Com risco de desabamento, Fábrica Tacaruna luta contra abandono histórico do Governo de Pernambuco

Recentemente, o imóvel teve os seus elementos construtivos internos como lajes, pilares e vigas parcialmente destruídos, e voltou a ser alvo do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e do Ministério Público de Pernambuco (MPPE)
Carol Guerra
Publicado em 30/06/2023 às 15:16
Fabrica Tacaruna/ Ruinas Foto: Tiao Siqueira


O Conjunto Fabril da Tacaruna tenta sobreviver a mais uma fase do abandono histórico provocado pelo Governo de Pernambuco. Recentemente, o imóvel teve os seus elementos construtivos internos como lajes, pilares e vigas parcialmente destruídos, e voltou a ser alvo do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e do Ministério Público de Pernambuco (MPPE).

A negligência com a construção acelerou a degradação do prédio e deixou as estruturas remanescentes das fachadas completamente instáveis, onde parte delas desmoronou e outras se encontravam na iminência de desabar.

Tiao Siqueira - Fabrica Tacaruna/ Ruinas

As observações acerca do imóvel foram divulgadas em um relatório realizado após vistorias feitas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), em abril de 2023.

A situação fica ainda mais alarmante: foi registrada a demolição das lajes, que compunham os pavimentos do prédio histórico, o que resultou no sumiço de importantes estruturas de ferro originais do local. Entre as estruturas estão os pilares, as vigas, escadas e até mesmo elevadores.

Reprodução/auditoria TCE/Blog imagem - TCE aponta abandono da Fábrica Tacaruna após governo Paulo Câmara

"A equipe de auditoria verificou que, além do equipamento permanecer abandonado e desprovido de segurança patrimonial, o prédio histórico da antiga Fábrica Tacaruna havia sido parcialmente destruído. É importante ressaltar que caso a demolição dessas estruturas internas tivesse sido evitada, certamente não teriam ocorrido desmoronamentos de trechos de fachadas, uma vez que o prédio estaria estabilizado, tal como sempre esteve e resistiu de pé por mais de 120 anos”, afirma o documento do TCE.

Apesar da recente vistoria, o Tribunal ressalta que a análise da situação do imóvel, realizada pela equipe de auditoria, aponta que o atual estágio de deterioração do Parque Fabril Tacaruna decorre de um longo processo de abandono, por parte de vários governos e gestões. O documento, inclusive, cita dados colhidos em inspeções do TCE desde o início dos anos 2000.

“No período entre o final do ano de 2003 e início de 2004 a coberta do prédio principal foi reconstruída, mas já ruiu. Entre o ano de 2006 e o início de 2007, foram investidos no Conjunto cerca de cinco milhões em obras de infraestrutura urbana onde foram realizados serviços de pavimentação das vias locais e das áreas de estacionamento, paisagismo e agenciamento do pátio externo, dentre outros, mas as edificações permaneceram abandonadas e carecendo de restauro”, relembra o relatório.

Reprodução/auditoria TCE/Blog imagem - TCE aponta abandono da Fábrica Tacaruna após governo Paulo Câmara

Em 2012, quando a vistoria foi realizada no âmbito de uma auditoria operacional do TCE, o órgão informou que avaliou os procedimentos de preservação adotados pela Fundarpe no processo de salvaguarda do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado, e constatou que o imóvel permanecia sem uso, sem manutenção e submetido a um contínuo processo de deterioração, que continuou se agravando até chegar ao atual estágio de arruinamento.

“A maior parte dessas obras e serviços foram em vão, tendo em vista que quase tudo foi perdido ou ficou sem uso, exceto a área de estacionamento na parte posterior do Conjunto que passou a ser utilizada pelo Centro de Convenções de Pernambuco”, constatou o TCE.

A Lei Estadual n. 7970/1979, que institui o tombamento de Bens pelo Estado de Pernambuco, determina que cabe à Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) “verificar, periodicamente, o estado dos bens tombados e fiscalizar as obras e serviços de conservação dos mesmos”.

Tiao Siqueira - Fabrica Tacaruna/ Ruinas

O Conjunto Fabril da Tacaruna corresponde a um Patrimônio Cultural Estadual, com tombamento homologado em 1994.

Após a análise, o TCE resolveu pela abertura de uma medida cautelar, expedida pelo conselheiro Valdecir Pascoal no dia 23 de maio, e determinou que a Fundarpe direcione esforços com vista à interdição em caráter de urgência do Conjunto, além da realização de serviços emergenciais para estabilizar a estrutura do prédio.

Segundo o Tribunal, a medida visa “evitar um mal maior em relação ao que ainda resta das edificações daquele importante conjunto arquitetônico estadual”.

Reprodução/auditoria TCE/Blog imagem - TCE aponta abandono da Fábrica Tacaruna após governo Paulo Câmara

À época em que a cautelar foi expedida, a diretora-presidente da Fundarpe, Renata Duarte Borba, afirmou - por meio de ofício enviado ao TCE - que teve sua nomeação publicada no Diário Oficial do Estado em 18 de janeiro de 2023, e sua equipe só começou a ser nomeada no final daquele mês.

Desde então, o governo do Estado de Pernambuco, através de seu órgão de preservação, vem tratando do imóvel em pauta com muita cautela.

“A equipe [da Fundarpe], ainda em março deste ano, realizou vistoria na Fábrica Tacaruna e iniciou o processo de identificação de possíveis usos para o relevante equipamento. Nesse sentido, foi verificada a demanda, junto à Secretaria de Educação e Esportes (SEE), para elaboração de um projeto para o Centro de Formação para Profissionais de Educação, bem como uma Escola Técnica Estadual na área de Hotelaria e Gastronomia”, declarou a Fundação.

