As fantasias ficarão guardadas à espera do próximo Carnaval. O de 2021 precisou ser ‘apagado do calendário’, por uma doença inesperada, que mudou o curso da história. É difícil viver a ausência da
festa em Pernambuco. Parece mais que estamos dentro de um filme cabeçudo de Kléber Mendonça Filho, como Recife Frio. Na vida real, o apagamento da folia provoca tristeza, vazio, solidão. O isolamento social fica ainda penoso, porque Carnaval se faz aglomerado e em todos os cantos do Estado. Nesta segunda-feira (15), Nazaré da Mata estaria realizando seu tradicional Encontro de Maracatus, que reúne grupos de toda a região. Mas não vai ter festa.
É tão improvável imaginar a Terra do Maracatu sem os vestígios da sua festa cheia de cor, de brilho, de poesia, de autenticidade. Quem já visitou Nazaré nesse período sabe, que tudo remete ao maracatu: as crianças imitando os passos dos caboclos nas ruas, as golas, cabeleiras e fantasias se deixando ver dentro das casas, as sedes dos maracatus abertas e o som do terno (orquestra da brincadeira) esquentando a folia.
Como pensar na Praça da Catedral deserta? Lá é onde está o coração do Encontro dos Maracatus. Este ano, a praça não servirá de passarela aos grupos. Não tem palco. Os maracatus não vão aguardar em fila a hora de se apresentar. Não vai ter buchicho de que esse ou aquele maracatu está maior ou mais bonito. Não vai se ver disputa de caboclo de lança carregando sobre os ombros uma gola mais bonita do que a outra. Não vai se acompanhar mestre improvisando poesia no palco. Este ano, inevitavelmente, a pandemia seria
o grande tema das loas.
Ninguém vai ouvir o chicote da burrinha estalando no chão, nem a catita fazendo munganga, pedindo dinheiro e abrindo espaço para o maracatu. Também não vai se escutar o locutor de voz grave anunciar entusiasmado: “Lá vem a Cambinda Brasileira, com a sua tradição de 103 carnavais. Lá vem Cambindinha de Araçoiaba e a grandeza dos seus 107 anos. Lá vem Mestre Barachinha e sua Estrela Dourada de Buenos Aires”.
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Não vai ter desfile de caboclo de lança com o surrão batendo nas costas e provocando uma mistura de sentimentos nas pessoas: medo, mistério, admiração. Não vai ter cortadores de cana, pedreiros, donas de
casa e os mais diversos trabalhadores da Zona da Mata se transformando em rei, rainha, baianas e personagens da corte.
Em 2021 não terá fantasia, os folgazões vão participar de um samba de maracatu menor, dentro de casa com suas famílias. Se tudo certo com a vacinação, 2022 será o Carnaval da desforra, momento de transbordar amor e alegria por essa festa que mora dentro de nós e precisou ser silenciada. Mesmo com a indefinição sobre 4 a folia este ano, os maracatus continuaram a bordar suas golas, a fazer seus chapéus e
penachos. O próximo Carnaval será histórico, inesquecível... assim como foi a ausência deste.
* Adriana Guarda, jornalista e autora do livro Festa no Terreiro Mágico - 100 anos do Cambinda Brasileira