Grupo faz protesto no Recife um dia após morte de negro em supermercado em Porto Alegre. Uma mulher foi detida

Ato ocorreu na frente do Carrefour de Boa Viagem no final da manhã e início da tarde deste sábado (21). Uma mulher do movimento negro foi detida e depois liberada
Estadão Conteúdo
Publicado em 21/11/2020 às 13:20
Convocado por grupos do movimento negro de Pernambuco, o protesto contra o assassinato de João Alberto Silveira Freitas ocorreu no final da manhã deste sábado (21), em frente ao Carrefour de Boa Viagem Foto: CIRIO GOMES/ TV JORNAL


Assim como ocorreu em algumas capitais brasileiras, o Recife também promoveu um ato contra o assassinato de João Alberto Silveira Freitas, 40 anos, ocorrido na noite da última quinta (19), em um supermercado Carrefour de Porto Alegre (RS), em um ato de racismo. Convocado por grupos do movimento negro de Pernambuco, o protesto teve início no final da manhã. O movimento foi pacífico, mas acabou tendo tumulto quando alguns manifestantes ultrapassaram a cancela e entraram no estacionamento da loja. Uma mulher do movimento negro teve que ir prestar esclarecimentos na Delegacia de Boa Viagem e depois foi liberada, sem a necessidade de Boletim de Ocorrência.

A deputada estadual Carol Vergolino, do mandato coletivo Juntas (PSOL), disse que a atuação da polícia no movimento foi desproporcional. "Foram 12 carros de polícia, uso de spray de pimenta e a abordagem para levar a ativista. O que presenciamos foi o racismo agindo em um ato contra o racismo", diz. A PM queria levar a mulher em um carro da polícia, mas depois de negociação e pressão dos manifestantes, ela foi conduzida no carro de uma advogada. Os protestantes chegaram a fazer um cordão em volta do carros e dos policiais para que ela não fosse levada.

O grupo se encontrou em frente ao Carrefour de Boa Viagem, na Zona Sul do Recife. Representantes da Articulação Negra de Pernambuco, do Pretivismo, do Fórum de Mulheres de Pernambuco, da Rede Afro LGBT e do Movimento Negro Unificado (MNU), para citar alguns dos grupos, estiveram presentes para exigir justiça e dizer basta à violência racial.

"É necessário que as instituições como Carrefour criem em suas missões formações antirracista voltadas aos funcionários, com foco na filosofia antirracista", afirmou Carlos Tomaz, membro da Rede Afro LGBT e do MNU. Segundo ele, cerca de 500 manifestantes estiveram presentes.

O grupo ocupou também o espaço da entrada do estacionamento do supermercado e o trânsito da Avenida Domingos Ferreira precisou ser desviado pela Rua Antônio Falcão. Vários transeuntes e motoristas que passavam pelo local demonstraram apoio à causa.

A Polícia Militar também acompanhou o protesto e, segundo Carlos Tomaz, chegou a provocar alguns manifestantes com spray de pimenta. Por meio de nota a PM fez o seguinte posicionamento:

No final da manhã de hoje (21), a Polícia Militar de Pernambuco foi acionada acerca de um protesto com interdição de uma faixa da Avenida Domingos Ferreira, no bairro de Boa Viagem, no Recife. No local, em frente ao supermercado Carrefour, havia uma manifestação motivada pela morte ocorrida em uma unidade dessa rede, no Rio Grande do Sul, na última quinta-feira (19). Ao chegar, uma equipe do 18º Batalhão negociou com os advogados do movimento o desbloqueio da via pública. No diálogo, houve o compromisso de dispersão, de forma pacífica.

No entanto, por volta das 12h20, uma das organizadoras do movimento teria instigado, com uso de microfone e caixa de som, os manifestantes a entrarem no estacionamento do supermercado. Pessoas que participavam da manifestação chegaram a danificar portões, cancelas, câmeras, monitores e picharam as paredes do estabelecimento, só pararam com a atuação da PMPE. Na ocasião, a organizadora foi conduzida à Delegacia de Boa Viagem, onde foi ouvida, juntamente com o gerente do supermercado, que prestou depoimento sobre os acontecimentos. A Polícia Civil instaurou inquérito e iniciou as investigações, com a coleta de depoimentos, informações e imagens de circuitos internos de videomonitoramento.

