'Além de imprevisível, é absolutamente singular', diz cientista político Antonio Lavareda sobre eleição na pandemia

O cientista político Antonio Lavareda fez um panorama sobre as eleições municipais de 2020 em tempos de pandemia
Alice Albuquerque
Publicado em 11/09/2020 às 18:52
Antonio Lavareda classificou que a lei da ficha limpa acaba sendo um fator importante da moralidade Foto: SÉRGIO BERNARDO/ACERVO JC IMAGEM


Com um panorama sobre as eleições municipais de 2020 em meio à pandemia do coronavírus, o cientista político Antonio Lavareda comentou sobre as aglomerações na campanha, que estão proibidas, a Lei da Ficha Limpa e a influência das fake news nas eleições. Os assuntos foram abordados, nesta sexta-feira (11), em conversa com o jornalista Romoaldo de Souza, transmitida pelas redes sociais da Rádio Jornal. Na ocasião, ele falou também que a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) da reserva para candidaturas negras, previstas para começar a valer apenas nas eleições gerais de 2022 não reduzirá a desigualdade, que é um problema estrutural.

De acordo com Lavareda, as eleição de 2020 será diferente de todas as outras, e a classificou como "eleições da pandemia". "Uma ocorrência além de imprevisível, absolutamente singular. De um lado, temos a pandemia, do outro lado, mudou o calendário, e essa mudança tem suas consequências, isso por si já a faria diferente das demais. É uma eleição travada no momento de crise econômica. O Brasil vivia ensaiando o período de retomada excessiva, que foi tecnicamente até 2016, vinha aos poucos retomando as atividades econômicas e se viu mergulhado mais uma vez em uma depressão, redução expressiva do PIB", disse.

O TSE decidiu recentemente que os partidos políticos devem reservar 30% para as candidaturas negras, mas apenas para 2022. Na última quinta-feira, o ministro Lewandowski determinou que a reserva de recursos para negros já passam a valer agora em 2020. Ainda que a decisão leve mais representatividade negra para a política brasileira, influenciando que pessoas negras também entrem na política, Antonio Lavareda comentou que a decisão da reserva de recursos não diminuirá a desigualdade, "não vai ser corrigida com recurso financeiro".

"Foi uma decisão monocrática e provavelmente o pleno manterá [que passe a valer apenas em 2022], porque já havia vigência e a lei eleitoral não permite que seja adotada no ano. É um problema de recurso financeiro, ou não estamos falando que os negros estão sub representados na política, assim como as mulheres, e como promover a chegada deles em maior número. O problema que temos não é a falta de recurso financeiro. Há a necessidade de inserção social, experiência política, articulação. Essa desigualdade não vai ser reduzida para uma eleição, porque tem uma raiz estrutural, que é a desigualdade que se dá no ambiente de trabalho, nas altas cortes nos tribunais".

De modo geral, quem disputa a reeleição do cargo acaba saindo em vantagem aos novos postulantes. Principalmente com a pandemia e a proibição da aglomeração. Para o cientista político, a incumbência é um diferencial importante para o candidato disputar uma eleição "sentado na cadeira" que volta a disputar.

"É uma vantagem considerável sobre os demais competidores. A vantagem costuma ser substancialmente ponderada nos momentos de crise econômica, porque o candidato que está sentado na cadeira, não conta com os recursos necessários para responder as promessas que fez na eleição anterior, atender as demandas dos eleitores e corresponder as expectativas que despertou. Do outro lado, enfrenta o mau humor provocado pela crise econômica, diminuição da renda e elevação do desemprego, que sempre age esse clima contra o status quo. Na crise, a incubência deixa de ser uma vantagem". Ele disse a atuação no combate ao coronavírus deu maior centralidade aos prefeitos e, em um levantamento feito por ele, dos candidatos que estão concorrendo à reeleição majoritária nas capitais, 10 lideram as pesquisas.


Na ocasião, ele classificou que a lei da ficha limpa acaba sendo um fator importante da moralidade, principalmente por ser uma demanda que partiu da sociedade para construir um ganho civilizatório. "Alguma coisa se incorporou e o conjunto de todas elas vieram para ficar. O nosso processo político e com elementos seletivos, crivo que a sociedade utiliza para a seleção dos políticos que disputam. Uma legislação como essa já cumpre o papel de fazer preventivamente a separação, diminuindo o trabalho do exame pelos eleitores do currículo e da história de vida de cada candidato. Tem a ver com a complexidade do sistema eleitoral dotado que temos e cria dificuldades para o eleitorado. É uma essência que ajuda a fragmentar a política, a promover infidelidade em relação aos partidos, e torna a política uma coisa absolutamente opaco para o eleitor. É impossível ter escolhas racionais".



Questionado sobre a morosidade da justiça, Lavareda ressaltou a importância de ver os milites da Justiça Eleitoral em relação ao sistema e ao desejo dele. "No momento, isso remete a quantos candidatos teremos esse ano para que a Justiça Eleitoral acompanhe as contas da campanha. É imprescindível que a Justiça Eleitoral faça esse exame. Como ela pode examinar em tempo hábil as contas?", indagou.

"Nas últimas eleições municipais, foram cerca de 490 mil candidatos [para a Justiça Eleitoral fiscalizar]. Nessa quarta-feira, o ministro Luis Felipe Salomão dizia que é projetado para este ano algo em torno de 900 mil candidaturas com o final da coligação proporcional. Acho que teremos algo em torno de 600 mil, mas ainda assim, como a Justiça Eleitoral vai examinar a contento, com o mínimo de profundidade, contas de tantos candidatos, afora os comportamentos, infrações cometidas?", disse Lavareda, que defendeu a adoção do voto de lista fechada no País.

Tendo isso, o cientista político criticou a quantidade de partidos existentes no Brasil e ressaltou que o Brasil tem os espaços parlamentares mais fragmentados do mundo. "Do ponto de vista partidário, tem a maior quantidade de partidos com assento nessas casas legislativas. A explicação também tem a ver com o modelo de voto proporcional de lista aberta. Agora, vamos ter as primeiras eleições sem coligações nas proporcionais, que também era um mecanismo que favorecia a fragmentação de partidos, mas não é uma solução, vai continuar a fragmentação. Não precisamos ter um quadro bipartidário, rígido, como temos nos Estados Unidos. Podemos ter sistema multipartidário, pluri, mas moderados, não com mais de 30, tendo ainda quase 50 agremiações na fila de espera para serem legalizados", explicou.

Por sua vez, Lavareda salientou que uma das características destas eleições serão as redes sociais e as fake news, e que o fato não é "um fenômeno localizado". "É preciso entendermos fake news como um vírus circulando nas questões eleitorais, e continua agindo o elemento da integralidade do processo eleitoral, ou seja, ele destitui, macula o exercício da vontade eleitoral, porque fica viciado na origem. Fake news está comprovadamente afetando o processo eleitoral desde 2016 nos Estados Unidos. No Brasil, isso ocorreu na eleição presidencial, está em apuração. É importante que o eleitor entenda que precisamos de uma legislação".

 

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