O Conjunto Fabril da Tacaruna tenta sobreviver a mais uma fase do abandono histórico provocado pelo Governo de Pernambuco. Recentemente, o imóvel teve os seus elementos construtivos internos como lajes, pilares e vigas parcialmente destruídos, e voltou a ser alvo do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e do Ministério Público de Pernambuco (MPPE).
A negligência com a construção acelerou a degradação do prédio e deixou as estruturas remanescentes das fachadas completamente instáveis, onde parte delas desmoronou e outras se encontravam na iminência de desabar.
As observações acerca do imóvel foram divulgadas em um relatório realizado após vistorias feitas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), em abril de 2023.
A situação fica ainda mais alarmante: foi registrada a demolição das lajes, que compunham os pavimentos do prédio histórico, o que resultou no sumiço de importantes estruturas de ferro originais do local. Entre as estruturas estão os pilares, as vigas, escadas e até mesmo elevadores.
"A equipe de auditoria verificou que, além do equipamento permanecer abandonado e desprovido de segurança patrimonial, o prédio histórico da antiga Fábrica Tacaruna havia sido parcialmente destruído. É importante ressaltar que caso a demolição dessas estruturas internas tivesse sido evitada, certamente não teriam ocorrido desmoronamentos de trechos de fachadas, uma vez que o prédio estaria estabilizado, tal como sempre esteve e resistiu de pé por mais de 120 anos”, afirma o documento do TCE.
Apesar da recente vistoria, o Tribunal ressalta que a análise da situação do imóvel, realizada pela equipe de auditoria, aponta que o atual estágio de deterioração do Parque Fabril Tacaruna decorre de um longo processo de abandono, por parte de vários governos e gestões. O documento, inclusive, cita dados colhidos em inspeções do TCE desde o início dos anos 2000.
“No período entre o final do ano de 2003 e início de 2004 a coberta do prédio principal foi reconstruída, mas já ruiu. Entre o ano de 2006 e o início de 2007, foram investidos no Conjunto cerca de cinco milhões em obras de infraestrutura urbana onde foram realizados serviços de pavimentação das vias locais e das áreas de estacionamento, paisagismo e agenciamento do pátio externo, dentre outros, mas as edificações permaneceram abandonadas e carecendo de restauro”, relembra o relatório.
Em 2012, quando a vistoria foi realizada no âmbito de uma auditoria operacional do TCE, o órgão informou que avaliou os procedimentos de preservação adotados pela Fundarpe no processo de salvaguarda do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado, e constatou que o imóvel permanecia sem uso, sem manutenção e submetido a um contínuo processo de deterioração, que continuou se agravando até chegar ao atual estágio de arruinamento.
“A maior parte dessas obras e serviços foram em vão, tendo em vista que quase tudo foi perdido ou ficou sem uso, exceto a área de estacionamento na parte posterior do Conjunto que passou a ser utilizada pelo Centro de Convenções de Pernambuco”, constatou o TCE.
A Lei Estadual n. 7970/1979, que institui o tombamento de Bens pelo Estado de Pernambuco, determina que cabe à Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) “verificar, periodicamente, o estado dos bens tombados e fiscalizar as obras e serviços de conservação dos mesmos”.
O Conjunto Fabril da Tacaruna corresponde a um Patrimônio Cultural Estadual, com tombamento homologado em 1994.
Após a análise, o TCE resolveu pela abertura de uma medida cautelar, expedida pelo conselheiro Valdecir Pascoal no dia 23 de maio, e determinou que a Fundarpe direcione esforços com vista à interdição em caráter de urgência do Conjunto, além da realização de serviços emergenciais para estabilizar a estrutura do prédio.
Segundo o Tribunal, a medida visa “evitar um mal maior em relação ao que ainda resta das edificações daquele importante conjunto arquitetônico estadual”.
À época em que a cautelar foi expedida, a diretora-presidente da Fundarpe, Renata Duarte Borba, afirmou - por meio de ofício enviado ao TCE - que teve sua nomeação publicada no Diário Oficial do Estado em 18 de janeiro de 2023, e sua equipe só começou a ser nomeada no final daquele mês.
Desde então, o governo do Estado de Pernambuco, através de seu órgão de preservação, vem tratando do imóvel em pauta com muita cautela.
“A equipe [da Fundarpe], ainda em março deste ano, realizou vistoria na Fábrica Tacaruna e iniciou o processo de identificação de possíveis usos para o relevante equipamento. Nesse sentido, foi verificada a demanda, junto à Secretaria de Educação e Esportes (SEE), para elaboração de um projeto para o Centro de Formação para Profissionais de Educação, bem como uma Escola Técnica Estadual na área de Hotelaria e Gastronomia”, declarou a Fundação.
Ainda segundo o ofício, a SEE elaborou um programa de necessidades para serem contempladas no projeto e a Fundarpe está analisando a compatibilidade da proposta ao espaço físico do imóvel.
