Atletas se despedem da pista de bicicross do Parque da Jaqueira e lamentam falta de incentivo e diálogo do poder público
De acordo com a Viva Parques do Brasil, decisão veio a partir de um levantamento que indicou que apenas 7% dos usuários do parque utilizavam o espaço

“Vamos fazer uma nova história e novas vidas. Eu tenho paciência para isso”. Dessa forma, o professor e amante de BMX, Gilmar Batista, começa a se despedir da pista de bicicross do Parque da Jaqueira.
Dos seus 60 anos de idade, 40 foram dedicados à pista da Jaqueira e à equipe criada no espaço, a BMX 300. Ele conta que o esporte é “um ministério de vidas. Na vida desses meninos é um recomeço, uma vontade de viver”.
Desde o dia 10 de março de 2025, o Parque da Jaqueira, assim como o Santana e o Apipucos, na Zona Norte do Recife, e o Dona Lindu, na Zona Sul, passaram a ser geridos e operados pela Viva Parques do Brasil.
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A concessionária venceu a licitação da Prefeitura do Recife e será responsável pela manutenção dos espaços durante 30 anos. Nos dois primeiros anos, os novos projetos devem ser entregues para a população.
Dentre as mudanças propostas no projeto da Viva Parques do Brasil, está a demolição da pista de bicicross onde Gilmar desenvolve seu trabalho.
Uma nova, de pump track, será construída. De acordo com a concessionária, a decisão veio a partir de um levantamento que indicou que apenas 7% dos usuários do parque utilizavam o espaço.

A Prefeitura do Recife não enviou nota a respeito do caso. A gestão segue sendo responsável por fiscalizar os serviços da empresa pois, diferente da privatização, em um contrato de concessão a titularidade do equipamento não é transferida para o ente privado.
BMX, ou bicicross, é um esporte de ciclismo praticado com bicicletas especiais em pistas específicas, com rampas e curvas. Já a pista de pump track, outra modalidade de ciclismo, que trabalha com impulsos do corpo sem utilizar a pedalada para o deslocamento, é menor e tem menos obstáculos.
Todos os dias, cerca de 30 crianças e adolescentes participam dos treinos no Parque da Jaqueira. A maioria mora no entorno, em bairros como Alto José do Pinho, Vasco da Gama, Morro da Conceição e Casa Amarela.
Vamos fazer uma nova história e novas vidas. Eu tenho paciência para issoGilmar Batista, 60 anos
O instrutor conta que compra as bicicletas com o seu salário para dar as aulas. “Eu compro e fico pagando com o meu salário fiado: dou 200 reais, depois mais 100…”, afirma. De acordo com Gilmar, a concessionária deve ofertar novas bicicletas e equipamentos de segurança para os alunos, como luvas, capacetes e joelheiras.
“Perda irreparável”

Conhecido como Tarta, Diego Melo, de 35 anos, lamenta a falta de reconhecimento do trabalho de Gilmar ao longo das últimas décadas. Para ele, a demolição da pista ao invés do incentivo ao esporte atesta uma “perda irreparável não só pelo esporte, como pela identidade do parque, aliado aos 40 anos de trabalho social”.
Aos 15 anos de idade, Tarta começou a pedalar, com aulas de Gilmar. Do Alto José Bonifácio, descia todos os dias para treinar e, quando se sentiu “abraçado”, como conta, passou a pedalar o dia inteiro.
“Chegava na pista de meio-dia, ia em casa almoçar e voltava. Só ia para casa na hora do jantar. Eu tenho orgulho de fazer parte dos caminhos me direcionarem para esse lugar. Me tornei um cidadão a partir desse homem, a partir desse espaço. Se não tivesse esse espaço, onde eu estaria?”, questiona.
Me tornei um cidadão a partir desse homem, a partir desse espaçoTarta, 35 anos
Falta de incentivo

De acordo com Diego Melo, a pista de bicicross do Parque da Jaqueira nunca teve incentivo do poder público. “O que teve, a gente considera como migalhas que não são de fato um apoio ou um incentivo para o esporte”, afirma.
O sentimento é compartilhado por Tiago Levy, 38 anos. Campeão pernambucano nos anos de 2020 a 2022 e da etapa Nordeste em 2021 em sua categoria, ele relembra os processos de requalificação do equipamento.
“Tudo o que você está vendo aí, com exceção do asfalto, foi a gente que adquiriu com dinheiro próprio e nada disso foi levado em consideração na hora de destruir”, pontua.
Tudo o que você está vendo aí, com exceção do asfalto, foi a gente que adquiriu com dinheiro próprioTiago Levy, 38 anos
Ele conta que a pista da Jaqueira traz “boas recordações da infância” e que é um trabalho de inicialização no esporte. De acordo com Tiago, todos os atletas pernambucanos que treinam e competem atualmente iniciaram no espaço.
A paixão do atleta perpassa gerações: seus filhos, de 6 e 18 anos, também treinam no Parque da Jaqueira. Lá, assim como as outras crianças, Gilmar realiza um trabalho que vai além do esporte: existe acompanhamento na escola e junto à família para garantir um compromisso integrado.

“Depois que ver essa bomba, o coração está mal e a saúde está debilitada. Uns estão querendo desistir do bicicross e outros vão dar um tempo”, lamenta Gilmar.
“Esse espaço, além de promover o esporte, dá perspectiva de vida e disciplina porque você se sente um atleta, se sente pertencente”, conta Tarta.
Vamos fazer uma nova história e novas vidas. Eu tenho paciência para isso
Gilmar Batista, 60 anosMe tornei um cidadão a partir desse homem, a partir desse espaço
Tarta, 35 anosTudo o que você está vendo aí, com exceção do asfalto, foi a gente que adquiriu com dinheiro próprio
Tiago Levy, 38 anos