PANDEMIA

Em meio à covid-19, inauguração de Centro de Convivência no Recife é esperança para pessoas em situação de rua

Centro de Convivência foi criado pela Escola Livre de Redução de Danos (ELRD), instituição civil sem fins lucrativos, como estratégia para ajudar públicos vulneráveis durante a pandemia

Cadastrado por

Katarina Moraes

Publicado em 11/03/2021 às 13:27 | Atualizado em 08/07/2021 às 14:01
APROVAÇÃO Voluntários comemoram criação do Centro, que pode receber até 20 pessoas a cada quinta - JAILTON JR/JC IMAGEM

Com informações do repórter Mário Oliveira, da TV Jornal

Há dois meses, Manoel Cordeiro, de 35 anos, tem o asfalto quente das calçadas do Recife como colchão, e o sol como despertador. Após sair da prisão, foi no relento onde ele encontrou abrigo, junto a outras pessoas em situação de rua. Apesar de dizer que, em relação ao perigo de contaminação com a covid-19, tem fé em Deus de que “o que tiver que acontecer, vai acontecer”, para ele foi essencial encontrar um lugar de cuidado no novo Centro de Convivência da Escola Livre de Redução de Danos (ELRD), instituição sem fins lucrativos que atua em defesa aos direitos humanos e que é formada pela sociedade civil.

É na casa localizada na Rua das Ninfas, 267, no bairro da Soledade, no Centro do Recife, onde o homem recebe comida, artigos de higiene pessoal e uma cama para dormir; mas, mais do que isso: ouvidos prontos a ouvir, sem julgamentos por quem ele é, ou sobre seu passado. “Foi maravilhoso, parece que estou no paraíso, queria morar aqui e tudo, mas não posso, porque preciso deixar para outras pessoas também. A equipe é legal, conversa normalmente conosco, sem diferença, nós gostamos deles”, disse.

Inaugurada neste dia 11 de março, a instituição abrirá todas as semanas, sempre às quintas-feiras, para recepcionar até 20 pessoas da área central da cidade que estejam em situação de rua, ou que fazem uso de drogas, ou que sejam profissionais do sexo. O imóvel tem um espaço amplo e aberto, com área ao ar livre. Ele dispõe de recepção, lavanderia, banheiro para acesso de frequentadores, cozinha, sala de apoio psicológico e corredor de acesso com linha do tempo informativa sobre a história das políticas de drogas.

Em meio a uma ascendência da covid-19 em todo o Brasil, o centro nasce a partir da necessidade que a ELRD viu em pensar em estratégia de redução de danos para o público-alvo que atende, que, muitas vezes, carece de informação e higiene pessoal - essencial para evitar a contaminação. “É um momento para as pessoas ficarem em casa, com higiene constante, mas e quem não tem casa? A partir desse questionamento, resolvemos abrir o Centro, para garantir condições de higienização para prevenção ao vírus e solidariedade a quem mais precisa”, ressalta o psicólogo Rafael West, que já foi consultor das Nações Unidas e é um dos co-fundadores da Escola Livre.

Carlos Antônio da Silva, que vive em situação de rua, encontrou abrigo no Centro de Convivência - JAILTON JR/JC IMAGEM
Carlos Antônio da Silva, que vive em situação de rua, encontrou abrigo no Centro de Convivência - JAILTON JR/JC IMAGEM
Carlos Antônio da Silva, que vive em situação de rua, encontrou abrigo no Centro de Convivência - JAILTON JR/JC IMAGEM
Centro de Convivência da Escola Livre de Redução de Danos (ELRD) - JAILTON JR/JC IMAGEM
Centro de Convivência da Escola Livre de Redução de Danos (ELRD) - JAILTON JR/JC IMAGEM
Centro de Convivência da Escola Livre de Redução de Danos (ELRD) - JAILTON JR/JC IMAGEM
Centro de Convivência da Escola Livre de Redução de Danos (ELRD) - JAILTON JR/JC IMAGEM
Essas pessoas vivem em vulnerabilidade social e tem dificuldade de acesso às políticas públicas do município, que não dão conta do número de pessoas que estão em situação de rua", avalia Ingrid Farias, coordenadora do Centro - JAILTON JR/JC IMAGEM

Outra importante motivação para a iniciativa foi a carência de políticas públicas capazes de melhorar as vidas das cerca de 1.400 pessoas em situação de rua que vivem no Recife, segundo dados de 2019 da Prefeitura da cidade. “A gente entende que essas pessoas vivem esse histórico de vulnerabilidade social e uma dificuldade de acesso às políticas públicas do município, que, infelizmente, não dão conta do número de pessoas que estão em situação de rua, precisando desse apoio. A gente, enquanto sociedade civil, entende nossa responsabilidade coletiva em estar oferecendo a ampliação do acesso à cidadania”, explica a coordenadora Ingrid Farias.

