Pela primeira vez desde que o PSOL foi fundado, em 2004, o partido apoiará uma candidatura do PT à Prefeitura do Recife no primeiro turno. E mais do que isso, de acordo com o presidente nacional da legenda, Juliano Medeiros, a sigla deve indicar o candidato a vice da deputada federal Marília Arraes (PT). Ao contrário do que defendem os diretórios nacional, estadual e municipal do PT, contudo, Juliano contou que a chapa fará, sim, oposição ao governo Geraldo Julio (PSB), fato que inclusive teria sido uma das razões pelas quais a agremiação decidiu abraçar o projeto da petista. Ao JC, o dirigente ainda detalhou os desafios de crescimento do partido no Nordeste e defendeu a saída do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) do poder para “vencer a pandemia e devolver o Brasil à normalidade”.
JORNAL DO COMMERCIO - O senhor lançou uma nota oficializando o apoio do partido à candidatura da deputada federal Marília Arraes (PT) à Prefeitura do Recife na última semana. O que levou o partido a desistir de uma candidatura própria e tomar essa decisão?
JULIANO MEDEIROS - O que nos levou a decidir pelo apoio no âmbito do Diretório Municipal do Recife foi, antes de mais nada, compor uma aliança com partidos de oposição ao governo Bolsonaro. Há outros partidos de oposição que compõem o governo municipal, mas esse governo também inclui partidos do Centrão, da centro-direita, o que tornou impossível qualquer tipo de diálogo com essas siglas, restando para fazer esse diálogo o PT, o PCB e a UP, que são os partidos de oposição a Bolsonaro que não estão no governo junto com o PSB e com os partidos da velha direita do Recife. Além disso, estamos trabalhando em uma perspectiva de compor a chapa junto com a Marília, o debate no partido está apontando para a indicação do nosso companheiro Severino Alves, que é o presidente estadual do PSOL de Pernambuco. Pelo que me consta ele é o nome que o partido deve indicar para compor a chapa de vice junto com a Marília e a nossa expectativa é que, inclusive, ela dê uma sinalização em breve nesse sentido. Sei que há o diálogo dela com outros partidos para a composição da aliança, mas para a chapa majoritária a tendência é essa, então estamos esperando esse gesto dela nos próximos dias sinalizando a formação da chapa com o PSOL na vice. Havia, por parte de alguns filiados, o questionamento quanto à decisão, eles entendiam que o partido deveria ter candidatura própria, mas o Diretório Nacional decidiu respeitar a decisão do Diretório do Recife, até porque qualquer decisão contrária significaria uma intervenção na instância municipal e não há nenhuma razão para isso, não houve nenhum tipo de procedimento inadequado por parte do Diretório do Recife, então a decisão é legítima e vai ser levada à frente. A decisão do partido é esta, está tomada e nós apenas ratificamos essa decisão no Diretório Nacional.
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JC - O ex-deputado federal Paulo Rubem Santiago, que era pré-candidato do PSOL e teve a postulação rifada em prol do apoio do partido à candidatura de Marília, argumenta que existe um conflito na aliança com os petistas no Recife. Segundo ele, na nota lançada para oficializar a união, o senhor fala na “formação de uma frente de oposição ao governo municipal e ao Bolsonarismo em Pernambuco”, enquanto o PT, em resolução do Diretório Nacional, disse que não faria oposição ao PSB. O senhor enxerga esse conflito? Ainda há margem para reversão dessa decisão?
MEDEIROS - Sobre as decisões do PT eu não respondo, quem responde são os dirigentes do PT. Agora é óbvio que se a Marília Arraes representasse uma candidatura do governo, o PSOL não estaria junto com ela e o PT não teria candidatura própria, apoiaria o João Campos (PSB). Me parece evidente que a candidatura da Marília é uma candidatura de oposição e, apenas por essa razão, nós estamos em diálogo com ela. Se fosse uma candidatura para marcar posição ou para fazer algum jogo combinado com o governo do PSB nós não estaríamos apoiando ela. Então essa percepção do deputado Paulo Rubem, no nosso ponto de vista, não faz sentido. Quanto à decisão, não há mais nenhuma instância recursal, o Diretório Nacional é a última instância de recurso a qualquer decisão tomada pelas instâncias partidárias inferiores, então o debate está encerrado no PSOL, a decisão do partido é apoiar a Marília com a indicação do Severino Alves como vice.
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JC - Atualmente o PSOL possui apenas um vereador na Câmara do Recife e o mandato coletivo Juntas na Assembleia Legislativa de Pernambuco, mesmo tendo ficado em terceiro lugar nas eleições de 2018, com Dani Portela. Em uma região que tradicionalmente elege candidatos de esquerda, quais as dificuldades que o PSOL encontra para crescer no Nordeste e, mais especificamente, em Pernambuco?
