A iniciativa nacional Enegrecer a Política formada por sete organizações de Pernambuco, Bahia, Pará e Rio de Janeiro, majoritariamente composta por mulheres negras está fazendo várias ações para discutir e influenciar a participação de pessoas negras na política. Uma dessas ações é o lançamento do Dossiê de Candidaturas Negras na próxima terça-feira (13), que seguirá da realização do I Encontro Nacional de Candidaturas Negras de 14 a 17 de outubro, em plataforma online.
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Enegrecer a Política é uma iniciativa voltada ao mapeamento e estímulo a candidaturas negras antirracistas e comprometidas com os direitos humanos. O objetivo do projeto é aumentar a representatividade negra nos espaços de disputa e poder.
Ingrid Farias, uma das coordenadoras do projeto, explicou que um dos objetivos é fazer o processo de incidência para ampliar a participação de pessoas negras no processo eleitoral, com produção de dados sobre a participação negra nas eleições de 2016, "na perspectiva de candidatura laranja, investimento de campanha, quantos candidatos se consideravam negros na época".
"Vamos lançar um panorama do perfil dos candidatos, do eleitorado que vem mudando a partir dos anos. Produzindo dados e levantando informações para garantir esse processo. A maior parte dos estudos é feita pela participação negra ou feminina", disse uma das coordenadoras.
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A historiadora e integrante do projeto Enegrecer a Política como pesquisadora e articuladora, Rebecca França, explicou que a ação é dividida em vários eixos entre pesquisa, divulgação de dados sobre candidaturas negras e articulação com integrantes de coletivos de outros estados do Brasil, já que o foco é nacionalizar a pesquisa. "A articulação dos coletivos geralmente são duas; um debate online falando da importância da gente eleger pessoas negras, já que pessoas negras são maioria na sociedade. Às vezes, eles convidam candidaturas negras, mas só de partidos de esquerda, não de direita".
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França explicou que a prioridade para candidaturas de esquerda é devido ao alinhamento dos partidos de direita com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), mas utilizam todos os partidos em respeito a democracia. "Evitamos candidaturas que sejam aliadas a Bolsonaro, já que ele é explicitamente anti-direitos humanos e o nosso projeto tem o foco na democracia racial e direitos humanos", pontuou. A historiadora detalhou que o voto deve ser dado a pessoas negras que cumpram critérios de " pessoas que têm vínculo com os bairros, entende a pauta trabalhista, a importância de contribuir para políticas de educação e saúde, o que é importante para a população em geral".
De acordo com Rebecca, a representatividade de pessoas negras na Câmara Municipal do Recife é baixa. "Algumas pesquisas de 2016 mostrava que, às vezes, uma porcentagem de menos de 10%, em alguns lugares, chegavam a 3% de pessoas negras nas câmaras de vereadores. Em contrapartida, 75% das pessoas que vivem em miséria são pessoas negras. É esse tipo de informação que queremos compartilhar. Se temos mais de 50% da população negra e mais de 75% em que vivem em miséria, quais os dados que podemos trazer que se contrapõem a isso? 25% das pessoas dos movimentos sociais querem entrar em cargos políticos, porque não adianta só fazer o trabalho comunitário, temos que estar lá também (dentro do parlamento). No Recife, 7% dos vereadores são negros. É um dado alarmante e baixíssimo", contou.
Por sua vez, a integrante do Observatório Feminista do Nordeste Ilka Guedes comentou que a quantidade de pessoas negras na participação da política brasileira é baixa e acaba interferindo na criação de políticas públicas e direitos. "Temos menos poder político do que pessoas brancas. Isso interfere diretamente nos nossos direitos e qualidades de vida. Vamos partir de dados de como é a realidade, se a hipótese se confirma a partir dos dados que pegamos, elencamos em categorias e tínhamos interesse em pesquisar em relação a eleição municipal".
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"Fizemos uma análise e ficou comprovado que a partir delas não é que pessoas negras não participam das eleições. Elas participam, são maioria das candidaturas, mas ela não se reflete na quantidade de pessoas que são eleitas e vão exercer o mandato. Na prática, a defasagem está aí. Temos trazido várias problematizações com relação ao investimento das campanhas das candidaturas negras. Teremos dados sobre o investimento. Apesar da maioria das candidaturas serem de pessoas negras, os maiores valores de investimentos estão nas candidaturas brancas, é um dado que chama atenção. Quando analisamos na prática, quem realmente ocupa o espaço de poder é o homem, branco, hétero e adulto na faixa etária dos 40 anos. Essa diversidade não reflete nos espaços de participação política e tomada de decisão".
Ilka informou que a pesquisa das eleições municipais de 2020 com a comparação em dados com as eleições municipais de 2016 deverá ser divulgada em março de 2021. "Tem todo o processo do TSE disponibilizar os dados para a gente poder pegar essa base para trabalhar com os dados do jeito que precisamos, e foi o que fizemos agora. Só ano que vem vamos poder fazer esse comparativo, se houve um avanço em relação à candidatura e se ele se refletiu na ocupação dos espaços", finalizou.