A Prefeitura do Recife levou à Justiça parte dos processos de desapropriações da Vila Esperança, no bairro do Monteiro, na Zona Norte do Recife. A medida foi tomada após moradores não aceitarem as indenizações propostas diretamente pela gestão.
Inicialmente, é prevista a retirada de 53 casas da comunidade para dar lugar à Ponte Engenheiro Jaime Gusmão, a Monteiro-Iputinga. Dessas, 28 negociaram com a própria Prefeitura e aceitaram sair do local pelo valor oferecido.
Outras 25, contudo, resistiram à negociação que, agora, é decidida pelo judiciário. Após isso, segundo a gestão municipal, dez imóveis já receberam o valor determinado pelo tribunal, enquanto outros cinco solicitaram a reabertura das negociações.
A judicialização dos casos veio poucas semanas após o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) recomendar que a Prefeitura somente negociasse as desapropriações na Vila com a presença de um defensor público ou de um advogado, após receber uma série de relatos de ameaças durante esse processo.
A negativa dos moradores em sair do local se deve aos baixos valores propostos pelo município por casas situadas em um dos bairros nobres da capital pernambucana e em uma Zona Especial de Interesse Social (Zeis).
Uma delas é da maquiadora Helena Vicente, de 32 anos, que tem uma residência com mais de R$ 100m²,que recebeu uma proposta de R$ 73 mil. Isso acontece porque só tem sido considerada pela gestão o preço da construção da casa em si, mas não do terreno.
"Enquanto a gente pedia pra sermos tratados com humanidade, a Prefeitura do Recife simplesmente judicializou. É assim que ela tem dialogado com a população", afirmou o movimento formado pela Vila Esperança.
A Defensoria Pública do Estado de Pernambuco (DPPE), que representa seis famílias, defenderá, na Justiça, que elas têm direito ao título de posse da terra - documento nunca fornecido pela Prefeitura que aumentaria o valor das desapropriações.
"Questionei à Prefeitura a possibilidade de reconhecer o vínculo das pessoas com a terra e depois indenizá-las, mas disseram que não poderiam regularizar as casas para desapropriá-las, sem visar a permanência no local. Discordamos disso", pontuou o defensor Fernando Debli.
Além de pedir pelo título da terra para a Vila Esperança, o defensor pretende, também, contestar a própria obra, ao considerar que "a ponte vai passar por cima da comunidade, quando poderia passar pela rua lateral sem afetar tantas famílias".
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Por nota, a Autarquia de Urbanização do Recife (URB), alegou que "cada imóvel é avaliado individualmente e recebe um valor que varia de acordo com questões como existência de documentação legal, área construída e benfeitorias realizadas pelos moradores."
"Os valores oferecidos são baseados em tabela atualizada anualmente e validada pelos órgãos de controle, como Tribunal de Contas do Estado e Caixa Econômica Federal", concluiu.
A Ponte Monteiro-Iputinga começou a ser construída em 2012, quando cerca de 400 famílias tiveram de deixar o local em 45 dias pela gestão João da Costa (PT), que prometeu a construção de dois habitacionais para realocar as famílias.
Insuficientes, deixou dezenas delas penduradas no auxílio-moradia até hoje, que agosta é de R$ 300. O equipamento ficou emperrado nas duas gestões do prefeito Geraldo Júlio (PSB) após a prefeitura considerar que foi feita de forma equivocada.
A retomada das obras foram anunciadas em agosto de 2021 pelo prefeito João Campos (PSB), após nove anos de paralisação, que afirmou, inicialmente, que 58 casa teriam de ser demolidas.
Então, a obra foi dividida em duas etapas. A primeira, já licitada e iniciada com orçamento de R$ 27 milhões, é a construção da ponte em si. Nela, segundo a URB, 53 famílias serão impactadas.
A segunda etapa é a do anel viário adjacente à ponte- onde ocorrerá o maior volume de retirada de casas - em torno de 255, segundo levantamento obtido com exclusividade pelo JC.
Isso em uma região de Zeis - que são áreas de moradia que surgiram espontaneamente por ocupação da população de baixa renda e que, posteriormente, foram protegidas por lei com o intuito de priorizar o direito à moradia a famílias que ali residem há décadas e a inibir a especulação imobiliária.
Um mês após o anúncio da retomada da obra, que gerou uma ampla pressão da população, a gestão municipal divulgou, em outubro de 2021, que construiria um conjunto habitacional para os moradores desapropriados.
Segundo a Prefeitura, ele será formado por dois blocos com térreo e mais quatro andares, um com 40 unidades e o outro com 35, e apartamentos com área de aproximadamente 40 m² e dois quartos, além de creche, horta, pomar, playground, bicicletário, espaço para coleta seletiva e equipamentos para eficiência energética.
Devem ser disponibilizados 75 apartamentos às famílias — um número muito abaixo do total de desapropriações previstas para a obra completa, ainda que a maioria dos antigos moradores não o escolham para morar.
A Ponte Engenheiro Jaime Gusmão tem estrutura de 170 metros de extensão e integra o projeto do sistema viário dos bairros da Iputinga e Monteiro. Estão sendo investidos R$ 38 milhões e deverão ser beneficiadas diretamente 58 mil pessoas.
A ideia é suprir uma necessidade de interligação entre as duas margens, já que não existe nenhuma ponte para veículos num trecho de quase 5 km do rio.
Para compor a integração dos dois bairros, a Prefeitura do Recife deve realizar também, posteriormente, a adequação do sistema viário para composição de uma semiperimetral, ligando a Avenida Maurício de Nassau (Paralela da Caxangá) e a Avenida 17 de Agosto.
Esta obra incluirá a requalificação de 15 vias do entorno nas duas margens, totalizando 4,5 km.