É importante ressaltar que as Forças de Segurança em Pernambuco estão unidas à sociedade no combate ao racismo e à intolerância de qualquer natureza. E sempre resguardarão o direito à liberdade de expressão e à manifestação do pensamento, sem transigir quanto à firmeza, dentro da legalidade e da técnica, para preservar a ordem pública, o direito de ir e vir das pessoas, a proteção do patrimônio e da vida.

A Articulação Negra de Pernambuco (Anepe)  também encaminhou nota pública à imprensa sobre o ato de protesto no Carrefour, questionando a ação da polícia, que considerou "descabida e desproporcional". O posicionamento diz, ainda, que ninguém do movimento provocou ou incitou violência. "Nosso protesto foi pacífico e ao final da manifestação, quando algumas pessoas mais exaltadas entraram no estacionamento, foi o nosso grupo que pediu calma, que pediu que as pessoas saíssem do estacionamento da loja e voltassem para a rua, para fazermos a dispersão e encerrar o ato", diz o texto (veja nota completa no final)

Em resposta à reportagem do JC, o Carrefour informou que não irá comentar os protestos que ocorrem pelo Brasil, incluindo o Recife. A empresa se manifestou sobre a morte de João Alberto por meio de nota, que segue abaixo:

O dia 20 de novembro, que deveria ser marcado pela conscientização da inclusão de negros e negras na sociedade, foi o mais triste da história do Carrefour. Palavras não expressarão nossa angústia com a brutalidade. Daremos todo o apoio à família de João Alberto Silveira Freitas e, em respeito a ele, nossa loja de Passo D’Areia fechou ontem e permanecerá fechada hoje. Além disso, todo o resultado das vendas do dia 20 de novembro das lojas Carrefour Hipermercados será doado para entidades ligadas à luta pela consciência negra. Hoje, abrimos mais tarde para reforçarmos o treinamento antirracista com todos os nossos funcionários e terceiros. Continuaremos com nossa transparência, informando os próximos passos. Nada trará a vida de João Alberto de volta, mas estamos certos de que este momento de profundo pesar se converterá em ações concretas que impedirão que tragédias como essa se repitam.

Entenda o caso

João Alberto Silveira Freitas, de 40 anos, foi morto após uma série de agressões em um supermercado da rede Carrefour em Porto Alegre. Ele teria discutido com a caixa do mercado antes de ser conduzido por um dos seguranças do estabelecimento até o estacionamento do local, onde começaram as agressões. Uma outra funcionária do mercado, junto com um cliente, policial militar temporário, acompanharam o deslocamento. Segundo a funcionária do supermercado, João Alberto teria desferido um soco contra o PM durante o percurso, e por isso, tanto o policial militar temporário, quanto o segurança, começaram a agredi-lo. 

O assassinato de João Alberto gerou protestos em diversos locais do Brasil na sexta-feira. Manifestantes entraram em unidades do supermercado.

Na capital do Rio Grande do Sul, a manifestação começou no início da tarde, em frente à unidade onde aconteceu o crime. Com cartazes, bandeiras e faixas destacando que "vidas negras importam", milhares de manifestantes exigiram Justiça pelo assassinato. A realização do protesto ganhou adeptos nas redes sociais e eclodiu em frente ao hipermercado. Cruzes e flores em homenagem a João Alberto também foram colocadas no local.

Em São Paulo, manifestantes se concentraram no vão do Masp por volta das 16h. Cerca de duas horas depois, um grupo de mais de 600 pessoas iniciou uma caminhada em direção ao Carrefour da Pamplona. Todo o trajeto foi acompanhado pela polícia, que não interferiu em nenhum momento. Ao chegar no local, a manifestação concentrou-se na rua, mas não demorou para que avançasse ao estacionamento que fica em frente ao supermercado.

Uma pequena parte dos manifestantes pegou pedras dos vasos do estacionamento e arremessou contra os vidros do supermercado. O grupo de seguranças do Carrefour não resistiu à invasão - a própria Polícia Militar não interveio.

