A melancolia de quem vive e depende do Carnaval, mas verá as ladeiras de Olinda novamente vazias em 2022

Seguindo ritmo de Salvador, Rio de Janeiro e Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife, a Prefeitura de Olinda também cancelou o Carnaval de rua de 2022. Para quem depende financeiramente das festas, fica a preocupação. Para quem é folião, a saudade
Katarina Moraes
Publicado em 05/01/2022 às 19:28
TRISTE Passista Giovanna Marques diz que a família inteira respira Carnaval e lamentou não conseguir comemorar os 100 anos da Troça Carnavalesca Mista Cariri Olindense Foto: DAY SANTOS / JC IMAGEM


No peito de quem foi nascido e criado ao som das marchinhas, não há outro sentimento senão a angústia da confirmação dessa quarta-feira (5) de que o Cariri não abrirá o Carnaval; o Homem da Meia-Noite permanecerá em casa; a Pitombeira não erguerá seu estandarte e o Bacalhau do Batata não anunciará a chegada da ingrata quarta-feira de cinzas - já que, há dois anos, a emergência sanitária faz domina toda a semana da folia no Brasil. Por determinação municipal, as ladeiras da Cidade Alta continuarão limpas, silenciosas e vazias em 2022. Acima de tudo, melancólicas demais, principalmente para quem respira a festa ou tira dela o próprio sustento.



O cancelamento do Carnaval de rua - pelo qual a Marim dos Caetés é conhecida mundialmente ao atrair 4 milhões de pessoas - veio após cidades como Salvador, Rio de Janeiro e Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife, anunciarem a mesma decisão. "A gente veio trabalhando e analisando para que pudéssemos chegar nessa decisão, que foi tomada em conjunto com a Secretaria de Saúde, baseada em todo o cenário de pandemia desencadeado no Brasil e no exterior. Agimos com muita prudência. Infelizmente, hoje não temos segurança para realizar (a festa)", disse o prefeito professor Lupércio (Solidariedade). Só no início da noite, por volta das 18h, Recife anunciou a suspensão da festa, sem dar mais detalhes.

Na ladeira da misericórdia, nas mãos da passista Giovanna Marques, 21, professora da Companhia de Dança Passos da Ladeira, uma sombrinha preta simbolizava a saudade da festa de momo, enquanto dançava o frevo “Lágrimas de Folião”. Antes mesmo de sair da barriga, ela era dominada pelo ritmo junto a sua mãe, a dançarina Daniele Marques, 45, que aprendeu a frevar sozinha nas ladeiras da cidade onde nasceu. “Toda a minha família respira Carnaval. Faço parte da Troça Carnavalesca Mista Cariri Olindense, que completou 100 anos em 2021, e não pôde comemorar o centenário. Foi difícil, chorei demais”, relatou. Para suprir a falta neste ano, realizará um espetáculo de dança.


Mas o Carnaval não é responsável apenas por levar alegria a quem ama uma folia - é através dos quatro dias de festas que muitos olindenses conseguem levar o pão para casa. Por isso, na mesma coletiva de imprensa, a Prefeitura de Olinda garantiu que será dado um auxílio a quem depende da festa, como grupos e artistas representantes da cultura popular, ambulantes que trabalham no período e catadores que se beneficiam com a venda de latinhas e outros materiais descartados no Carnaval do município. Entretanto, não há definições quanto aos valores e à quantidade de pessoas beneficiadas, já que um novo projeto de lei ainda será levado e discutido na Câmara dos Vereadores.



A notícia de que haverá novamente a ajuda não animou o tapioqueiro Josimar Vieira, de 44 anos, que em 2021 recebeu R$ 240 de auxílio municipal. Isso porque o valor é absurdamente abaixo do que ele fatura na folia; em torno de R$ 13 mil que são distribuídos para bancar despesas durante todo ano. Apesar de concordar com a decisão da Prefeitura, se vê financeiramente prejudicado pelo cancelamento das festas. "Acima de tudo a saúde, mas todos os comerciantes são prejudicados quando não tem Carnaval, porque Olinda vive do movimento do turismo. Não temos para onde ir, nem como vender. A quantia foi muito pouca, porque temos compromissos que precisamos pagar e não conseguimos até hoje", relatou.


A situação é mais difícil para o ambulante Mário Braz Silva, de 46 anos. Ele contou que tentou se inscrever para receber o auxílio em 2021, mas que nunca recebeu. "O Carnaval é bastante lucrativo. Sem Carnaval, o que vai ser de nós agora? Onde vamos buscar uma renda? De onde vamos tirar dinheiro para comprar alimento? Vai ficar difícil e pesado. Pedimos força para que o governo e a prefeitura se locomoverem em nos ajudar, porque ano passado foi difícil para todos que dependem disso", contou.

