O pedido de demissão do agora ex-ministro da Justiça Sergio Moro caiu como uma bomba nos meios jurídico e político nesta sexta-feira (24). A confirmação do afastamento do ex-juiz, por si só, já era aguardada desde a quinta, quando a exoneração do diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, sem o aval do ministro foi dada como certa. A grande novidade foram as declarações de Moro durante seu último pronunciamento enquanto membro do governo, que apontaram para a possibilidade do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ter cometido crimes após ter assumido a chefia do Executivo nacional.
Ao justificar seu pedido de demissão, Moro afirmou não concordar com atitudes do presidente, que, segundo ele, estaria tentando interferir politicamente na PF ao não justificar a substituição de Valeixo e outras mudanças no comando do órgão. Em entrevista à GloboNews, o presidente nacional a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, disse estar preocupado com as declarações e que a entidade analisará, com base no que o ex-juiz disse, se Bolsonaro cometeu crime de responsabilidade. “Tudo é muito grave. A interferência na (Polícia) Federal, reconhecida por Moro, não ocorreu nem no auge da Lava-Jato. Claramente, por negar ao presidente acesso à informação de investigações que o próprio Bolsonaro tinha interesse, o diretor-geral foi substituído”, cravou Santa Cruz.
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Presidente da OAB-PE, Bruno Baptista foi cauteloso aos comentar o pronunciamento de Moro. Ele classificou a denúncia do ex-ministro como “grave” e ressaltou ser necessário verificar se o presidente teria cometido crime de responsabilidade. “Realmente, o conteúdo das declarações foram muito graves. A OAB Nacional vai analisar o inteiro teor do pronunciamento e verificar se há crime de responsabilidade fiscal. Tem que se apurar tudo. Não pode haver ninguém que não seja submetido à lei”, pontuou.
Chefe da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, o procurador Deltan Dallagnol classificou como “gravíssima” a informação de que o presidente estaria tentando interferir em investigações da PF. “O combate à corrupção exige investigações técnicas, que possam ser conduzidas sem pressões externas. A escolha de dirigentes da PF deve ser voltada para fortalecer o combate à corrupção, ao crime organizado e a outros crimes”, escreveu Dallagnol em seu perfil no Facebook.
Na avaliação do professor de direito constitucional da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), Marcelo Labanca, é possível que as acusações feitas por Moro contra Bolsonaro possam ser interpretadas como crime de responsabilidade, o que poderia justificar um processo de impeachment contra o militar da reserva. "As acusações todas (de Moro) se centram na vontade do presidente interferir politicamente em processos de investigação.A Constituição estabelece que a supervisão e controle da atividade policial é o Ministério Público quem faz, isso exclui o presidente e os governadores (no caso das polícias estaduais) da possibilidade de interferir em processos de investigação. Então eu acho que, juridicamente, isso pode ser considerado um eventualcrime de responsabilidade, mas vai depender de processo, coleta de provas, também temos que dar um direito do contraditório ao presidente. Se caracterizarem como verdadeiras as observações de Moro, eu acho que o presidente está em uma situação muito complicada", detalhou Labanca.
Um dos autores do processo de impeachment que o PDT protocolou nesta semana na Câmara dos Deputados, o advogado Walber Agra diz que há indícios do cometimento de crimes não só por Bolsonaro, mas por Moro também. “O ex-ministro Sergio Moro narra que havia interferência do presidente desde outubro. No momento em que ele é condescendente com essa interferência, em que ele não a divulga, ele, no mínimo, cometeu o crime de prevaricação”, argumentou.
Professora de direito da UniBrasil, Ana Cláudia Santano lança luz sobre outra possível irregularidade cometida por Moro, condicionar sua entrada no governo a uma pensão em caso de morte. De acordo com o ex-ministro, ao ser convidado por Bolsonaro a assumir a pasta da Justiça, ele pediu ao presidente que garantisse à sua família uma pensão caso ele viesse a sofrer algum tipo de atentado por ocupar o cargo. “O Moro confessou que negociou uma futura pensão mesmo sem tempo de contribuição. Com isso, ele demonstra que os esforços da falácia da reforma da Previdência não estão sendo feitos por todos os lados, e que entrou, inclusive, para uma negociação de cargos de comissão. Significa que isso já possa ter acontecido, e não deve acontecer. Aqui eu acho, sem absolver ninguém, que os dois devem ser expostos politicamente. Esse ponto é um absurdo”, opinou a advogada.
Fernando Araneo, advogado criminalista, afirmou que as declarações de Moro foram "irresponsáveis" e tinam ar de "retaliação". "Eu achei que o ex-ministro foi completamente irresponsável em dar essas declarações em um momento como esse. Me pareceu mais uma retaliação à saída dele do que um desabafo. Um momento inoportuno para fazer esse tipo de acusação e ainda mais sem provas, sem apresentar nenhuma prova", disparou o jurista.