No Dia de Finados, parentes finalmente conseguem se despedir de vítimas da covid-19 no Recife

Neste feriado, muitas pessoas tiveram a primeira oportunidade, após a morte de um ente querido durante a pandemia, de ir aos cemitérios e visitar os jazigos de parentes e amigos
Cinthya Leite
Publicado em 02/11/2020 às 15:42
Hoje conseguimos chegar perto do jazigo, e foi muito bom para a gente. Vimos que estava tudo certinho, com a placa no devido lugar. Colocamos algumas plantas e organizamos o local onde está nosso pai", disse Patrícia Soares Foto: FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM


Ao longo de quase oito meses de pandemia da covid-19 em Pernambuco, 8.638 pessoas morreram em decorrência da infecção pelo novo coronavírus. Milhares de famílias não conseguiram realizar rituais do adeus porque as barreiras necessárias vividas, com o distanciamento social mais intenso nos primeiros meses da pandemia, eliminaram situações essenciais para se compreender e aceitar a morte de uma pessoa querida. Por isso, neste Dia de Finados, muitas pessoas tiveram a primeira oportunidade, após a morte de um ente querido, de ir aos cemitérios e visitar os jazigos desses parentes e amigos. Foi o caso das irmãs Kátia Soares, 43 anos, operadora de telemarketing, e Patrícia Soares, 36, gerente de loja. O pai delas, Antônio Silva, faleceu no último dia 27 de maio, aos 65 anos, por complicações da covid-19. Naquela data, o Estado passava pelo pico da pandemia e já contabilizava 2.468 óbitos pela doença. 

"Não tivemos a chance de nos despedir do nosso pai antes de ele morrer por covid-19. No dia de sepultá-lo, também não conseguimos fazer rituais. Olhamos muito de longe o sepultamento. Ontem (domingo) liguei para o cemitério para saber se hoje (Dia de Finados) conseguiríamos chegar perto do túmulo. Como disseram que sim, nós viemos", contou Patrícia, que foi ao cemitério Parque das Flores, em Tejipió (Zona Oeste do Recife), acompanhada também do marido, o vendedor Euclides Tenório, 36. 

Pelo risco de transmissão, a covid-19 impede que parentes e amigos acompanhem o doente durante o internamento. "Ele ficou internado uma semana no Hospital Otávio de Freitas (em Tejipió). Tinha diabetes e pressão alta (fatores de risco para o agravamento da doença)", disse Kátia. A irmã, Patrícia, acrescenta que a perda de um ente querido é sempre muito difícil e que, durante a pandemia de covid-19, tornou-se mais difícil vivenciar o luto porque não houve a chance de despedidas. "Isso tornou a nossa perda mais dolorosa. Mas hoje conseguimos chegar perto do jazigo, e foi muito bom para a gente. Vimos que estava tudo certinho, com a placa no devido lugar. Colocamos algumas plantas e organizamos ainda mais o local onde está nosso pai", ressaltou. 

Recomendações

No Parque das Flores e no Cemitério de Santo Amaro (área central do Recife), as homenagens seguem as legislações, o que inclui a obrigatoriedade do uso de máscaras e alertas contra aglomerações. Álcool em gel e panfletos com mensagens de apoio e orientação foram disponibilizados na entrada do Parque das Flores, visitado pela professora Sirleide Reis, 68, neste feriado. Ela foi visitar o jazigo da mãe e do filho do marido. "Venho sempre, estou presente demais. Acho que a vida continua. Acredito em Deus e sei que há um sentido forte em sepultar entes queridos. Aqui os protocolos de prevenção à covid-19 estão sendo seguidos corretamente e tem que ser assim mesmo", disse Sirleide.  

A família de Edileusa Valença, 55 anos, também foi ao Parque das Flores para homenagear os parentes já falecidos, como o marido, a sogra, o primo, os cunhados, o pai, a avó e a irmã. "Felizmente o dia está muito tranquilo, e todos obedecendo as recomendações", contou Edileusa. 

Luto 

Estudos revelam que a morte repentina de uma pessoa, como acontece em casos graves de covid-19, faz com que a família e os amigos não consigam fazer um ritual de despedida, o que leva a um risco maior de desenvolvimento de luto complicado. Trata-se de um sentimento, gerado pela morte de alguém, que nos traz tantas angústias que se transforma em doença. “O luto, acompanhado de tristeza e angústia, deve acontecer diante da perda. São ondas de sensações negativas que vêm e passam. O processo se torna complexo quando o luto fica mais intenso do que o esperado e se prolonga por um tempo maior do que o habitual”, esclarece o  psiquiatra e psicogeriatra Rodrigo Silva, que esteve, durante o pico da pandemia, na linha de frente da covid-19 no Estado, atendendo pacientes que estão em unidade de terapia intensiva (UTI) do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

E como perceber que uma pessoa, que perdeu alguém por causa da covid-19, vivencia um processo de luto complicado? “Muitas vezes, essa condição vem acompanhada de quadros depressivos e até a um risco maior de pensamentos suicidas”, completa Rodrigo. Ou seja, são casos em que o enlutado não consegue se desligar da perda e associa qualquer fato ou momento do dia à pessoa que faleceu. No cenário da pandemia, oferecer ajuda a essas pessoas se torna mais difícil, mas não é impossível. Amigos e demais parentes podem se fazer presentes, mesmo a distância. Vale ligar, enviar mensagens e fazer chamadas por vídeo para levar palavras de conforto.

Para este momento epidêmico, os especialistas sugerem uma adaptação do que chamam de vivenciar do processo de luto antecipatório, o que faz a família e os amigos compreenderem que a forma grave com que alguns pacientes evoluem pode levar ao óbito. “É uma situação em que se torna menos complexo processar as emoções relativas a uma possível perda. É por isso que os hospitais devem oferecer um momento para repassar informações do quadro clínico dos pacientes com as famílias”, informa Rodrigo.

Para quem vive a perda de alguém por causa do novo coronavírus, ele orienta procurar ajuda de um profissional da área de saúde mental. “Se isso não for possível, deve-se recorrer a pessoas em quem se confia, a fim de que não se passe por esse processo sozinho”, diz Rodrigo, com a certeza de que a prática da compaixão pode nos ajudar a dar suporte às pessoas que precisam.

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