Antes mesmo da posição da gestão, os blocos mais tradicionais de Olinda já haviam anunciado que não iriam desfilar. Todavia, a Marim dos Caetés não tomou uma decisão a respeito da realização ou não das festas privadas, afirmando apenas que seguirá o recomendado pelo Governo do Estado. Por enquanto, estão permitidos eventos fechados para um público de até 7,5 mil pessoas, desde que sejam seguidos protocolos sanitários como a obrigatoriedade da apresentação do cartão de vacinação, por exemplo. Assim, caso o atual decreto permaneça valendo, somente shows pagos serão permitidos, enquanto as ruas devem estar vazias.

O cenário fez com que o trompete do músico Emerson Araújo, de 21 anos, entristecesse. "Desde pirralho sempre fui apaixonado pelo Carnaval. Fui crescendo e criando uma relação mais forte. É difícil não ter; quem mais se prejudica é a cadeia produtiva do frevo, que está mais próxima do Carnaval gratuito e do povo. No coração, é uma ausência grande. Mas vamos cuidar da nossa vida para que no futuro ele possa acontecer." Da janela do lendário Grêmio Musical Henrique Dias, no Amparo, seu frevo compassado inundou a Cidade Alta levando a esperança de quem espera em breve, como cantou Toquinho & Vinícius de Moraes, "viver pra ver e brincar outros carnavais com a beleza dos velhos carnavais e com o povo cantando seu canto de paz".

Produtores sugerem Carnaval público e controlado no Parque de Exposições, cobrando também vacina da gripe

Atualizada às 19h44

Em meios aos anúncios de cancelamento ou suspensão das festas públicas de Carnaval em municípios pernambucanos, a Associação Brasileira dos Promotores de Eventos (Abrape) sugere que é possível realizar as festas públicas, além das privadas, de maneira controlada. O diretor regional da Abrape, Waldner Bernado, sugere que o poder público use espaços como a Exposição de Animais, no bairro do Cordeiro, Zona Oeste do Recife, para a realização de shows públicos carnavalescos, podendo inclusive haver a cobrança da vacina contra a gripe para entrada. 

"A gente entende e respeita todas as políticas e decisões técnicas, mas acima de tudo acreditamos na ciência e na vacinação. De forma prática, temos eventos desde outubro do ano passado, seguindo os protocolos, e a realização desse eventos só para vacinados não reverbera no número de internamentos e mortes. Sabemos da nova variante. mas mesmo assim, uma vez vacinada, as pessoas pegando ou transmitindo não têm complicações", afirma Waldner Bernado. 

De acordo com ele, a categoria, que esteve reunida nesta quarta-feira (5), não pleiteia a realização do Carnaval como os pernambucanos estão acostumados, mas a tomada de uma decisão que não prejudique a classe artística. 

"Sabemos que pode alguma coisa ser feita, sim, com responsabilidade e com controle. Por isso congregamos a classe artística e produtores. Tivemos agora há pouco o Carnatal, evento mara vacinados, com mais de 60 mil pessoas, e não reverberou em número negativos. tivemos a Fórmula 1, em São Paulo, que também não reverberou em número negativos. Temos agora um surto de gripe acontecendo, e estamos dispostos a cobrar, inclusive, a vacina da gripe. Precisamos nos adequar à realidade e gradativamente voltar a ter os eventos públicos e privados", defende.

Para o diretor regional da Abrepe, é possível realizar os eventos públicos de Carnaval nos moldes dos eventos privados que já vêm acontecendo no Estado. "O Carnaval público, sem o devido controle, não deve acontecer, temos plena consciência disso. O que estamos mostrando é que é possível fazer um Carnaval público controlado. Um exemplo prático é o Parque de Exposições do Cordeiro: dá para fechar e fazer um Carnaval que não deixa de ser público e será de forma controlada. Público ou privado, de forma controlada, dá para acontecer", sugere.

A realização do Carnaval ou não, no modelo que for, ainda dependerá de decisão do governo do Estado, que só deve sair ao fim do mês de janeiro. Até lá, os produtores esperam continuar se reunido com o governo e a prefeitura do Recife para tentar negociar as possibilidades. 

Nesta quarta-feira (5), Olinda, Jaboatão dos Guararapes e Bezerros anunciaram o cancelamentos das suas festas públicas de Carnaval. Maior polo da folia dentre os citados, em Olinda, a prefeitura decidiu suspender a festa pública e voltar a pagar um auxílio a catadores, blocos e artistas que fomentam a cultura carnavalesca. Um novo projeto de lei será enviado à câmara municipal para viabilizar a medida. O aporte inicial, na estimativa da gestão, gira em torno dos R$ 3 milhões. 

O Recife optou por suspender a programação oficial do Carnaval deste ano.


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