Dentro ou fora do PSDB, não é segredo para ninguém que o governador de São Paulo, João Doria, deseja concorrer à presidência da República. Na última semana, porém, na ânsia de lançar seu nome ao Palácio do Planalto, o tucano meteu os pés pelas mãos e viu surgir dentro do próprio partido um oponente que pode impedi-lo de alcançar o seu objetivo: o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite.
Durante jantar com correligionários de alta patente na sede do governo paulista, Doria expôs, de uma só vez, sua intenção de assumir a presidência do partido, de expulsar o deputado federal Aécio Neves da sigla e de começar a articular o lançamento da sua candidatura à sucessão de Jair Bolsonaro (sem partido). A notícia caiu como uma bomba no ninho tucano, que logo tratou de montar uma reação aos anseios do governador.
Além de prorrogar até 2022 o mandato do atual presidente do partido, o pernambucano Bruno Araújo, com o apoio de 26 presidentes de diretórios estaduais, de 23 dos seus 33 deputados federais e de todos os seus sete senadores, o PSDB cuidou para que Doria não fosse o único representante da agremiação a liderar um projeto nacional para 2022. Na última quinta-feira (11), uma comitiva com mais de 20 tucanos esteve em Porto Alegre para convencer o governador Eduardo Leite a assumir essa posição, e o gaúcho aceitou.
“O que está se discutindo agora é a ajuda na liderança de um processo político que construa uma alternativa para o País de sobriedade, de sensatez, de moderação, que é o que nós temos praticado no Rio Grande do Sul. É sobre tratar desse projeto para o País e depois, futuramente, escolher quem vai representar o partido”, afirmou Leite, na sexta (12), durante entrevista à Rádio Gaúcha. O governador evita o título de pré-candidato, mas depois de se reunir com os membros do partido afirmou que passará a visitar outros estados para auxiliar a legenda na construção desse planejamento para as eleições.
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Na avaliação do cientista político Ricardo Ismael, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), o gesto do governador de São Paulo foi mal visto pelos seus pares porque, ao tentar dar uma grande cartada, Doria acabou demonstrando certo autoritarismo, e a consequência disso é que ele acabou perdendo espaço, se desgastando. “O Doria tem se mostrado muito atabalhoado na política nacional. A cartada dessa semana, por exemplo, foi um tiro na água. O único candidato à presidência competitivo que o PSDB tem hoje é ele, isso não o autoriza a simplesmente colocar a sigla debaixo do braço para fazer o que quer, agindo contra as bancadas da Câmara e do Senado, contra os diretórios estaduais, contra os governadores. Houve um amadorismo político da parte dele com relação a isso. Quer ser candidato? Tudo bem, mas vai ter que negociar”, observou.
Filiado ao PSDB desde 2001, Doria só passou a tentar aumentar a sua relevância no partido a partir da sua primeira eleição, em 2016. Em 2018, por exemplo, o hoje governador trabalhou ativamente para que Bruno Araújo - o mesmo que tentou derrubar agora - fosse conduzido à presidência da agremiação, tirando de cena o ex-governador Geraldo Alckmin, que ocupava o posto até então e é seu desafeto, assim como outros tucanos da velha guarda.
Foi nessa mesma época, inclusive, que ele iniciou sua tentativa de expulsar Aécio Neves do partido, mas os tucanos acabaram decidindo mantê-lo filiado. “Com Aécio fora do partido, o Doria não teria nenhuma outra figura de poder dentro da legenda que pudesse comprometer a sua candidatura à presidência. Ocorre que Aécio, que vinha voando abaixo da linha do radar temendo as autoridades, quando percebeu essa nova movimentação do governador, veio à tona com uma nota duríssima”, destacou o cientista político Elton Gomes, da Faculdade Damas.
No texto ao qual Gomes se refere, Aécio classifica a tentativa de Doria de assumir o comando do partido como “lamentável” e diz que a tradição democrática do PSDB não será “sufocada por arroubos autoritários”. O parlamentar mineiro acrescenta, ainda, que “o destempero do governador se deve, na verdade, à sua fracassada tentativa de se apropriar do partido”.
O gestor paulista não se calou diante do comunicado de Neves e também lançou uma nota na qual diz que “o novo PSDB não pode se subordinar a projetos pessoais, que se perderam pela conduta inapropriada em relação à ética pública”.
“Um dos principais erros de Doria foi ter subestimado a força de Eduardo Leite, de Bruno Araújo e de Aécio em uma arena que ele pouco conhece, que é a arena congressual. Quando o governador obteve a vitória no caso das vacinas contra o governo federal, ele achou que poderia dar um passo mais ousado, retirando Bruno da presidência, expulsando Aécio e garantindo-se como candidato em 2022. Mas essa tentativa de tratoramento acabou unindo essas outras forças. O grupo de Aécio e o de Eduardo Leite, por exemplo, não são próximos, mas em ciência política nós dizemos que uma ameaça comum introduz a cooperação aos interessados. E o Doria se colocou como uma ameaça para todos eles”, pontuou Elton Gomes.
Diante de toda essa turbulência no PSDB e da chegada de Eduardo Leite no páreo, Doria não dá sinais de que vai declinar do seu desejo de concorrer ao Planalto. Em coletiva de imprensa no Palácio dos Bandeirantes na tarde da sexta, o governador defendeu a realização de prévias da sigla, movimento classificado por ele como uma “medida democrática”.
“Eu sou um defensor das prévias. Sou filho das prévias, aliás. Eu participei das prévias no PSDB à Prefeitura de São Paulo, depois das prévias para o governo de São Paulo e venci essas duas disputas. Não estou dizendo que sou candidato, que serei candidato, apenas para ficar claro que eu sou um defensor das prévias. É uma medida democrática, justa, correta, ela é ativadora, irrigadora e entusiasma o partido que utilizar o recurso das prévias, seja o PSDB ou qualquer outro”, cravou o gestor paulista.
Questionado sobre o futuro do PSDB, o cientista político Rodrigo Prando, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, afirma ser complicado fazer uma projeção como essa diante da realidade atual da agremiação. O docente frisa, no entanto, que para saber para onde vão, os tucanos precisam, antes de tudo, saber o que querem. “A primeira pergunta que deve ser feita pelo partido é: o que nós queremos? Nós queremos ser um partido conectado com a sociedade? Queremos ser um partido social democrata? Somos um partido de direita, liberal na economia, mas também liberal nos costumes? Ou seremos liberais na economia e conservadores nos costumes, nos assemelhando a um traço do bolsonarismo? Antes de saber para onde vão, eles precisam saber quem são. E isso não é facil”, declarou.
“Em termos de partido, é necessário apresentar uma identidade e comunicar isso à sociedade. O PSDB, historicamente, é taxado como um partido que fica em cima do muro, até por conta do perfil do Fernando Henrique Cardoso, que como intelectual escutava muito, ponderava antes de discutir, mas os partidos têm que se apresentar. Por isso é difícil dizer para onde vai o PSDB a partir de agora”, concluiu Prando.