Reprodução/auditoria TCE/Blog imagem - TCE aponta abandono da Fábrica Tacaruna após governo Paulo Câmara

Ainda segundo o ofício, a SEE elaborou um programa de necessidades para serem contempladas no projeto e a Fundarpe está analisando a compatibilidade da proposta ao espaço físico do imóvel.

Com a abertura da medida, a Fundarpe teria 30 dias para enviar ao órgão um relatório com as medidas que pretende adotar para cumprir a cautelar. O prazo foi finalizado no último dia 23 de junho.

A reportagem entrou em contato com o Governo de Pernambuco para saber quais medidas foram estabelecidas para o Conjunto Tacaruna.

Em nota, a gestão estadual comunicou que está em fase de elaboração das diretrizes para o projeto de intervenção no imóvel e que os procedimentos necessários para viabilizar a limpeza e conservação do terreno do imóvel, a instalação de tapumes e o posto de vigilância já foram iniciados.

Reprodução/auditoria TCE/Blog imagem - TCE aponta abandono da Fábrica Tacaruna após governo Paulo Câmara

“A Fundarpe lamenta que o sistema construtivo original da Antiga Fábrica da Tacaruna, constituído de lajes mistas e vigas e colunas de ferro, um relevante exemplar do início do século XX, foi subtraído em quase sua totalidade durante o exercício do governo anterior”, finaliza.

Questionada se o projeto para tornar a Fábrica uma Escola Técnica Estadual na área de Hotelaria e Gastronomia ainda seria mantido, a Fundarpe não se manifestou.

O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) também determinou, no dia 8 de maio, a abertura de um inquérito civil público, com o objetivo de averiguar o abandono do imóvel.

Com o abandono do local, novas especulações sobre a transformação do espaço em empreendimento foram levantadas. De acordo com o professor de direito Bruno Xavier, especialista em direito imobiliário, o Conjunto Tacaruna, por ser tombado, não pode ser demolido descaracterizado.  

"O tombamento existe para a preservação do Patrimônio Histórico Cultural. A construção relativa ao imóvel não pode ser derrubada. É preciso preservar toda a fachada. O tombamento impede a modificação, descaracterização ou a demolição estrutural do imóvel", afirma.  

Histórico de projetos

Após a Fábrica Tacaruna ser desativada, diversos projetos foram prometidos para o espaço. Em 2001, a gestão estadual anunciou a criação e instalação do Espaço Cultural Tacaruna, que teria como objetivo tornar-se ser um espaço voltado para exposições, local para teatro, dança, cinema, auditórios para palestras e apresentações musicais, com centro gastronômico, regional e livrarias especializadas em arte.

Já no período de 2003 a 2005, foram realizadas obras da primeira etapa da reforma da Fábrica Cultural Tacaruna, orçada em R$ 1,3 milhão. O projeto buscava recuperar o sistema de cobertura do prédio central.

Em junho de 2006, uma ordem de serviço foi assinada, pelo então Governador Mendonça Filho, no valor de R$ 4,9 milhões para as obras de urbanização e paisagismo da Fábrica Cultural Tacaruna.

Já em agosto de 2009, foi anunciada a transformação do espaço na Centro de Cidadania Padre Henrique, vinculado à Secretaria da Criança e da Juventude. O espaço chegou a receber shows de Ivete Sangalo e Belo, no evento "O maior show do mundo". No mesmo ano, houve a interrupção da realização de shows no espaço até a inauguração do Centro. 

No mês de junho de 2012, o governo do estado publica um edital para nova reforma, orçada em R$ 20 milhões, e anuncia início das obras para o mês de agosto. 

Por fim, em 2014, foi anunciado o projeto para transformação do espaço no Centro de Pesquisa, Desenvolvimento, Inovação e Engenharia Automotiva da Fiat Chrysler, o 4º no mundo.
 

História da Fábrica Tacaruna

O século XIX marcou um passo importante para o fortalecimento da produção do açúcar em Pernambuco. Mas foi no ano de 1890 que um imóvel histórico para o estado passou a ser construído: a Usina Beltrão.

O empreendimento seria considerado a primeira e mais moderna refinaria da América do Sul. Para a obra, a implementação de materiais que - até aquele momento - pouco ou nunca foram utilizados.

A exemplo do uso do concreto armado em um estabelecimento industrial; instalação de luz elétrica; criação de cooperativa com sistema de atendimento médico e construção de moradia para os funcionários e operários da usina; e sistema de água canalizada para a operação das máquinas.

 

Reprodução/Acervo Fundaj - Fábrica Tacaruna durante os anos de 1930-1940

As obras inovadoras foram concluídas em 1895 e a Usina Beltrão passou a funcionar no espaço, chamando atenção pela chaminé de 75 m de altura, que era considerada a mais alta da região.

A usina de açúcar pouco tempo depois fechou as portas e deixou o prédio inativo por 27 anos. Em 1925 passa a funcionar como indústria têxtil, a Fábrica Tacaruna, que funcionou até 1955.

No período de 1960 a 1963, a fábrica teria iniciado a produção de cobertores de luxo do tipo lã e sintético. 

Já em em 1975, a fabricação de luxuosos produtos foi então substituída pela produção de cobertores vendidos a preços populares.

A fábrica foi desativada em 1982 e, posteriormente, entregue ao Banco Econômico, como pagamento de dívidas. 

Em 1994 o espaço foi tombado como Patrimônio Histórico e Artístico pelo Governo estadual e, em 1996, foi declarado de utilidade pública para fins de desapropriação.

 

 

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