MEDEIROS - Em 2018, o PSOL foi o partido que mais cresceu no Brasil. A gente dobrou a nossa bancada de deputados federais e de deputados estaduais, temos um partido que está em ascensão na esquerda brasileira. Essa ascensão, sem dúvidas, vai se expressar na eleição de 2020, com a vitória de mais vereadores e prefeitos em todo o País. Agora, evidentemente, a consolidação do nosso projeto partidário é desigual pelo País. Se nós verificarmos, por exemplo, o peso que o PSOL tem na região Sudeste, mais especificamente no Rio de Janeiro e em São Paulo, vamos perceber uma legenda muito mais implantada. Em algumas regiões do Nordeste também há um bom nível de consolidação, como no Ceará e na Bahia, e mesmo em Pernambuco há um processo de crescimento. Nós não tínhamos mandato de vereador no Recife, esse é o primeiro mandato que nós temos. Tínhamos o mandato do Edilson Silva e manter esse mandato na Assembleia Legislativa foi bastante difícil. Nós não temos as condições que outros partidos tradicionais dispõem, nós não aceitamos financiamento de grandes empresários, temos acesso ao fundo partidário com um valor muito menor do que o dos demais partidos e somos uma sigla militante, que não compra voto, que não participa do jogo da velha política. Então claro que isso gera dificuldades não só em Pernambuco, mas em todo o País. Mas a nossa expectativa é muito boa. A gente tem acompanhado o trabalho da direção do PSOL no Recife e em Pernambuco e estamos vendo o partido se fortalecendo bastante. Eu acho que a tendência é que a gente cresça muito nessas eleições. É claro que o PT e o lulismo, como fenômeno político-eleitoral, ainda têm muita força no Nordeste e esse também é um fator que de alguma forma retarda um pouco o nosso crescimento nessa região do País, mas eu não tenho dúvidas de que o PSOL vai se tornando pouco a pouco, também no Nordeste e no Norte, onde a gente já elegeu prefeitos, deputados federais e estaduais, uma espécie de escoadouro de quem está procurando uma esquerda renovada, combativa, radical, ética. Ele vai se tornando essa referência e ocupando esse lugar que era ocupado, anos atrás, pelo próprio PT. Esse é um patrimônio do qual a gente se orgulha muito e espera que se expresse esse ano nas eleições de vereadores também.
JC - Qual sua avaliação sobre o papel da esquerda no Brasil de hoje? Muitas siglas estão unidas em movimentos contra o governo Bolsonaro, mas o senhor crê na união desses partidos para além da oposição ao presidente? Numa campanha eleitoral, por exemplo?
MEDEIROS - Há dois fenômenos principais que eu acho importante destacar ao responder essa pergunta. O primeiro é essa unidade política entre os partidos de oposição. Nós estamos trabalhando juntos para enfrentar o governo Bolsonaro, garantir políticas de proteção à vida, garantir políticas de proteção ao emprego e retomada da economia, então há uma ação coordenada da oposição. Isso é muito positivo para o País e é um momento superior ao que nós vivemos, por exemplo, há dois anos, quando toda a oposição estava dividida no processo eleitoral e começou o governo Bolsonaro bastante dividida. Agora se isso vai gerar um grau de unidade política para que possamos falar de um projeto em comum em 2022, eu acho que é cedo para dizer. Mas a tendência maior é de que a gente consolide pelo menos dois ou três projetos no campo da oposição, distintos entre si. Temos um grupo de partidos que busca um diálogo preferencial com a centro-direita, o chamado Centrão, temos o PT, que busca preservar o seu legado dos 13 anos dos governos de Lula e Dilma, e nós temos o PSOL, que busca construir uma nova esquerda, mais militante, renovada, combativa. Eu acho que a tendência é que esses partidos disputem a hegemonia da esquerda de forma saudável, respeitosa. A segunda característica desse momento que eu acho importante destacar é o fato de que a esquerda, na luta contra o governo Bolsonaro e em defesa da vida, no contexto da pandemia, voltou a se credenciar como um ator importante no debate político do País. Aquele processo de demonização que nós vimos em 2018 perdeu força e a esquerda, ao defender o auxílio emergencial, as políticas de proteção ao pequeno e ao microempresário e as políticas de proteção aos mais vulneráveis, voltou a se credenciar junto à população mais pobre como uma força política que luta em favor dos seus interesses. Então eu acho que a esquerda vem mais forte para a eleição do que viria, caso não houvesse essa tragédia que foi a pandemia do coronavírus no Brasil.
