Empresa que firmou contratos de R$ 81 milhões com a Prefeitura do Recife tinha faxineira como sócia, diz PF

Quando a Polícia Federal chegou na casa da faxineira, ela confessou ter assinado um documento por ordem se seu empregador
Angela Fernanda Belfort
Publicado em 16/06/2020 às 12:49
Coletiva de imprensa na sede da Polícia Federal, no Recife Foto: TV Jornal


Em coletiva de imprensa realizada na manhã desta terça-feira (16), a Polícia Federal detalhou a Operação Antídoto, deflagrada para investigar contratações emergenciais realizadas pela Secretaria de Saúde da Prefeitura do Recife em favor da empresa FBS Saúde Brasil Comércio de Materiais Médicos Eireli no enfrentamento à pandemia do novo coronavírus (covid-19). Segundo a PF, uma das sócias iniciais da empresa, que firmou contratos na ordem de  R$ 81,1 milhões em equipamentos hospitalares com a Prefeitura do Recife, era uma faxineira moradora de um bairro da periferia na Zona Norte da capital. Quando policiais federais chegaram no endereço da faxineira, ela confessou que assinou um documento a pedido de seu empregador, que não teve o nome divulgado. Atualmente ela não consta mais como sócia da FBS Saúde.

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De acordo com o Ministério Público Federal, as apurações apontaram possíveis irregularidades em dispensas de licitação promovidas pela Secretaria de Saúde do Recife e vinculadas ao plano de combate à pandemia, com verbas do Sistema Único de Saúde. A prefeitura teria feito a contratação de R$ 81,1 milhões em equipamentos hospitalares da FBS Saúde Brasil em 14 contratos realizados com dispensa de licitação. Chamou a atenção o fato de a empresa ter um capital social de R$ 100 mil e apenas um funcionário registrado, Gustavo Sales Afonso de Melo, embora as apurações indiquem outras pessoas como reais proprietários.

Nervosa, assim que a reportagem do Jornal do Commercio chegou à sua casa, na tarde desta terça-feira, a doméstica Josefa Maria da Conceição disse logo que não tinha nada a declarar. Perguntada se era sócia de alguma empresa, negou. Visivelmente aperreada com toda a situação, ela disse ser doméstica. "Nunca fui sócia e não conheço esse nome (Gustavo Sales)".Ao contextualizar a história e explicar o que havia acontecido para perguntar sobre o envolvimento, ainda antes da reportagem do JC terminar a frase, a doméstica respondeu, assustada: “Não, não. Já está resolvendo. É porque é uma história meio complicada. Deixa resolver lá. Mas, por enquanto, eu não vou falar nada”, afirmou, sem explicar a complicação da história.

As investigações contra a FBS se iniciaram com uma suspeita da Controladoria Geral da União. Segundo a Polícia Federal, está sendo investigados se ocorreram crimes como dispensa indevida de licitação, peculato (que é o desvio de recursos públicos) e falsidade ideológica (que seria o uso de laranjas, falsos sócios da empresa). Na operação Antídoto, foram realizados oito mandados de busca e apreensão.

O nome de Josefa Maria da Conceição consta como primeira prova indiciária no processo da PF por consistir no pedido de alteração do endereço da empresa, protocolado na Junta Comercial de Pernambuco (Jucepe), em 13 de julho de 2017. “Por Josefa Maria da Conceição, a administradora à época da criação da FBS SAÚDE BRASIL’”, diz trecho do processo ao qual o JC teve acesso. À reportagem, ela disse não ter conhecimento de ter assinado documento referente à alguma empresa, mas disse lembrar de ter assinado um documento “aleatório”. “Também não sei como se deu esse processo”.

A doméstica também falou que “o menino que eu trabalhava” está resolvendo a situação, sempre ressaltando não poder falar nada por enquanto. “Foi com ele que resolveu isso aí, e eu vou esperar ele resolver. Por enquanto, não posso dizer nada, até porque eu não estava sabendo de nada também. O menino ficou tão surpreso quanto eu, hoje (ontem). Estão resolvendo, usaram o meu nome e o dele e ele está resolvendo”. Ao responder quem foi o “menino” que “está resolvendo”, Josefa completou: “O rapaz que fez isso não foi Gustavo, foi Filipe”.

No inquérito, consta o nome de Filipe Bezerra Figueiredo, que segundo a PF seria sócio da FBS Refeições e Lanches LTDA, BLB Avante Atividades de Condicionamento Físico Eireli, outrora denominada FBS Fitness Eireli EPP. Ele foi um dos alvos da operação desta terça, e teve a quebra de sigilos fiscal e bancário autorizados pelo juiz federal Cesar Arthur Cavalcanti de Carvalho.