Com a abertura da medida, a Fundarpe teria 30 dias para enviar ao órgão um relatório com as medidas que pretende adotar para cumprir a cautelar. O prazo foi finalizado no último dia 23 de junho.
A reportagem entrou em contato com o Governo de Pernambuco para saber quais medidas foram estabelecidas para o Conjunto Tacaruna.
Em nota, a gestão estadual comunicou que está em fase de elaboração das diretrizes para o projeto de intervenção no imóvel e que os procedimentos necessários para viabilizar a limpeza e conservação do terreno do imóvel, a instalação de tapumes e o posto de vigilância já foram iniciados.
“A Fundarpe lamenta que o sistema construtivo original da Antiga Fábrica da Tacaruna, constituído de lajes mistas e vigas e colunas de ferro, um relevante exemplar do início do século XX, foi subtraído em quase sua totalidade durante o exercício do governo anterior”, finaliza.
Questionada se o projeto para tornar a Fábrica uma Escola Técnica Estadual na área de Hotelaria e Gastronomia ainda seria mantido, a Fundarpe não se manifestou.
O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) também determinou, no dia 8 de maio, a abertura de um inquérito civil público, com o objetivo de averiguar o abandono do imóvel.
Com o abandono do local, novas especulações sobre a transformação do espaço em empreendimento foram levantadas. De acordo com o professor de direito Bruno Xavier, especialista em direito imobiliário, o Conjunto Tacaruna, por ser tombado, não pode ser demolido descaracterizado.
"O tombamento existe para a preservação do Patrimônio Histórico Cultural. A construção relativa ao imóvel não pode ser derrubada. É preciso preservar toda a fachada. O tombamento impede a modificação, descaracterização ou a demolição estrutural do imóvel", afirma.
Após a Fábrica Tacaruna ser desativada, diversos projetos foram prometidos para o espaço. Em 2001, a gestão estadual anunciou a criação e instalação do Espaço Cultural Tacaruna, que teria como objetivo tornar-se ser um espaço voltado para exposições, local para teatro, dança, cinema, auditórios para palestras e apresentações musicais, com centro gastronômico, regional e livrarias especializadas em arte.
Já no período de 2003 a 2005, foram realizadas obras da primeira etapa da reforma da Fábrica Cultural Tacaruna, orçada em R$ 1,3 milhão. O projeto buscava recuperar o sistema de cobertura do prédio central.
Em junho de 2006, uma ordem de serviço foi assinada, pelo então Governador Mendonça Filho, no valor de R$ 4,9 milhões para as obras de urbanização e paisagismo da Fábrica Cultural Tacaruna.
Já em agosto de 2009, foi anunciada a transformação do espaço na Centro de Cidadania Padre Henrique, vinculado à Secretaria da Criança e da Juventude. O espaço chegou a receber shows de Ivete Sangalo e Belo, no evento "O maior show do mundo". No mesmo ano, houve a interrupção da realização de shows no espaço até a inauguração do Centro.
No mês de junho de 2012, o governo do estado publica um edital para nova reforma, orçada em R$ 20 milhões, e anuncia início das obras para o mês de agosto.
Por fim, em 2014, foi anunciado o projeto para transformação do espaço no Centro de Pesquisa, Desenvolvimento, Inovação e Engenharia Automotiva da Fiat Chrysler, o 4º no mundo.
O século XIX marcou um passo importante para o fortalecimento da produção do açúcar em Pernambuco. Mas foi no ano de 1890 que um imóvel histórico para o estado passou a ser construído: a Usina Beltrão.
O empreendimento seria considerado a primeira e mais moderna refinaria da América do Sul. Para a obra, a implementação de materiais que - até aquele momento - pouco ou nunca foram utilizados.
A exemplo do uso do concreto armado em um estabelecimento industrial; instalação de luz elétrica; criação de cooperativa com sistema de atendimento médico e construção de moradia para os funcionários e operários da usina; e sistema de água canalizada para a operação das máquinas.
As obras inovadoras foram concluídas em 1895 e a Usina Beltrão passou a funcionar no espaço, chamando atenção pela chaminé de 75 m de altura, que era considerada a mais alta da região.
A usina de açúcar pouco tempo depois fechou as portas e deixou o prédio inativo por 27 anos. Em 1925 passa a funcionar como indústria têxtil, a Fábrica Tacaruna, que funcionou até 1955.
No período de 1960 a 1963, a fábrica teria iniciado a produção de cobertores de luxo do tipo lã e sintético.
Já em em 1975, a fabricação de luxuosos produtos foi então substituída pela produção de cobertores vendidos a preços populares.
A fábrica foi desativada em 1982 e, posteriormente, entregue ao Banco Econômico, como pagamento de dívidas.
Em 1994 o espaço foi tombado como Patrimônio Histórico e Artístico pelo Governo estadual e, em 1996, foi declarado de utilidade pública para fins de desapropriação.