JC - O Brasil infelizmente atingiu a marca dos 100 mil mortos pela covid-19 e, muito pela condução que o presidente vem dando ao combate à pandemia, cerca de 50 pedidos de impeachment contra ele já foram protocolados na Câmara dos Deputados. O PSOL é um dos apoiadores do afastamento do presidente, mas ainda há muita resistência quanto a isso, como a do deputado federal Rodrigo Maia. Porque, na visão do PSOL, a manutenção de Bolsonaro no poder tornou-se insustentável?
MEDEIROS - O PSOL passou quase um ano e meio fazendo oposição ao governo Bolsonaro, mas sem entrar com pedido de impeachment contra ele. Nós reconhecíamos a legitimidade do governo, embora fizéssemos oposição frontal a ele. Então por que o PSOL, no meio da pandemia, resolve finalmente entrar com o pedido de impeachment contra o governo e diz que ele não pode continuar? Porque diante da emergência que se colocou no País, com milhares de mortes e milhões de desempregados, Bolsonaro se tornou o principal aliado da pandemia. Ele não combate a pandemia, ao contrário, ele estimula políticas e iniciativa que têm como finalidade enfraquecer medidas de combate à pandemia. Ao não liberar crédito aos micro e pequenos empreendedores, provocando uma quebradeira geral desses pequenos comerciantes, empresários; ao manter 10 milhões de brasileiras e brasileiros na fila, esperando o auxílio emergencial, à mercê da inanição, da fome, do desespero; ao combater políticas de isolamento social e menosprezar a gravidade da crise que nós vivemos; ao fazer propaganda de um medicamento que comprovadamente não tem nenhuma eficácia contra a covid-19, essa série de ações por parte do governo Bolsonaro para o PSOL são ilustrativas de que o governo se tornou o principal aliado da pandemia e que cada dia mais que o Bolsonaro segue no poder é um dia a menos que nós temos para vencer a pandemia e tentar devolver o Brasil à normalidade. É preciso tirar Bolsonaro para tentar devolver o Brasil aos trilhos o mais rápido possível, porque Bolsonaro se tornou parte do problema e não da solução. Nós aderimos ao pedido de impeachment, um pedido feito por sete ou oito partidos de oposição e mais de 400 entidades da sociedade civil. É o pedido mais expressivo entre os 50 entregues ao Congresso e a gente espera que o Rodrigo Maia tome uma atitude. A sua postura até aqui foi de leniência, foi de cumplicidade com o que está acontecendo, embora se diferenciando, criticando o governo várias vezes, mas não assumindo a sua responsabilidade de instalar o processo de impeachment. Ora, o Rodrigo Maia não decide se o Bolsonaro sai do poder ou não. Ele deveria instalar o processo para que a maioria dos deputados dissesse se ele deve ou não continuar no governo. E sequer isso o Rodrigo Maia faz, servindo, portanto, de anteparo ao governo, de proteção ao governo, o que é muito grave.
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JC - Mas se o Bolsonaro sair, quem assume é o vice, o general Hamilton Mourão (PRTB). Isso assusta o partido?
MEDEIROS - Neste momento o PSOL acha que melhor saída seria a cassação da chapa Bolsonaro e Mourão pelos inúmeros crimes que cometeram no período da eleição. Os crimes estão pra lá de comprovados, são delitos eleitorais que vão desde o financiamento irregular de campanha, até o disparo de mentiras e ataques a adversários em massa, passando, mais recentemente, ao acesso à informação privilegiada da Polícia Federal, segundo as denúncias do Paulo Marinho, que disse que o então candidato Bolsonaro teria sido informado de uma operação da PF contra o seu filho (Flávio Bolsonaro) no caso do (Fabrício) Queiroz. Então os crimes contra a chapa Bolsonaro/Mourão estão comprovados, por isso o PSOL também tem um pedido de cassação da chapa tramitando no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Aliás, o atual pedido de cassação que está em análise é do PSOL e da Rede Sustentabilidade. Então, essa para nós seria a melhor saída, porque se isso fosse feito até dezembro, nós teríamos novas eleições e o povo brasileiro poderia escolher soberanamente o seu presidente de forma democrática, sem fake news, sem crimes. Mas também não seria uma má saída o impeachment porque, mesmo com a posse do Mourão, seria um sinal claro do Congresso e da sociedade que a agenda bolsonarista não pode continuar. Se o Mourão continuasse seguindo essa agenda absurda, irresponsável, assassina, mais cedo ou mais tarde também acabaria sendo vítima de um impeachment.