Na casa, os abrigados encontram condições para tomar banho, realizar a lavagem e secagem de roupas, um guarda-volumes de objetos pessoais e lanche. Também está disponível um espaço para descanso com biblioteca comunitária. Eles também participam de oficinas e cine-debates. No espaço, os frequentadores precisarão respeitar as normas de prevenção à covid-19, como o uso de álcool em gel e máscaras, e o acordo de convivência do espaço.

Isso, no entanto, não é problema para Carlos Antônio da Silva, que foi a primeira pessoa em situação de rua a chegar ao espaço nesta manhã. “Aqui tudo é organizado, temos segurança, vamos descansar. Esse espaço chegou na hora em que estávamos precisando. Vai ajudar demais, tanto a mim, quanto aos meus companheiros. Algumas coisas que precisaríamos correr atrás, aqui já vamos ter. Nós temos tudo nas mãos, é só a gente saber valorizar os profissionais que fazem o trabalho com amor e dedicação, porque todos os lugares têm normas. Se gostamos do espaço, temos que respeitar e obedecê-los”, afirma.

Entre os voluntários citados por Carlos, está Julia Bueno. A causa dos moradores de rua “a atravessa”, diz ela, já que, por ser uma mulher trans, não possui o apoio de muitos e sabe que, se as oportunidades se fecharem, sua vida pode se tornar tão difícil quanto a deles. “O olhar desumanizador faz com que a gente acabe desistindo da vida. É importante pessoas que insistam, que te olhem, que te vejam, que não te julguem e que te impulsionem. Eu acredito que é muito importante nesse momento do nosso país a gente impulsionar projetos e planos de ação que visem tocar nessa realidade, com menos hipocrisia, a partir do lugar onde as pessoas vivem”, defende.

Como ajudar

A estruturação do espaço foi financiada por uma organização internacional filantrópica. A partir disso, o ELRD divulgou nas redes sociais uma chamada por voluntários, e teve dezenas de inscritos. Conseguiu, então, formar a equipe do novo Centro. Entretanto, a instituição está aberta para receber doações de quaisquer tipos, sejam financeiras, de roupa, produtos de higiene e de limpeza, ou de cestas básicas. Quem tiver interesse em ajudar pode entrar em contato pelo telefone (81) 98286 - 3308.

Políticas públicas do Recife

A Prefeitura do Recife informou, por nota, que mantém 13 unidades de acolhimento institucional para pessoas em situação de rua, além de dois restaurantes populares e dois Centros Pop. Boa parte deles, como os abrigos Irmã Dulce, Edusa Pereira e restaurantes populares Josué de Castro e Naíde Teódosio, foram abertos entre os anos de 2019 e 2020. A Secretaria de Desenvolvimento Social, Direitos Humanos, Juventude e Políticas sobre Drogas do Recife (SDSDHJPD) disse atuar diariamente com pessoas em situação de rua da cidade, por meio de conversa ativa, sensibilização e orientação e, "sempre que há aceitação, no encaminhamento para a rede de acolhimento ou outros benefícios eventuais, como o aluguel social".

Durante a pandemia, segundo a SDSDHJPD os esforços das equipes da Assistência Social foram voltados para realizar os serviços essenciais às pessoas em situação de rua. "Desde o início da situação de emergência na cidade, em meados de março, as equipes realizaram a entrega de mais de 525 mil marmitas, tanto no Restaurante Popular Josué de Castro quanto de forma itinerante, e mais de 24 mil itens de higiene e limpeza, além de ações de abordagem social de rua para criar vínculos e oferecer acolhimento". A Secretaria explica, também, que nenhuma equipe da Prefeitura do Recife realiza a retirada compulsória dessa população das ruas.

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