A suspensão temporária da doação de parte do terreno do Espaço Ciência não significou uma desistência do Governo de Pernambuco. Documento obtido com exclusividade pelo JC mostra que a gestão estadual defende, no Tribunal de Contas do Estado (TCE-PE), o direito de ceder a área onde hoje está o museu para instalação de um centro tecnológico por uma empresa privada, alegando que trará benefícios ao Estado.
Através de manifestação assinada pelos procuradores Leonardo Ramalho Luz e Filipe Vilar de Albuquerque, a Procuradoria Geral do Estado (PGE) se pronunciou sobre os questionamentos feitos em medida cautelar pelo Ministério Público de Contas (MPC-PE) no final do último mês, por onde pediu ao TCE-PE a suspensão temporária da doação para que esta fosse investigada.
Antes de uma decisão, entretanto, o próprio Estado suspendeu, na última quinta-feira (15), a transação por meio de portaria publicada pela Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação de Pernambuco, com efeito imediato, até "ulterior manifestação do TCE".
Entre os argumentos apresentados na manifestação do Estado, a PGE defendeu que houve ilegitimidade da procuradora Germana Laureano, que assinou a representação do MPC-PE, e retirou a responsabilidade do Secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação de Pernambuco, Fernando Jucá - alegando que o espaço já estava sob a responsabilidade da Agência de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco (Adepe).
O principal questionamento da procuradora foi o fato do imóvel público de quase 8 mil metros quadrados inscrito no museu e avaliado em R$ 16 milhões ter sido alienado sem licitação, alegando que não pode "haver doação de imóvel público a pessoa que não integre a Administração Pública".
A isso, o Estado respondeu com decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que autorizou doação de bem público desde que tenha “interesse público justificado, avaliação prévia e autorização legislativa para a administração direta, autárquica e fundacional” - relembrando que a área foi cedida com aprovação da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe).
"Caso essa Corte de Contas decida pela impossibilidade de doação de imóveis para a atração de empreendimentos privados ou passe a exigir licitação para tais doações, o que significará o mesmo, irá retirar um forte instrumento para o Estado atrair empreendimentos e empresas, findando por prejudicar o desenvolvimento econômico e social do estado", afirma o documento.
Isso porque, segundo a gestão estadual, a instalação da uma landing station e um data center na área do museu melhorará a conectividade do Estado e que alterar o local poderia causar a desistência das empresas, maior custo ao projeto e "manchar a reputação de Pernambuco perante o setor empresarial".
"Assim, resta patente que a mudança do imóvel poderá gerar a desistência do projeto pelos privados, por ser uma modificação substancial das condições oferecidas pelo Estado, bem como pela maior dificuldade técnica e maior custo em decorrência de tal mudança", diz o Governo.
O Governo apontou que o TCE-PE não tem competência para analisar uma possível violação a valores histórico, urbano, paisagístico e cultural de imóveis públicos, e que o projeto seria submetido ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para análise.
Ele afirma que a área não está circunscrita onde há um projeto do paisagista Roberto Burle Marx, tampouco a paisagem do Sítio Histórico de Olinda - contrapondo o que disse a procuradora e o próprio Iphan, que afirmou que a área é considerada de entorno e de proteção da paisagem do Sítio Histórico e “non aedificandi”, ou seja, que não podem ser construídas edificações, "devendo ser preservada como área verde e de lazer".
Assim como o CEO da empresa beneficiada, João Pedro Flecha de Lima, da Recife CO, o governo explicou que o fato da mesma ter um capital social de apenas R$ 10 mil se deve ao fato dela ter sido criada com um propósito específico.
O TCE-PE anunciou, na última sexta-feira (16), que vai instaurar uma Auditoria Especial para aprofundar a análise das informações e justificativas fornecidas pelo Governo do Estado, com prazo estimado de conclusão em 60 dias.
A determinação partiu do conselheiro Valdecir Pascoal, que ressaltou a relevância dos questionamentos trazidos pelo MPC-PE e a necessidade de aprofundar os fatos. De acordo com o relator, a auditoria ouvirá, com a devida profundidade, todos os envolvidos no processo, inclusive setores da sociedade civil.
O assunto foi debatido na última quarta-feira (14) em audiência pública na Alepe. Na ocasião, a promotora de Justiça Belize Câmara, do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), alegou que a falta de informações no projeto de lei que doou o terreno "induziu os parlamentares ao erro", e a necessidade do zelo por bens públicos e pelo patrimônio material e imaterial do Estado.
Outra discussão está marcada para 23 de janeiro de 2023, desta vez promovida pela 3ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania de Olinda, do MPPE, que também instaurou procedimento para apurar a doação.
O Espaço Ciência pede pela revogação da doação, afirmando que trará prejuízos ao projeto museológico. “Não somos contra a chegada dos cabos submarinos em Pernambuco. Muito pelo contrário. O que não aceitamos é que haja qualquer interferência ou destruição de um projeto museológico de interesse público, que atende gratuitamente mais de 120 mil visitantes todos os anos”, disse o diretor, Antônio Carlos Pavão.