Para a PF, ele e sua esposa – Bárbara Stanford Vieira de Vasconcelos Cavalcanti Brandão, também alvo da Operação Antídoto – foram padrinhos de casamento de Gustavo Melo e seriam os verdadeiros sócios da empresa. O mandado de busca e apreensão de Filipe e Bárbara foram em um apartamento no bairro de Apipucos, Zona Norte do Recife.

Além de Filipe Figueiredo e Bárbara Brandão, também constaria o nome de Sérgio Maia de Farias Filho, completando o “possível acrônimo” FBS (Filipe, Bárbara e Sérgio). As investigações apontam que Sérgio seria sócio de Filipe em outras duas empresas.

CASA DE PAPEL

Também na manhã, desta terça-feira (16), a Polícia Federal realizou a operação Casa de Papel que apura supostas irregularidades ligadas a empresa AJS Comércio e Representações Ltda. Essa empresa fechou contratos para fornecimentos de materiais hospitalares as seguintes prefeituras com os respectivos valores dos contratos assinados: do Recife, no valor de R$ 7,5 milhões, do Cabo de Santo Agostinho (R$ 600 mil), de Olinda (R$ 600 mil), Paulista (R$ 44 mil). Também estão na lista de suspeitas as prefeituras de Jaboatão dos Guararapes e Primavera que entraram posteriormente nessa investigação.

O nome Casa de Papel é porque a empresa é do ramo gráfico. De acordo com a delegada de Combate à Corrupção, Andrea Pinho, a empresa é de fachada, ou seja existe, mas não tem estrutura nem capacidade operacional para os contratos milionários que conseguiu fechar. A PF também suspeita que se o seu quadro societário seja formado por laranjas, pois não moram em locais simples, não tem passaportes, ocorrendo um descompasso com o capital social que a empresa apresenta no valor de R$ 5 milhões.  

Dispensa de licitação

Também foi constatado que, pelo menos, nove contratos firmados com a FBS Saúde já foram cancelados ou excluídos pela Prefeitura do Recife em razão de possíveis irregularidades. “Diante de tais provas de materialidade delitiva e indícios de autoria, julgo plausível juridicamente a suspeita de fraudes em dispensas licitatórias e inexecuções contratuais por empresa de ‘fachada’ constituída sucessivamente em nome de ‘laranja’, hipótese digna de aprofundamento das investigações”, considerou a Justiça Federal na decisão que autorizou a deflagração da Operação Antídoto.

Os crimes investigados são de falsidade ideológica, peculato e dispensa indevida de licitação, sem prejuízo de outros que possam surgir no decorrer da apuração. Além da expedição dos mandados de busca e apreensão, a Justiça também determinou a quebra dos sigilos bancário e fiscal dos possíveis envolvidos no caso da contratação da FBS Saúde Brasil.

Em nota, a Prefeitura do Recife informou que as compras às empresas Saúde Brasil e AJS Comércio e Representações foram realizadas "cumprindo todas as exigências da Lei 13.979/2020".

A PCR também explicou que todos os processos dessas empresas foram enviados anteriormente por "iniciativa da Prefeitura" ao Tribunal de Contas, Ministério Público Federal e, por solicitação, à Polícia Civil.

"Os preços estão de acordo com os praticados no mercado e toda documentação exigida pela lei foi apresentada. Todos os materiais comprados já foram recebidos e estão em uso nas unidades de saúde da emergência da COVID-19. O valor total das compras realizadas e recebidas foi de R$ 7,5 milhões da empresa AJS e R$ 15,5 milhões da empresa Saúde Brasil.", dizia a nota.

Veja nota na íntegra

A Prefeitura do Recife informa que as compras às empresas Saúde Brasil e AJS Comércio e Representações foram realizadas cumprindo todas as exigências da Lei 13.979/2020. Todos os processos dessas empresas foram enviados anteriormente por iniciativa da Prefeitura ao Tribunal de Contas, Ministério Público Federal e, por solicitação, à Polícia Civil.

Os preços estão de acordo com os praticados no mercado e toda documentação exigida pela lei foi apresentada. Todos os materiais comprados já foram recebidos e estão em uso nas unidades de saúde da emergência da COVID-19. O valor total das compras realizadas e recebidas foi de R$ 7,5 milhões da empresa AJS e R$ 15,5 milhões da empresa Saúde Brasil. A Prefeitura continua à disposição de todos os órgãos de controle para esclarecer o que for necessário e reafirma que todos os processos cumpriram as exigências legais.

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