“Desde a campanha, Bolsonaro disse rejeitar essa forma de relacionamento com a bancada. Ele até tentou incutir que há algo errado nisso, quando é absolutamente normal o presidente da República negociar o apoio político com várias frentes por causa do elevado número de partidos representados no Congresso Nacional. O problema não é o mecanismo de participação, mas a moeda de troca”, explica o professor da FGV Direito do Rio e especialista em Ciência Política Michael Mohallen.
“A grande questão dessa aproximação é a moeda de troca. Bolsonaro criticou dizendo que isso seria um sintoma automático de corrupção, mas não é bem assim. Os deputados foram eleitos assim como ele”, argumenta o cientista político e professor do Insper, Leandro Consentino. Para ele, há problema quando essa aproximação acontece para o presidente buscar se blindar de alguma investigação sobre ele ou os seus filhos. “Me parece mais que está ocorrendo essa segunda hipótese”, conta. Nas duas últimas semanas, aumentaram os pedidos de instauração de processos que podem resultar no impeachment de Bolsonaro, caso sejam aceitos pela Câmara dos Deputados.
Os três cientistas políticos entrevistados e mais dois parlamentares concordam em um ponto: a aproximação com o Centrão ocorreu como forma de diminuir o isolamento político do presidente. O processo de impedimento precisa de 342 votos de um universo de 513 parlamentares para ser instaurado na Câmara dos Deputados. “Agora que o presidente se viu acuado com o risco de impeachment, enfraquecido politicamente, e talvez com uma perda de popularidade – que é o que vamos ver se ocorreu nas próximas semanas – ele recuperou essa forma tão tradicional de fazer política que ele rejeitava”, diz Mohallen.
Em um mês e meio, o isolamento político do presidente ficou maior por, pelo menos, três motivos. Primeiro, a forma como ele tratou a pandemia do novo coronavírus, que chegou a chamar de “uma gripezinha”, provocando afastamento de antigos aliados, como o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM). Segundo, a demissão do ex-ministro da Saúde, Henrique Mandetta, que estava com a aprovação em alta pela população. E, por último, a demissão do ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, um importante pilar da atual gestão. “Moro saiu fazendo denúncias gravíssimas. O presidente tem conflitos abertos com os governadores e até a mal querência do Supremo Tribunal Federal (STF)”, resume o cientista político e professor da Faculdade Damas, Elton Gomes.
Ele também acrescenta que o presidente tem uma personalidade peculiar e que, em vários países que vivem numa democracia avançada, os partidos políticos estão dando uma trégua até passar a crise sanitária provocada pelo coronavírus. No Brasil, desde que os casos começaram a crescer, a crise política só aumentou.
Na semana passada, o presidente Bolsonaro mostrou aproximação até com uma figura que andava esquecida, o ex-deputado federal Roberto Jefferson (PTB), pivô de um dos maiores escândalos da política brasileira, o mensalão, um esquema de compra de votos de parlamentares que balançou o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). “Essa aproximação com Roberto Jefferson surpreende menos, porque eles já foram do mesmo partido. É um antigo aliado de Bolsonaro”, diz, Mohallen, argumentando que o presidente, assim como Jefferson, “também pratica o fisiologismo”. Ele argumenta que resta saber como os seguidores de Bolsonaro vão lidar com essa aproximação do presidente com parlamentares ligados à “velha política”.
A aproximação com o Centrão também chama a atenção para outra questão que divide os especialistas: é possível fazer uma nova política no Brasil? “Não é possível. Tem que se negociar com os atores que estão ali. É preciso que as pessoas entendam que o problema não é o sistema político, mas a forma displicente de como uma parte da população elege os seus representantes”, observa Leandro Consentino.
Mais otimista, Mohallen argumenta que política com menos fisiologismo já está a caminho. “É possível fazer uma nova política sem essa moeda de troca, mas isso é um processo que demanda tempo. É preciso reconhecer que Bolsonaro tentou montar uma estratégia nova com o Parlamento no primeiro ano do governo.
A longo prazo, a cláusula de desempenho vai trazer isso. Por causa dela, a estimativa é de que tenhamos oito a 10 partidos com representação no Congresso Nacional em 2030. Vai ser mais fácil se relacionar com uma quantidade menor de partidos”.
O que está em jogo nessa aproximação é a nomeação de políticos que vão estar à frente de, pelo menos, seis órgãos públicos e autarquias, além de diretorias nos ministérios da Saúde. Esses postos podem aumentar a influência desses políticos. Por exemplo, no Nordeste, a lista dos órgãos que podem ser ocupados por indicações políticas do Centrão inclui o Departamento Nacional de Obras contra a Seca (DNOCS), a direção do Banco do Nordeste (BNB), da Companhia dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), entre outros. Um levantamento feito com base no Siga Brasil indica que esses órgãos a serem ocupados pelo Centrão terão um orçamento previsto de R$ 68 bilhões em 2020 e R$ 10,6 bilhões livres para investimento.
No entanto, no meio político, essa aproximação também é criticada. “É uma grande contradição. Nas redes sociais Bolsonaro sempre criticou o Centrão, dizendo que ia fazer a nova política. E agora, o Centrão vai ser uma das suas bases políticas”, diz o deputado federal e ex-vice-governador de Pernambuco, Raul Henry (MDB).
Para o deputado federal Danilo Cabral (PSB), essa aproximação “é o abraço da morte, representando a prática da velha política e da patifaria que ele disse, há poucos dias, que não praticava. Ele traiu aqueles que se iludiram que ele poderia representar o novo”.