Aos 7 anos de idade, Arthur Cabral respondia de imediato, quando perguntado, o que queria ser quando ficasse adulto: bombeiro. Ouviu do pai e do tio que fora das telas da TV e dos jogos de videogame, havia heróis de verdade. Que o papel deles era proteger e salvar vidas.
Não deu tempo dele crescer. Ele foi um dos 128 mortos numa das maiores tragédias que Pernambuco já viveu: temporais que devastaram sobretudo Recife, Região Metropolitana e Zona da Mata, deixando ainda milhares de desabrigados.
Mas a homenagem que Arthur recebeu do Corpo de Bombeiros do Estado durante seu sepultamento, na última quinta-feira (02), reforçou o zelo, a dedicação e a preocupação que os integrantes da corporação têm com as pessoas que diariamente precisam deles.
UNIÃO
Foram sete dias de buscas por desaparecidos em vários pontos do Grande Recife. Desde quando a chuva começou a cair torrencialmente, no sábado da semana passada (dia 28), até sexta-feira (03), cerca de 500 bombeiros de Pernambuco se revezaram na missão de encontrar as vítimas. Só pararam quando, na madrugada da sexta, acharam o corpo da última pessoa procurada, a empregada doméstica Mércia José do Nascimento, 43, em Camaragibe.
Um trabalho exaustivo que contou com a ajuda de 85 bombeiros de seis Estados (Bahia, Paraíba, Ceará, Minas Gerais, Goiás e Santa Catarina), de equipes das Forças Armadas, voluntários das comunidades e funcionários das Defesas Civis Municipais. Ainda com 22 cães que contribuíram para achar os corpos.
CONFORTO
"Arthur sonhava em ser bombeiro. Infelizmente morreu antes. A atitude dos bombeiros, que foram até o cemitério, colocaram o caixão do meu sobrinho num carro da corporação, fizeram camisa e boné com o nome dele, prestaram todas as homenagens como se ele fosse um bombeiro de verdade, encheu nosso coração. Estamos muito tristes mas isso nos deu um pouco de consolo", conta Everton Cabral, tio do garoto.
"Não bastasse toda a dedicação dos militares, que não pararam de procurar meu sobrinho, dia e noite, no local do deslizamento da barreira, eles foram além. Tiveram o cuidado em realizar o sonho de Arthur", diz Everton. O menino morava na Vila dos Milagres, no Ibura, Zona Sul do Recife. Morreram, da mesma família, seus avós, um casal de tios e uma prima. Seu enterro aconteceu no Cemitério de Santo Amaro, área central da capital.
DOAÇÃO
"Há um sentimento muito forte de amor ao próximo, é uma doação mesmo. Estamos expostos ao perigo, a baixas e altas temperaturas, condições difíceis de trabalho, horas de buscas, às vezes sem nos alimentar. Mas nossa preocupação é com a vida de cada pessoa que precisa de nós e com a vida da nossa equipe", ressalta o major Everton Marinho, 38 anos de idade e 14 dedicados à profissão.
Por dois dia ele comandou o resgate na Vila dos Milagres, onde Arthur morava. "Tem momentos que é preciso sangue frio, raciocínio rápido, controle emocional", diz o major. A confiança na equipe é também fundamental, ressalta.
Major Antônio Barbalho, que comandou buscas no Curado (Recife) e no Jardim Monte Verde (Jaboatão dos Guararapes), destaca o envolvimento da população.
"A integração dos moradores, da comunidade, é algo que não vamos esquecer. Famílias com casas destruídas ou cheias de lama, mas que estavam disponíveis a nos ajudar o tempo todo, oferecendo um café, um lanche, um local para nos servir de apoio. Isso fez muita diferença", assegura o oficial.
LIÇÃO
Para o cabo Elmo Alencar, 32, que teve nesses dias a experiência mais impactante desde que ingressou no Corpo de Bombeiros, quatro anos atrás, a maior lição que fica é a valorização da vida, sobretudo da família.
Ele e mais três colegas foram os primeiros a chegarem numa ocorrência no Córrego do Jenipapo, Zona Norte do Recife, na madrugada do sábado da semana passada. No local, morreu soterrado um rapaz de 18 anos. Elmo e os demais bombeiros conseguiram salvar os pais do rapaz.
"Tive medo, principalmente pela vida dos meus irmãos de farda. A parede da casa tremia, a barreira poderia cair ainda mais. Mas estávamos ali para salvar aquela família e sabíamos o quanto aquelas pessoas eram valiosas para alguém", afirma o cabo Elmo, que trabalhou quase 48 seguidas.
"Não acho que nós bombeiros somos heróis. Somos comprometidos, dedicados e dispostos a fazer de tudo para garantir a vida, é a nossa missão", destaca. Para a maioria dos pernambucanos, eles são heróis sim.