ÁREA DE RISCO

À beira do precipício. A fragilidade de uma vida segurada por lona em morro do Recife durante chuvas

Casa do casal Maria Cristina e Cid Melo, no bairro de Água Fria, na Zona Norte do Recife, fica no ponto mais alto da Travessa Petrovina, e está há dois anos sob ameaça das chuvas

Cadastrado por

Katarina Moraes

Publicado em 14/04/2021 às 16:16 | Atualizado em 15/04/2021 às 11:49
DESESPERO Maria Cristina Melo e o marido, Cid Melo, moradores da Travessa Petrovina, Zona Norte da capital, temem por uma tragédia - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

A moradora de uma área de risco na Travessa Petrovina, no bairro de Água Fria, na Zona Norte do Recife, Maria Cristina Melo, de 56 anos, tem a lembrança da iminência da morte todos os dias ao olhar para o próprio quintal. É difícil esquecer do destino final quando a pequena casa azul, onde ela reside com o marido, o funcionário público Cid Melo, 63, está à beira de um precipício. O cheiro da terra molhada que há dois anos ameaça cair assombra o casal sobre a possibilidade de um deslizamento, situação recorrente em diversos pontos da cidade nos períodos de inverno, e que pode acontecer a qualquer momento.

Durante a pandemia da covid-19, permanecer entre as quatro paredes do lar é um ato de responsabilidade pela própria vida e pela dos outros, mas, para ela, é de vulnerabilidade. Por não ter condições financeiras de se mudar para outro lugar, no instante em que as primeiras gotas de chuva caem na capital pernambucana resta à dona de casa entrar em um estado de pânico e de vigilância permanente. “Se eu tivesse condições de sair, eu não estaria aqui há muito tempo, mas não temos para onde ir, porque minha família também já mora em áreas de risco”, explica.

Os 292 milímetros de chuva acumulados no Recife desde a última sexta (9) até o domingo (11) tiveram seu impacto revelado nos 326 chamados feitos à Defesa Civil, entre solicitações de colocação de lonas e pedidos de vistorias. A capital foi a segunda cidade que mais teve precipitação, ficando atrás apenas de Olinda (327mm). De segunda (12) a quarta (14), foram mais 623 chamados. Na cidade em que 67% de sua área é de morros, Cristina é só mais uma que, a partir do mês de abril, já se prepara para a possibilidade de ter seus pertences perdidos para o barro.

No último final de semana, Cristina e Cid foram roubados do direito do simples ato de deitar a cabeça em um travesseiro e dormir na casa onde moram há mais de 20 anos. De cima do morro, a paz não é uma opção. O quarto de casal, o mais próximo da barreira, está repleto de infiltrações nas paredes, causadas pela água da chuva, e precisou ser desocupado. Assim, a cama foi transferida para a sala de estar, o lugar mais “seguro” entre os perigosos cômodos da casa. “Mesmo assim, eu não consigo dormir com a nossa vida em risco”, revela.

Travessa Petrovina, no bairro de Água Fria, na Zona Norte do Recife - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
Travessa Petrovina, no bairro de Água Fria, na Zona Norte do Recife - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
PERIGO Há outras casas na mesma situação no bairro de Águia Fria - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
Travessa Petrovina, no bairro de Água Fria, na Zona Norte do Recife - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
Maria Cristina Melo, de 56 anos, e o marido, Cid Melo, de 63 anos - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
Maria Cristina Melo, de 56 anos, e o marido, Cid Melo, de 63 anos - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
Maria Cristina Melo, de 56 anos, e o marido, Cid Melo, de 63 anos - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
Maria Cristina Melo, de 56 anos, e o marido, Cid Melo, de 63 anos, agora dormem na sala de casa - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
Casa na Travessa Petrovina, no bairro de Água Fria, na Zona Norte do Recife - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM
Casa na Travessa Petrovina, no bairro de Água Fria, na Zona Norte do Recife - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

Por volta das 4h30 da manhã do domingo (11), quando chovia intensamente, uma árvore próxima à casa do casal desabou e caiu em frente ao quarto. “Se tiver mais chuva, minha casa vai cair. A barreira está com buraco, cheia de erosão. Ela sempre existiu, há 20 anos, mas nada tinha acontecido até o ano passado, quando caiu um lado dela. Agora, caiu o outro. A lona não adianta mais”, diz.

No local onde mora, o alerta é constante. Sua casa fica no ponto mais alto da barreira e corre o risco de desabar. Só que, embaixo dela, estão alocadas outras três residências que, caso a terra deslize, também devem ser atingidas. Por isso, duas delas foram desocupadas; e, na outra, ainda mora uma pessoa. Ao redor, há mais barreiras. Algumas delas sem nenhuma proteção. Outras, com as lonas já rasgadas. “Existem muitas barreiras aqui em frente e ao lado, algumas que não têm nem lona. Aqui tem muitos lugares de risco. Todo mundo fica com medo, mas ninguém pode sair."

Do poder público, tudo o recebeu foi um véu de lona plástica preta - que deveria ser temporário, mas, de tanto tempo que é reposto, já é tratado como solução. Após parte da barreira cair durante o temporal da madrugada do domingo (11), a Defesa Civil do Recife visitou a casa de Cristina e Cid. “Disseram que não podiam fazer nada porque estava chovendo muito, e que só depois da terça-feira (13) iam resolver. Mas vão resolver o que? Eles colocaram em janeiro a lona que está [agora], e antes de terminar o mês já tinha rasgado. Pelo menos, todas as vezes que nós chamamos eles nos atendem."

Por nota, a Defesa Civil garante já ter iniciado 13 obras de contenção definitiva na cidade, totalizando um investimento de 21,5 milhões de reais, e que também estão em andamento outras 17 intervenções do mesmo tipo iniciadas no ano de 2020 que serão concluídas ainda este ano e receberam um aporte financeiro na ordem de R$ 25 milhões. Ademais, dizem estar em andamento 277 obras do Programa Parceria, que garantiriam mais segurança para 1.162 famílias da cidade. “Fazem em todo lugar, por que não aqui?”, pergunta Cristina.

Ao ser questionada sobre o que pediria à Prefeitura do Recife para melhorar a sua situação caso tivesse a oportunidade, ela fica sem jeito. A voz embarga. Gagueja. “Eu queria sair daqui. Ou que fizessem um muro. Alguma barreira. Qualquer coisa para o meu aperreio acabar." É como se não acreditasse mais no sonho da vigência do direito à uma moradia digna. Ou como se precisasse implorar por aquilo que é dela por lei. Um verdadeiro pedido de socorro em meio à perspectiva de uma vida frágil, que pode desabar a qualquer hora. E, a ela, só resta recorrer à fé. “Não podemos fazer nada além de pedir a Deus para que não chova.”

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