MPPE investiga desmatamento de área verde na construção do Parque das Graças, no Recife
Construção de novo equipamento com extensão de 900m na Zona Norte do Recife causa polêmica - inclusive por idealizadores do projeto - pela quantidade de vegetação desmatada
“Projeto humano que abraça a natureza e realça a singularidade do local”. Foi assim que a Prefeitura do Recife definiu como seria o Parque das Graças em um livreto divulgado em 2019 que trazia detalhes sobre a construção de todo o Parque Capibaribe. O projeto, que foi abraçado e discutido juntamente com moradores da região, agora é alvo de polêmicas durante a sua execução e até mesmo de investigações do Ministério Público de Pernambuco (MPPE). Tudo isso porque, com o intuito de promover áreas verdes e a integração entre o Rio Capibaribe e a capital pernambucana, grande parte da vegetação da beira rio foi arrancada sob a promessa de um replantio cinco vezes maior, durante obras que começaram no dia 12 de março.
Por nota, o MPPE informou que a Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente da Capital recebeu manifestações referentes à derrubada de vegetação na orla do rio Capibaribe na região, e que instaurou notícia de fato para apurar o ocorrido. Além disso, disse que irá requisitar informações ao poder público sobre a obra. A apuração está em curso e ainda não há atualizações. A denúncia ao órgão foi feita pelo ativista Alyson Fonseca, do Observatório do Meio Ambiente, no último sábado (10). Há mais de 15 anos atuando em prol da natureza, ele participou do processo de elaboração do projeto no bairro da Zona Norte, mas está preocupado com a retirada da vegetação.
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“Em nenhum momento se falou em destruir mata e manguezal. Fomos surpreendidos com toda aquela matança na semana passada pela empreiteira que está destruindo o mangue para executar as obras do Parque. Aquilo não fazia parte do debate. Quando questionei, disseram que tiveram que destruí-lo por causa das construções irregulares de prédios que o invadiram e que estavam impedindo as vias [de serem construídas] no parque. Eu não concordei, acho que estão relativizando o problema”, argumenta Alyson, que também solicitou providências ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) sobre o caso.
Ao andar pelas margens do rio, os residentes veem um cenário diferente do que esperavam. Retroescavadeiras arrancaram, rapidamente, as árvores da beira rio e as vegetações de manguezais. “A gente quer a obra, mas estamos assustados porque tiraram quase toda a vegetação do trecho em que estão atacando. Da Rua Dom Sebastião Leme até a Rua Doutor Osvaldo Salsa, virou um deserto. O que está acontecendo é que eles não fizeram uma comunicação prévia. As licenças precisam de planos de ataque no manejo da fauna e da flora, e no projeto que nos apresentaram, não tem isso”, diz Fernando Moura, 69 anos, que integra a comissão de monitoramento da obra.
Na última quinta-feira (8), a Associação de Moradores Por Amor às Graças teve uma reunião com representantes da Autarquia de Urbanização do Recife (URB), uma das pastas responsáveis pela construção do Parque das Graças, e solicitou uma série de documentos para atestar a legalidade da retirada da vegetação. O prazo para envio foi até a segunda-feira (12), mas, segundo o grupo, não foram enviados. Ainda nesta semana, a associação deve se reunir novamente para tentar negociações com a Prefeitura da capital.
Parte da comissão, a advogada Fernanda Costa expõe que já esperava que houvesse uma retirada da vegetação, mas que se surpreendeu com o volume desmatado, e apontou também a falta de transparência da gestão. “A gente solicitou os documentos para verificar se as licenças ambientais e se os planos para mitigar os impactos da obra estão sendo implementados. Estavam previstos cinco projetos no estudo ambiental, que já deveriam estar em execução. Pedimos para que a supressão da vegetação fosse paralisada até analisarmos tudo. Mas, de partida, a Prefeitura já falhou com a comunidade, porque o acordo era de que a obra só seria iniciada após uma campanha de comunicação no bairro, para que uma comissão de moradores da associação a acompanhasse”, conta.
À reportagem, a Prefeitura do Recife enviou uma autorização ambiental, feita pela sua própria Secretaria do Meio Ambiente e Sustentabilidade, que permite a erradicação de 99 “indivíduos arbóreos” do local. Segundo o advogado ambiental Álvaro Pereira, o documento concede validade à supressão que está sendo feita, mas “precisa ser analisado o plano de identificação dos indivíduos que serão suprimidos, e a fiscalização do plantio compensatório." Além disso, devem ser cumpridas as nove condições previstas na autorização, entre elas, o plantio de 551 árvores de porte semelhante às unidades erradicadas em no máximo 15 dias, com manutenção pelo período mínimo de um ano, e, caso uma árvore morra, deve ser replantada.