Velório e enterro em Porto Alegre

Familiares e amigos acompanharam na manhã deste sábado, 21, o velório de João Alberto. A cerimônia de despedida foi no cemitério municipal São João, no bairro Higienópolis, na zona norte de Porto Alegre. Segundo a administração do cemitério, o velório começou às 8h30, já o enterro estava marcado para 11h30.

Ao 'Estadão', João Batista Rodrigues Freitas, de 65 anos, lamentou a morte de seu filho na sexta-feira. "Nós esperamos por Justiça. As únicas coisas que podemos esperar é por Deus e pela Justiça. Não há mais o que fazer. Meu filho não vai mais voltar", disse. À reportagem, o pai descreveu a vítima como um homem tranquilo. "Eles (Freitas e a esposa) frequentavam o mercado quase todos os dias. Ele até me incentivou a fazer um cartão do mercado."

Investigações

A Polícia Civil do Estado investiga o crime. Um dos agressores era segurança do local e o outro, um policial militar temporário Os dois homens foram presos em flagrante.

Após colher os primeiros depoimentos, a delegada responsável pelo caso, Roberta Bertoldo, da 2ª Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa, recebeu, na tarde de sexta-feira, 20, os médicos legistas para elucidar as causas da morte de João Alberto. Durante as agressões, a vítima também foi imobilizada pelos vigias, com o joelho de um deles nas costas.

"O maior indicativo da necropsia é de que ele foi morto por asfixia, pois ele ficou no chão enquanto os dois seguranças pressionavam e comprimiam o corpo de João Alberto dificultando a respiração dele. Ele não conseguia mais fazer o movimento para respirar", informou.

Veja a nota completa da Anepe: 

Nós, ativistas da Articulação Negra de Pernambuco, vimos a público, através desta nota, expressar
nosso protesto pela ação descabida e desproporcional da Polícia Militar de Pernambuco no dia de
hoje.
Entre as 11 e as 13 horas, realizamos uma manifestação em frente ao Carrefour de Boa Viagem, em
protesto contra o assassinato de João Alberto Silveira Freitas, homem negro de 40 anos que foi
morto a pancadas numa loja dessa mesma rede na cidade de Porto Alegre.
Nosso protesto foi pacífico e ao final da manifestação, quando algumas pessoas mais exaltadas
entraram no estacionamento, foi o nosso grupo que pediu calma, que pediu que as pessoas saíssem
do estacionamento da loja e voltassem para a rua, para fazermos a dispersão e encerrar o ato.
Nenhum de nós provocou ou incitou violência em nenhum momento.
Quando estávamos dispersando, recolhendo nossas faixas e cartazes, a polícia tentou prender uma
de nossas companheiras da Anepe. Cercamos a companheira para protege-la e a PM nos cercou.
Em nenhum momento, durante todo o tempo em que esse confronto se deu, a PM informou qual o
fundamento legal para a detenção de nossa companheira.
Argumentamos várias vezes que ela era justamente uma das pessoas que estava pedindo para as
pessoas saírem do estacionamento da loja e voltarem para a rua para encerrarmos o ato.
A PM mobilizou mais de 10 viaturas e 1 helicóptero, um grande número de policiais, para prender a
ativista e reprimir os manifestantes que tentavam protege-la. Montou-se uma operação
desproporcional, um enorme aparato, desnecessário, contra pessoas desarmadas.
Pessoas foram agredidas fisicamente, um homem idoso foi derrubado por um policial, spray de
pimenta foi usado contra nós.
A quem a PM estava protegendo? Ao nosso ver, a proteção era para o patrimônio privado da rede
Carrefour!
Na delegacia, é importante frisar que não foi feito TCO (Termo Circunstanciado de Ocorrência), o
que corrobora nossa afirmação de que nossa companheira não cometeu crime algum. Após algum
tempo ela foi liberada.
O que justifica ter detido e levado para a delegacia uma pessoa sem sequer apresentar fundamento
legal para esse ato?
Demandamos do Governo do Estado que seja também apurada a atuação da PM, o uso desse
aparato desproporcional nessa situação.
Que o braço do Estado não se resuma sempre à violência contra a população negra!

Basta de racismo! Vidas Negras Importam!

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pernambuco racismo assassinato
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