homenagens em famoso túmulo no Recife neste Dia de Finados

Jazigo da Menina sem Nome tem sido o mais visitado no Cemitério de Santo Amaro neste feriado de 2 de novembro
Cinthya Leite
Publicado em 02/11/2020 às 14:26
Túmulo da Menina sem Nome, encontrada morta em praia do Recife, atrai devotos e curiosos ao Cemitério de Santo Amaro Foto: FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM


A pandemia de covid-19 até alterou as regras para visitação em cemitérios de Pernambuco neste primeiro Dia de Finados da crise sanitária, mas não impediu a população de homenagear quem se foi nos jazigos de parentes e amigos. No Cemitério de Santo Amaro, na área central do Recife, peregrinos e curiosos aproveitam a data e repetiram a ida ao túmulo da Menina sem Nome, onde demonstram devoção, admiração e respeito. Nesta segunda-feira (2), o túmulo tem sido o mais visitado no cemitério. A garota foi encontrada morta na manhã do dia 23 de junho de 1970, na Praia do Pina, Zona Sul do Recife. Estava com as mãos amarradas para trás e sem roupas. Em volta de seu pescoço, havia uma outra corda. O caso teve grande repercussão no Estado à época, mobilizando as forças policiais na caçada ao assassino.

 

A menina nunca foi identificada, mas a ela se atribuem milagres. Ela não foi morta por afogamento, jamais sofreu violência sexual e não conseguiu se defender do seu agressor. Devotos atribuem a ela graças alcançadas. Falam de cura para doenças e de proteção para a família. É o caso da dona de casa Verônica Oliveira da Silva, 40 anos, que foi ao Cemitério de Santo Amaro na manhã desta segunda-feira (2). "Vim visitar o túmulo do meu pai, que faleceu há seis meses por causa de problemas no coração, e o da Menina sem Nome. A maioria das pessoas alcança o que pede a ela, por quem sempre. Também costumo vir muito ao cemitério para agradecer a ela. Eu já consegui o que pedi: a saúde da minha filha, que hoje está grávida de três meses. Serei avó pela primeira vez. Trouxe hoje flores e fiz orações para a Menina sem Nome", contou Verônica. 

Assim como em anos anteriores, os devotos depositam bonecas e doces no túmulo da Menina sem Nome. No local, há diversas placas com agradecimentos, alguns anônimos. 

Entenda o caso 

Durante os 45 anos seguintes ao assassinato, a versão corrente foi de que ela havia sido violentada e jogada, com as mãos atadas, na areia da praia. Também se ventilou a possibilidade de afogamento. O ofício de remoção de corpos número 891, de 1970, assinado pelo delegado Josenaldo Galvão, dá conta de que, na manhã do dia 23 de junho, foi encontrada na Praia do Pina uma garota de cor parda, aparentando 8 anos. Estava com as mãos amarradas por trás do corpo e com um laço no pescoço.

O laudo do Instituto de Medicina Legal (IML) de Pernambuco, relativo ao caso, traz uma profusão de fotos da vítima, as primeiras a vir a público desde o trágico caso. São oito fotografias, todas nas revelações originais. As imagens dão rosto à Menina sem Nome e a mostram ainda amarrada, sobre a mesa da perícia. Os detalhes das marcas no pescoço e na face também são mostrados nas fotos. A expressão de desolação no rosto da menina denuncia o sofrimento provocado pelo agressor antes de sua morte.

O documento informa que às 14h do dia 23 de junho foi realizada a necropsia, na sede do Instituto de Medicina Legal. O laudo ajuda a elucidar parte do mistério que envolve a garota: ela não foi estuprada nem morreu por afogamento. A causa mortis, de acordo com o perito Nivaldo Ribeiro, que assina o laudo, foi asfixia por sufocação. “A asfixia foi produzida por meio misto, constricção incompleta do laço no pescoço e aspiração de grãos de areia”, diz o texto. Um indicativo de que ela foi amarrada e sufocada com a face na areia da praia.

De acordo com o laudo, a morte ocorreu entre 20h e 21h do dia anterior ao que ela foi encontrada. “A vítima não apresentava lesões de defesa”, prossegue o perito, o que demonstra que ela foi amarrada antes de ser morta. O documento descarta a tese de abuso sexual. De acordo com laudo, o hímen da garota estava intacto e não havia quaisquer lacerações no ânus.

Há, inclusive, fotografias do exame sexológico realizado pelos peritos do IML. Foram encontradas três lesões superficiais na face e no tórax, feitas, de acordo com o perito, “para torturar ou atemorizar a vítima”. Havia, no estômago da garota, alimentos ainda não digeridos, como feijão e farinha de mandioca, indicando que ela teria se alimentado pouco tempo antes de ser atacada.

Por fim, o legista explica que “houve um lapso de tempo de sobrevida entre a constricção do pescoço pelo laço e a morte, possibilitando a remoção do corpo para o local onde foi encontrado”. O cadáver da Menina sem Nome foi encontrado pelo vendedor Arlindo José da Silva, conhecido como Galego, e por uma criança que fazia serviços para ele, o garoto Osvaldo Ulisses do Nascimento, de 11 anos. Arlindo chegou a ser preso como suspeito do crime, pois a polícia encontrou em sua casa, dois dias depois, uma calça suja de sangue. Arlindo também foi incriminado pelo depoimento de Osvaldo, que afirmou tê-lo visto com cordas no dia anterior ao crime, e que ele teria comentado que “procurava uma mulher para passar a noite”.

Arlindo foi solto menos de uma semana depois do crime, quando os policiais prenderam o mecânico Geraldo Magno de Oliveira, 22 anos. Ele confessou o assassinato da garota. Em seu depoimento, Magno conta que sempre via a menina perambular sozinha pelo Pina, e que teria lhe oferecido a quantia de 5 cruzeiros para que ela passasse a noite com ele. O assassinato, segundo o mecânico, ocorreu porque ela o teria chamado de “vigarista” e “velhaco” por não ter entregue o dinheiro, como havia sido combinado. O mecânico se disse arrependido de ter cometido o crime e falou que preferia morrer a ficar conhecido como assassino de uma criança.

Ainda em 1970, durante a primeira audiência com o então juiz Nildo Nery dos Santos – que chegou à presidência do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) em 2000 – Magno negou a autoria do crime e deu depoimentos contraditórios, alegando inclusive ter sido vítima de coação e tortura por parte dos policiais. O desembargador aposentado Nildo Nery, que afirmou não ter dúvidas de ter sido Geraldo Magno o verdadeiro assassino na Menina sem Nome. “Lembro como se fosse hoje do dia em que ele confessou, com detalhes, o crime. Pela riqueza de informações, tudo remetia a ele”, completa. Nildo Nery informou que Geraldo Magno foi assassinado na prisão, na Ilha de Itamaracá, Região Metropolitana do Recife, antes de ser julgado.

Ou seja, vão ficar duas grandes lacunas no caso: uma é o fato de o réu confesso não ter chegado a receber a sentença da Justiça e, portanto, não ter cumprido a pena pelo assassinato. A outra: a identidade da menina, que continua sem nome.

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