Todavia, o biólogo e professor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Pernambuco (UPE) Clemente Coelho, explica que é difícil a vegetação de manguezal se recuperar após sua retirada. “Quando você retira a árvore de mangue, primeiro você está tirando junto um pedaço do sedimento. Elas são sensíveis a qualquer mudança de topografia. É muito difícil o mangue se recuperar, demora um tempo muito maior”, explana. “A gente vê um trecho retirado de vegetação, mesmo que dentro do projeto estava previsto o plantio, é muito estranho imaginar a criação de um parque de onde se retiram árvores já frondosas. Existem tecnologias para retirada de árvores para translocação, com a raiz, para replantar no mesmo ou em outro lugar.”
A inserção do trecho de cerca de 1 km entre as pontes da Torre e da Capunga no Parque Capibaribe foi um pedido da própria comunidade, já que, em 1992, a então gestão municipal tinha no papel a ideia da implementação de uma via com quatro faixas para carros no local, o que geraria grande impacto ambiental na área. Após anos de reuniões e reformulações, a Associação de Moradores Por Amor às Graças pareceu finalmente ter tido uma vitória. Agora, o equipamento contaria com vias de baixa velocidade que deveriam ser compartilhadas entre pedestres, ciclistas e veículos motorizados.
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O projeto também conta com um playground de 397m², área para ginástica, espaço de terra batida com tirolesa e três áreas de convivência. Um parcão também seria instalado nas proximidades da rua Osvaldo Salsa, contando com cinco espaços para piquenique e dois mirantes, um perto da Rua Sebastião Leme e outro próximo à Ponte da Capunga, além de uma área de refúgio da fauna. Além disso, teriam duas passarelas - nas ruas Aníbal Falcão e Manoel de Almeida e entre a Rua Doutor Osvaldo Salsa e a Rua das Pernambucanas - e píeres, que permitiriam o acesso de pequenas embarcações. Tudo isso com o objetivo de transformar a experiência de viver o bairro.
Uma das idealizadoras do projeto, feito em parceria entre a Prefeitura do Recife e a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a arquiteta Circe Monteiro afirmou que o projeto que buscou o mínimo de impacto ambiental, e que toda a execução da obra é responsabilidade da URB. “Realmente existe uma licença ambiental de erradicação, mas acho que isso não é justificativa. O objetivo é remover o menos possível. Com a retirada da vegetação e com as chuvas que tiveram, houve uma perda muito grande da terra que estava lá. Foi tudo para o rio. Isso significou um desmoronamento dessa margem, e isso é péssimo para a execução da obra. Acredito que a URB deve estar revendo esses planos de execução, para que gerem menos impactos”, disse.
Além disso, o trecho em que a obra está sendo feita abriga algumas poucas capivaras, que se alimentam de gramíneas e de plantas aquáticas, que restaram no Recife. Estas, segundo moradores, estão se deslocando para as ruas e outros bairros, por não terem mais comida no local. “Os mangues desempenham um papel ecologicamente estratégico, pois são áreas de reprodução de diversas espécies de peixes e crustáceos. Além disso, vêm servindo como habitat para um mamífero roedor de grande porte, que são as capivaras. As capivaras antes habitavam em grande quantidade o estuário do Capibaribe, daí o nome Capibaribe (rio das capivaras), agora estão em extinção no baixo curso do rio”, reitera o doutor em Desenvolvimento e Meio Ambiente Lucivânio Jatobá.
“[Com a devastação], a gente perde a arborização pública e todas as suas funções de microclima, proteção do solo e da biodiversidade. Nos manguezais, perdemos a proteção das margens do rio, que tem função de berçário. Além disso, o Rio Capibaribe abriga uma série de espécies e de aves que já foram descritas cientificamente, e perdemos o habitat da biodiversidade. Perdemos também o papel do manguezal em ser um filtro biológico”, denuncia Clemente Coelho.
O documento de autorização apresenta observações que dizem que a concessão foi expedida em vistoria realizada por técnicos e a partir de documentos realizados, e que não impede a formulação de exigências posteriores, especialmente de "medidas corretivas". Por fim, pontua que o não cumprimento das condicionantes, bem como da legislação, implicará na "suspensão ou cancelamento da presente autorização ambiental". “Nós, como executores do projeto, nos colocamos à disposição para ver como essa execução poderia gerar menos impacto”, garante Circe.
Por nota, a Autarquia de Urbanização do Recife (URB) informa que o plantio de 550 árvores previsto como mitigação da obra é cinco vezes maior que o número de supressão. No caso da vegetação de mangue, a URB esclarece que reposição das espécies acontecerá por meio da regeneração natural, que ocorrerá gradualmente no entorno da passarela que será construída. Além disso, a Autarquia destaca que o projeto também prevê a criação de uma área de refúgio da fauna. A pasta destaca, também, que as obras estão seguindo todos os trâmites legais exigidos, incluindo a prévia obtenção de autorização ambiental para aprovação do projeto executivo e realização das intervenções, e que está sendo acompanhada por engenheiros ambiental e florestal, que emitem relatórios diários.